Cenários cada vez mais difíceis e menos confortáveis estão à espera de novos profissionais -- e também de veteranos -- dentro das empresas. Até aí nenhuma novidade para quem acompanha a virada do avesso que a globalização impôs às economias. O que está difícil de engolir nas empresas brasileiras é o tamanho do caroço da baixa escolaridade da mão-de-obra. O especialista em recursos humanos João Rodrigues Canada Filho, do Grupo Foco, não vacila ao afirmar que uma educação comprometida afeta diretamente o mercado de trabalho e esse é o maior problema do Brasil hoje. Para dar conta das exigências da competitividade, as empresas estão com extintores nas mãos investindo recursos e tempo na educação e formação de funcionários, algo que João Canada elogia, mas acha que esse incêndio é de competência do poder público debelar.
Administrador de empresas e também economista, o vice-presidente do Grupo Foco, da Capital, esteve no Sesi São Bernardo para falar a profissionais de recursos humanos reunidos em torno do Gaper (Grupo de Administração de Pesquisa e Remuneração). Alguns conselhos: retidão de caráter, capacidade, alto nível de exigência consigo mesmo e comprometimento com as pessoas e com a empresa são qualidades em alta no profissional moderno.
Como executivo de Recursos Humanos, preocupado em alertar que nesta era do conhecimento mão-de-obra de classe mundial é verdadeiro mantra nas empresas, como o senhor vê a baixa escolaridade brasileira, onde 51% dos estudantes não completam a Educação Básica, isto é, saem antes de concluir o Ensino Médio, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais)?
João Rodrigues Canada -- Infelizmente esse é o maior problema que o Brasil encontra nos dias atuais. A baixa escolaridade afeta diretamente o mercado de trabalho e o desenvolvimento da mão-de-obra. Com a globalização e o crescimento de novas tecnologias, o mínimo de escolaridade necessária para a maioria das profissões ou ocupações do mercado de trabalho é o Primeiro Grau completo. Isso evidência que os profissionais, para manter-se ou terem acesso ao mercado de trabalho, devem investir na formação.
Como os setores de treinamento e desenvolvimento humano das empresas têm lidado com as deficiências do sistema educacional brasileiro? Como uma empresa pode ser competitiva e globalizada num Brasil onde só 12% da população entre 18 e 24 anos estão nas universidades, contra 36% na Coréia?
João Rodrigues Canada -- Está cabendo às empresas investir recursos e tempo na educação de sua mão-de-obra. Esse papel complementar da educação é importantíssimo e até um feito louvável, pois fará com que o Brasil melhore seus índices em breve espaço de tempo. Porém, cabe também aos profissionais se interessarem e buscarem o desenvolvimento profissional próprio.
A saída mais eficaz para as empresas educarem mão-de-obra para a estratégia de seus negócios estaria nas universidades corporativas, como já têm feito organizações brasileiras como Brahma, Amil, Motorola e até entidades como o Secovi?
João Rodrigues Canada -- A universidade corporativa, sem dúvida, é uma das saídas. As empresas que têm trilhado esse caminho têm conseguido melhorar muito seus índices de produtividade, diminuindo o turn-over e complementado um papel educacional/social importante. Esse não é o único caminho ou solução. É extremamente necessário que o governo assuma e cumpra seu papel na área da educação.
Gurus da nova ordem econômica dizem que conhecimento individual já não é suficiente. A regra agora é trabalhar justamente a cultura corporativa, por isso se tem dado tanta ênfase às células de produção, aos líderes de unidades, ao esforço do coletivo etc. O homem de Recursos Humanos -- até então focado em treinamento e na burocracia das folhas de pagamento -- tem acompanhado essa evolução?
João Rodrigues Canada -- No ambiente de trabalho moderno não existe mais espaço para o antigo DP (Departamento Pessoal). No passado, as relações de trabalho eram pautadas nas leis, na desobediência e na punição. Hoje em dia, mesmo com a leis, as relações do trabalho são pautadas nos resultados, no comprometimento da equipe, na busca de satisfação das partes e na constante melhoria pessoal e profissional. O papel atual é do funcionário colaborando e dos empresários recompensando. Isso exige de todos os gestores de pessoas atitudes de condução, de reconhecimento e enobrecimento do profissional.
