Entrevista Especial

Mesmo barco para
um futuro melhor

DANIEL LIMA - 05/04/2002

Dois dos mais importantes programas de governo implantados por Celso Daniel em Santo André, o Orçamento Participativo e o Cidade Futuro, ganharam novo roteiro a partir deste ano. Comandados por Teresa Santos e Pedro Pontual, o Cidade Futuro e o Orçamento Participativo já não são compartimentos que separam as inquietações do que é supostamente mais elitizado do também supostamente mais popular. A inovação de unir estrategicamente as propostas de médio e longo prazo do Cidade Futuro com o planejamento anual dos recursos públicos hierarquizados pela população é o grande lance administrativo que o prefeito Celso Daniel não pôde ver aplicado, mas que está sendo atentamente acompanhado pelo herdeiro João Avamileno. 


Coordenadora do projeto Cidade Futuro e moradora em Santo André há 48 anos, Teresa Santos se juntou a Pedro Pontual, especialista em educação e secretário de Participação e Cidadania da Prefeitura. Pedro Pontual não tem o mesmo histórico de vivência cronológica em Santo André, mas trouxe a experiência de já ter trabalhado com Paulo Freire na coordenação do Mova-São Paulo durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, entre 1989 e 1992, entre outros requisitos. 


Os resultados dessa operação já começam a aparecer e desafiam não só os dois comandantes, como também a rede de participantes da sociedade. Embora afirmem que diferentes representantes sociais participem ativamente dos dois programas, a prática tem reservado para o Cidade Futuro agentes voltados para questões macrotemáticas e, por isso mesmo, mais complexas. Já o Orçamento Participativo contempla pautas territoriais e emergenciais.  Ao emparelharem os dois processos, Teresa Santos e Pedro Pontual sabiam que a engrenagem poderia apresentar ruídos. Por isso, agiram prontamente. A experiência da fusão de projetos que tratam as emergências do hoje e as responsabilidades do amanhã é inédita entre as administrações do Partido dos Trabalhadores, doutrinariamente voltado à consulta da sociedade.


Acompanhe esta entrevista feita através da Internet:


A interseção dos programas Orçamento Participativo e Santo André-Cidade Futuro significa que a administração municipal de Santo André resolveu apenas inovar em dois modelos de participação nos destinos da cidade ou também está decidida a aproximar representantes sociais de características diferentes? Seria equívoco afirmar que o Cidade Futuro reúne agentes que ocupam grades sociais mais elevadas da comunidade, enquanto o Orçamento Participativo conta mais com representações populares, muitas das quais já constituídas em entidades de classe?


Teresa Santos -- Santo André resolveu inovar, considerando que os processos incorporam a participação da comunidade mas dão conta de diferentes aspectos de um planejamento integrado da cidade. O Cidade Futuro trabalha em torno de eixos temáticos estruturantes do desenvolvimento de médio e longo prazo da cidade (Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Urbano, Qualidade Ambiental, Inclusão Social, Educação, Identidade Cultural, Reforma do Estado, Saúde e Combate à Violência Urbana) e o Orçamento Participativo trabalha com o planejamento anual dos recursos a serem aplicados pelo Poder Público. 


A inovação em Santo André reside exatamente no fato de articular essas duas dimensões de planejamento, preservando, contudo, suas finalidades próprias. Dos dois processos participam pessoas de diferentes segmentos sociais, econômicos e culturais. O que ocorre é que, tendo em vista os objetivos de cada programa, há uma diferenciação de peso e concentração de alguns segmentos no Orçamento Participativo e no Cidade Futuro.


Pedro Pontual -- Tanto o Orçamento Participativo como o Cidade Futuro têm conseguido reunir diferentes segmentos sociais, até porque o convite é feito de modo universal aos cidadãos da cidade. A aproximação tende a reforçar essa tendência, possibilitando que os diversos segmentos sociais façam o importante aprendizado de discutir tanto os desafios estratégicos para o desenvolvimento da cidade quanto necessidades e problemas mais imediatos. Seria grande equívoco se houvesse polarização na disputa. Para evitar isso, Santo André resolveu inovar buscando ampla articulação entre os dois projetos.


Preocupa a possibilidade de surgirem ruídos que possam tornar essa junção uma empreitada de risco aos dois programas? Traduzindo: há possibilidade de rejeição entre integrantes?


Teresa Santos -- Como toda inovação e como todo processo matricial, são necessários alguns cuidados. O Orçamento Participativo é processo mais longo, consolidado; tem um Conselho Deliberativo que funciona com regras detalhadas e tem regularidade de procedimentos que, embora sejam continuamente enriquecidos, se repete ano após ano.


O Cidade Futuro é mais recente. Sua dinâmica e regulação são mais flexíveis e, nesse momento, através da participação de seus representantes no Conselho Municipal do Orçamento Participativo, entrará com propostas para compor o conjunto de ações que necessitam de recursos públicos que, todos sabemos, são escassos. Essa fase inicial de articulação foi muito bem sucedida: após um momento inicial de dúvidas, diálogo transparente e negociação serena, chegou-se a acordo entre o Grupo Coordenador do Cidade Futuro e o Conselho Municipal do Orçamento. Diálogo, transparência e negociação são palavras-chave.


Pedro Pontual -- Estamos muito confiantes no sucesso da articulação entre o Orçamento Participativo e o Cidade Futuro. Diria que alguma resistência inicial é natural em processos de grande inovação e quando se busca integrar projetos que têm histórias e dinâmicas diferenciadas de funcionamento. No entanto, após amplas discussões tanto no âmbito do Orçamento Participativo como do Cidade Futuro, diria que há boa disposição dos integrantes para tal aproximação, até porque há contingente significativo de lideranças da sociedade civil e de membros do governo que já participam dos dois processos. A eleição dos conselheiros do Cidade Futuro na Conferência da Cidade para compor o Conselho Municipal do Orçamento e a discussão no âmbito desse Conselho do novo regimento interno do Orçamento Participativo, prevendo a incorporação de representação do Cidade Futuro, foram momentos que demonstraram a vontade política de seus integrantes para essa aproximação e a disposição para os aprendizados que serão necessários.


Quais foram os resultados mais positivos do programa Santo André-Cidade Futuro até agora? Houve grupos que não apresentaram a assiduidade esperada?


Teresa Santos -- Em dois anos e meio de trabalho, definimos juntos, governo e setores sociais, os principais eixos do desenvolvimento integrado e sustentável da cidade; as diretrizes, metas e ações para cada eixo. Esse trabalho nos permitirá, inclusive, produzir a revisão, num melhor contexto, do Plano Diretor de Santo André. Fizemos duas Pré-Conferências e duas Conferencias Deliberativas. Temos aproximadamente 1,2 mil pessoas que passaram pelos grupos temáticos. A última Conferência Deliberativa, em dezembro de 2001, contou com 512 participantes, elegeu nove conselheiros titulares e nove suplentes para compor o Conselho Municipal do Orçamento, além de ratificar um conjunto de 450 ações propostas pelos Grupos Temáticos.   Dessas ações, cerca de 250 já estão em andamento no governo. Das restantes, cada grupo temático agora selecionará seis, que serão levadas ao Conselho de Orçamento para discussão quanto aos recursos financeiros.


Também realizamos a 1ª Mostra Universitária Santo André -- Cidade Futuro que mobilizou cerca de 600 professores e alunos da rede de Terceiro Grau da região. Foram 187 trabalhos apresentados, relativos aos nove eixos temáticos. Foram escolhidos 86, apresentados e debatidos por público de 1.100 pessoas. As Comissões de Organização e de Seleção dos Trabalhos foram compostas por diretores, coordenadores e professores de universidades e faculdades da região, por representantes do Poder Público e da sociedade civil. Os resumos dos trabalhos selecionados foram objeto de publicação que está sendo enviada para entidades, empresas, prefeituras e universidades de todo o Brasil.


Hoje, estamos trabalhando 22 Sindicatos (filiados a CUT, Força Sindical e independentes) numa pesquisa que objetiva ouvir os trabalhadores na base das diferentes categorias quanto ao futuro da cidade. Temos ainda em atividade um grupo de teatro composto por cerca de 30 adolescentes, derivado das oficinas de grafite, vídeo, fotografia e reciclagem que realizamos com 1,6 mil alunos da rede estadual em 2000. Quanto aos nove grupos de trabalho temáticos, assim como o grupo coordenador, funcionaram regularmente nesses dois anos e meio. Todos cumpriram as tarefas estabelecidas. Houve, porém, em alguns, rotatividade bastante grande de pessoas. O número médio de participantes por GT também oscilou: alguns não despertaram interesse maior na comunidade, outros tiveram grande participação -- 40, 50 até 60 pessoas por reunião. Em alguns GTs predominaram representantes dos setores médios, em outros, setores populares. Todos os grupos de trabalho são abertos a qualquer cidadão, sem qualquer pré-requisito, a não ser o interesse em participar das decisões quanto ao futuro de Santo André. Basta contatar-nos para obter a programação e o calendário de atividades.


O que o Orçamento Participativo apresenta de legado para a sociedade de Santo André?


Pedro Pontual -- O Orçamento Participativo trouxe para a cena pública a discussão e as decisões a respeito do orçamento da cidade. É o que costumamos denominar de uma nova esfera pública transparente e democrática, na qual todos os cidadãos estão convidados a participar e a decidir -- em conjunto com o governo municipal -- as prioridades para alocação de recursos. Trata-se, portanto, de um método de governo fundado no princípio da co-gestão pública. No caso de Santo André, o Orçamento Participativo é um desses canais de co-gestão e que se articula com outros, como o Cidade Futuro, os Conselhos Municipais de Políticas Públicas e a Ouvidoria do Município, constituindo o que poderíamos chamar de rede de participação cidadã.


A fusão parcial dos dois programas é resultado de planejamento ou foi o amadurecimento que acabou provocando essa convergência?


Teresa Santos -- Não é uma fusão, mas uma articulação entre propostas com objetivos e dinâmicas próprias.  A anterior existência do Orçamento Participativo e o fato do Cidade Futuro ter se viabilizado e amadurecido propiciaram essa articulação, que é resultado de planejamento que vem sendo desenhado e amadurecido desde o ano 2000. No ano passado, cada grupo de trabalho indicou um representante da sociedade civil para acompanhar como observador o Conselho Municipal de Orçamento. Esse primeiro contato era experimental. Os indicados tinham direito a voz mas não a voto. Agora, eleitos na Conferência de Dezembro de 2001, os conselheiros do Cidade Futuro exercerão voto nas deliberações, além de terem representação na Coordenação Paritária do Conselho Municipal de Orçamento.


Pedro Pontual -- Prefiro falar em articulação dos projetos, porque são processos que têm objetivos próprios e seguirão com dinâmicas diferenciadas. Acredito que essa articulação é possível devido tanto à intencionalidade do governo quanto ao amadurecimento na compreensão da necessária complementaridade; ou seja, as decisões do Cidade Futuro precisam se traduzir em propostas orçamentárias e o Orçamento Participativo é o espaço legítimo para isso. Por outro lado, o orçamento do Município precisa incorporar, além das demandas mais imediatas, propostas que possibilitem o desenvolvimento integral e sustentável. O Cidade Futuro é a fonte mais legítima no Município de elaboração desse tipo de diretriz.


O que mudou nas demandas do Santo André-Cidade Futuro e do Orçamento Participativo com a inclusão da Lei de Responsabilidade Fiscal como ferramenta controladora dos Executivos públicos? Os participantes têm informações substantivas a respeito das restrições orçamentárias a partir da LRF?


Teresa Santos -- Entendemos que a Lei de Responsabilidade Fiscal é instrumento muito importante no sentido de coibir a irresponsabilidade e o mau uso dos recursos públicos e de contribuir para a transparência da gestão -- e nesse sentido reforça a proposta do Orçamento Participativo.  Por outro lado, acreditamos que precisa ser aprimorada sob alguns aspectos, para melhor tratar, por exemplo, a questão dos investimento sociais.


Para o Cidade Futuro, a LRF ainda não teve consequências práticas, uma vez que as ações novas serão discutidas a partir de agora, quanto à viabilidade financeira, legal, técnica etc. Quanto às ações em andamento, já foram incorporadas sem problemas pelas secretarias municipais ao longo do período. A LRF faz parte de um curso de formação que estamos produzindo para os participantes do Cidade Futuro e já vem sendo discutida com os conselheiros do Orçamento Participativo.


Pedro Pontual -- Há alguns aspectos positivos da LRF no sentido de transparência e da prestação pública de contas do orçamento, inclusive prevendo a realização de audiências públicas periódicas em que o cidadão pode acompanhar a execução orçamentária. No tocante aos aspectos restritivos da nova lei, temos informado a população, sobretudo nessa primeira rodada de plenárias do Orçamento Participativo, sobre a situação financeira e orçamentária do Município. Também no Conselho Municipal do Orçamento fazemos diversas discussões com os conselheiros sobre as consequências da LRF para as finanças do Município.


Há três anos foram contestados os resultados do Orçamento Participativo sob a ótica de que apenas 40% das prioridades foram concluídas e isso teria gerado desânimo. Que balanço o senhor faz hoje, passados cinco anos do programa?


Pedro Pontual -- Um dos aspectos centrais da credibilidade de que goza o Orçamento Participativo é a realização do que foi decidido em conjunto com a comunidade. Ao final da gestão 1997/2000 havíamos concluído mais de 90% do que foi deliberado no âmbito do Conselho Municipal do Orçamento. Os 10% restantes, em fase de conclusão, se referem a obras de longa duração, cuja conclusão transcende a um ano, ou a atrasos devido a dificuldades de ordem técnica. A cada dois meses os representantes do Conselho Municipal do Orçamento recebem relatório de prestação de contas do andamento das obras e serviços, quando as conquistas e também as dificuldades são debatidas com a mais absoluta transparência com os conselheiros.


O fato de o Cidade Futuro tratar de demandas menos emergenciais e o Orçamento Participativo de questões mais prementes e localizadas não coloca uma barreira nessa aproximação?


Teresa Santos -- Barreira não. Mas certamente coloca a necessidade de uma discussão mais elaborada quanto à articulação e à distribuição dos recursos. Tratar somente das questões emergenciais e desprezar o planejamento é certamente gerar graves problemas futuros. Mas o inverso também é verdadeiro: cuidar só do futuro é ignorar as demandas do cotidiano da população. Cabe ao Poder Público essa tarefa salomônica.  Mas entendemos que cada vez mais os cidadãos devem ser partícipes, deixando claro que não se trata de desobrigar-se ou omitir-se das responsabilidades que cabem aos governantes. E é evidente que isso não será simples. Deverá ser um processo de aprendizado mútuo, de negociação.  Mas é também assim que se formam lideranças civis capazes de discutir com propriedade as ações do governo.


Pedro Pontual -- A prática tem mostrado que a natureza por vezes diferenciada de algumas das demandas discutidas no Orçamento Participativo e no Cidade Futuro coloca o desafio para os integrantes dos dois processos de compreender que a realidade de Santo André tem hoje tantos desafios emergenciais quanto de ordem mais estratégica, e que o orçamento do Município precisa fazer a síntese desses dois tipos de demandas na perspectiva de que o futuro começa a ser construído hoje e de que é preciso dar resposta às dívidas do Poder Público para com os setores e territórios mais excluídos da cidade.


Houve muita resistência à prática do Orçamento Participativo em Santo André, com ilações políticas e ideológicas que colocavam o tema sob ângulo de instrumentalização partidária. Comparativamente a outros municípios que adotaram o sistema, qual é a performance de Santo André? Só petistas participam?


Pedro Pontual -- Como a própria pergunta expressa, trata-se de ilações políticas e ideológicas que não correspondem à realidade dos fatos. De acordo com pesquisas realizadas sobre o perfil dos participantes das plenárias do Orçamento Participativo no período 1997/2000, pode-se afirmar que, em média, cerca de 60% dos participantes declararam não pertencer a nenhuma entidade ou movimento social. Isso indica que o Orçamento Participativo está cumprindo o papel de espaço aberto a todos os cidadãos da cidade, independentemente de estarem vinculados a movimento social ou partido político. Dos 40% restantes, a maioria está vinculada a associações ligadas ao seu local de moradia, a associações sindicais ou outras formas de organizações da população, casos de igrejas, escola de samba etc. O Orçamento Participativo é uma das principais referências de experiências bem-sucedidas no Brasil, tendo inclusive reconhecimento internacional. No início de fevereiro último, por exemplo, fomos convidados para um evento organizado pelo Parlamento do Peru, que discutiu a implantação do Orçamento Participativo naquele país.


O Cidade Futuro teve o cuidado de estruturar-se como fórum multifacetado do ponto de vista social, inclusive com participação de agentes econômicos diversos. Seria uma resposta amadurecida às ilações de partidarismo do Orçamento Participativo?


Teresa Santos -- Não há instrumentalização partidária no Orçamento Participativo. Nem no Cidade Futuro. Há um esforço contínuo para que cada vez mais amplos e diferenciados setores participem da gestão da cidade. Talvez essa impressão ocorra porque o Orçamento Participativo é uma prática característica das administrações do PT. Bem-sucedida, está sendo incorporada por várias prefeituras não petiscas que adotam o Orçamento Participativo como instrumento de modernização da gestão.


Quanto ao Cidade Futuro, sua espinha dorsal de funcionamento, articulada em torno de eixos e subeixos temáticos, enseja a participação de um leque bastante diversificado de setores econômicos e sociais da comunidade e a participação de representantes de todas as secretarias municipais. A direção do Cidade Futuro, no caso o Grupo Coordenador, é o reflexo dessa diversidade.  É interessante observar que esse arranjo temático reúne em torno da mesma mesa atores que têm propostas diferentes e até antagônicas para a mesma questão. Mas também reúne atores que, no debate, acabam identificando parceiros com uma mesma visão. De todo modo, as propostas apresentadas resultam de debates e negociações.


O Banco Mundial considerou recentemente, através de Victor Vergara, especialista em gestão pública, que o Orçamento Participativo é uma das experiências mais positivas e inovadoras surgidas na América Latina. Ele considera a participação da comunidade na discussão dos investimentos públicos postura moderna que começa a despertar interesse em diversos países. Isso é gratificante para o senhor, um dos precursores desse modelo administrativo?


Pedro Pontual -- Esse reconhecimento do especialista do Banco Mundial e de outros tantos organismos internacionais, como por exemplo o Programa de Gestão Urbana da ONU, é sem dúvida bastante gratificante. Afinal, trata-se de uma inovação em gestão pública que tem origem e principal fonte de experimentação no Brasil e que hoje já vem sendo adotada em importantes cidades da América Latina. Em outros continentes, como a Europa, alguns municípios, como Saint-Dênis na França, também já adotam esse modelo. No recente Encontro Mundial de Autoridades Locais, realizado em Porto Alegre nos dias que antecederam o Fórum Social Mundial, houve grande interesse pelo tema do Orçamento Participativo. No ano passado, recebemos em Santo André uma delegação de prefeitos, vereadores e técnicos da Associação de Municipalidades Chilena, que vieram conhecer nossa prática de Orçamento Participativo e a viabilidade de implantação no Chile. Em síntese, como método inovador e democrático de gestão pública, o Orçamento Participativo tende a ser adotado por governos efetivamente comprometidos com a transparência e seriedade na discussão do orçamento público.


Seria exagero dizer que o Cidade Futuro é um Orçamento Participativo das chamadas elites sociais, no sentido não preconceituoso do termo, ou o que foi aplicado segue a filosofia de que participação democrática não é algo voltado apenas para as camadas mais populares? Tanto que Phoenix, no Arizona, adotou o Orçamento Participativo inclusive com enquetes telefônicas.


Teresa Santos -- O que define o Orçamento Participativo e o Cidade Futuro não é o público-alvo. É o objeto de trabalho. É certo que o Orçamento Participativo tende a atrair majoritariamente contingentes da população que dependem mais da administração para ter acesso aos bens, obras e serviços públicos. É certo também que o Cidade Futuro, por planejar o destino da cidade, chamou a atenção de setores para os quais esse planejamento é importante na definição de seu futuro, quer seja pessoal ou da sua entidade, empresa, associação, ONG etc. Todavia, com o amadurecimento do processo de articulação dos dois programas, acreditamos que essas nuances deverão ser menos marcadas.


Hoje, já podemos observar o crescente interesse e a participação de pessoas do Orçamento Participativo no Cidade Futuro e vice versa. A participação cidadã não deve ser engessada por apenas alguns poucos modelos-padrão de canais através dos quais a população deva participar.  O mesmo cidadão é um cliente diferente quando, por exemplo, é usuário do sistema de saúde, quando sofre com enchentes, quando prefere se organizar para reivindicar, quando precisa ou quer individualmente informações, quando pertence a este ou aquele segmento social. Assim, os canais de participação devem ser diversificados na sua dinâmica e conteúdo, possibilitando a participação em função do interesse, das características ou da demanda dos munícipes. O conjunto desses canais de participação, todavia, deve se articular de modo a não produzir decisões e ações desencontradas ou superpostas e deve possibilitar o crescimento, com qualidade, da participação da sociedade na gestão pública.


Até o ano passado 140 prefeituras adotaram no Brasil o modelo de consulta popular para investimentos públicos municipais. Um quarto desse total de prefeituras não tinha qualquer relação com a esquerda. Isso significa que o programa está consagrado como modelo gerencial independente de cor política?


Pedro Pontual -- Exatamente. É claro que nesse amplo espectro há distintas metodologias e alcances diferenciados da discussão pública do orçamento, mas, sem dúvida, a adoção representa importante reconhecimento do Orçamento Participativo como método inovador de gestão pública. É importante lembrar que inclusive no Estatuto das Cidades -- que é fruto de longa luta de organizações da sociedade civil, recentemente sancionado pelo presidente da República -- existe no Capítulo de Democratização de Gestão Pública nas Cidades uma recomendação expressa para adoção do Orçamento Participativo na discussão dos investimentos públicos. Alguns Estados da Federação, como é o caso do Rio Grande do Sul, já adotaram o modelo. Aqui em São Paulo estamos fazendo grande movimento no plano dos municípios, no plano das Assembléias Legislativas e do Fórum Paulista de Participação Popular, no sentido de pressionar e conquistar junto ao governo do Estado de São Paulo a adoção do Orçamento Participativo nas deliberações sobre o orçamento público estadual. Também no plano federal consideramos de grande importância a democratização do orçamento público. Para isso, acreditamos deva ser construída metodologia própria que, obviamente, não poderá ser idêntica à utilizada nos municípios, ainda que regida por princípios semelhantes como o da transparência e o do controle social.


E em termos de Cidade Futuro, ha possibilidade de massificar o modelo implantado em Santo André?


Teresa Santos -- O planejamento é hoje considerado instrumento fundamental de gestão pública moderna, quaisquer que sejam as cores partidárias, as características das cidades, seus problemas e objetivos. Processos participativos são componentes até da gestão das empresas, evidentemente com matizes conceituais específicas.


Por outro lado, a partir da ECO-92, consolidou-se internacionalmente o conceito de planejamento local e integrado de políticas públicas, visando o desenvolvimento sustentável, com a participação da comunidade. O modelo de Santo André é flexível, construído a partir e junto de cidadãos que a isso se dispuseram, respeitando-se características e ritmos, mas com persistência e com resultados. Quando comparamos nosso modelo com a experiência de outras cidades, percebemos a flexibilidade de nossa proposta e nosso pioneirismo na articulação com o Orçamento Participativo.


Tanto um programa quanto outro devem ser necessariamente administrados pelo Poder Público?


Teresa Santos -- Apesar dos problemas históricos, pelo âmbito de atuação, por suas responsabilidades, por ter de administrar o conjunto da cidade formado por diferentes segmentos econômicos, culturais e sociais, por ter de prestar um espectro amplo e diversificado de serviços e por dispor de um leque de variadas informações, o Poder Público ainda tem melhores condições objetivas para ser o indutor desses processos. Mas isso não basta. É preciso determinação política, renovação de conceitos, transparência, novas metodologias, procedimentos, estruturas etc.


Quanto à sociedade civil, sua organização ainda se dá em torno de interesses, de atividades e de demandas muito específicas, com foco muito centrado, dificultando sua articulação. Mas acreditamos firmemente que, quanto maior e contínua for a participação da sociedade civil naquilo que diz respeito à cidade, à gestão da cidade, mais se capacitará e se tornará autônoma na liderança desses programas.


Pedro Pontual -- Acreditamos que o Poder Público tem importante papel, que se expressa na vontade política de realizá-lo numa perspectiva de co-gestão e de assegurar políticas públicas na ótica da universalização de direitos, contemplando, obviamente, a diversidade social. Mas, ao mesmo tempo, acreditamos que o amadurecimento desses programas depende também da construção da capacidade autônoma de organização da sociedade civil e do desenvolvimento de forte compreensão de co-responsabilidade no financiamento e implementação de ações em conjunto com o Poder Público.


Embora se coloque usualmente o Orçamento Participativo e o Cidade Futuro como modelos de um partido de centro-esquerda ou de esquerda, há interpretações em contrário. Afirma-se, por exemplo, que se trata de modelos liberais, com o pressuposto de que os cidadãos são considerados consumidores de bens públicos e que, quanto mais atuantes e vigilantes forem com relação ao orçamento, melhor será para eles a oferta dos serviços e obras. Isso faz mesmo sentido?


Teresa Santos -- Discutimos essa questão em um seminário na Fundação Getúlio Vargas. Existe uma vertente a partir do neoliberalismo e outra a partir de uma visão de esquerda. Por exemplo: desmontar hierarquias nas empresas e criar grupos de trabalhadores que discutem e opinam sobre seu trabalho fazem parte de processo que estimula a participação e a criatividade, visando aumentar a produtividade, a adequação ao mercado e a qualidade do que se produz. O cliente, por sua vez, também é instado a opinar e participar, de modo a criar sintonias entre quem compra e quem vende, gerando, assim, maiores lucros.


Outro conceito é o que pressupõe que, embora os governantes sejam investidos de representatividade delegada pelos eleitores, não