Quais as principais características de um bom profissional hoje?
João Rodrigues Canada -- Destacaria três. Primeiro, alto nível de exigência, o que significa capacidade de estar sempre insatisfeito com seus resultados no trabalho e buscar a forma de realizar melhor suas tarefas. Em segundo vem a humildade, ou seja, visão realista de si mesmo com adequada percepção de suas potencialidades e limitações e com pré-disposição para valorizar os aspectos essenciais da sua relação com o trabalho e não apenas superficialidades que são símbolos de status. Por fim enfatizo a integridade, isto é, a qualidade de caráter (moral e conduta), ligada à retidão de princípios, imparcialidades, honestidade, coerência e comprometimento com as pessoas, a empresa e consigo mesmo.
Sucesso profissional é causa ou consequência de sucesso pessoal ou nada está vinculado?
João Rodrigues Canada -- As duas coisas caminham juntas sempre. Em alguns momentos um é causa e o outro é consequência e vice-versa. O sucesso pessoal e profissional é uma soma de fatores como determinação, desenvolvimento cultural, tenacidade, planejamento de objetivos, competência e consciência da realidade do momento.
Que novo cenário o profissional está encontrando nas empresas nestes tempos de alta competitividade?
João Rodrigues Canada -- O cenário encontrado nas organizações é consequência sobretudo dos seguintes fatores, que são interdependentes: a velocidade das mudanças, as novas tecnologias, a imprevisibilidade e o que chamo de impermanência. Vamos detalhar.
A velocidade de mudanças é a rapidez com que se alteram os fatores econômicos, normas e procedimentos organizacionais, as diretrizes para resultado e o parâmetro de comportamento. Há mudanças diariamente. A impermanência são as regras mercadológicas e os conceitos aplicados pelas organizações também mudando constantemente. Já a imprevisibilidade é a dificuldade que os profissionais passaram a encontrar para fazer previsões principalmente de curto prazo em função do cenário macroeconômico. Sem falar na tecnologia, que é o leque de instrumentos disponíveis para utilização na busca de melhores resultados.
Há uma corrente de estudiosos segundo a qual o trabalhador brasileiro custa barato; seu emprego é que é caro. Por isso, muito da modernização das relações do trabalho passa pela desoneração dos chamados benefícios trabalhistas -- que chegam a dobrar o custo de um emprego para o empregador. Qual sua visão sobre a flexibilização que se tenta implantar no Brasil com os acordos entre empresa e sindicatos se sobrepondo à CLT?
João Rodrigues Canada -- Nas novas relações de trabalho a relação entre empresas e empregados será muito mais estreita e é o caminho para que as partes encontrem novas alternativas e regras para baratear o emprego. Usar de flexibilidade, encontrar alternativas baratas, proteger o empregado, melhorar os índices de produtividade das empresas e construir uma relação de trabalho ganha-ganha não é papel da CLT, mas sim das partes envolvidas. E isso deve ser feito sem o orgulho de autoria e o interesse unilateral do resultado.
Soluções tecnológicas, novos processos de produção, automação crescente e gestão do conhecimento são as novas moedas conversíveis em competência empresarial. Curiosamente, o 9º Congresso Mundial de Recursos Humanos, agendado para maio próximo na Cidade do México, tem como tema-eixo Back to the Person (O Retorno às Pessoas). Isso significa que o homem foi esquecido em todo esse reposicionamento frenético pela competitividade da globalização?
João Rodrigues Canada -- Não acredito que o homem foi esquecido com a globalização. O que na verdade o mundo moderno busca é o retorno à capacidade e ao talento humano. O profissional não pode ser visto mais como um mero objeto de resultado do trabalho, mas sim como o grande agente que tem o poder de transformar, modificar e consolidar esse cenário de mudanças que vivemos e a gestão das organizações.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira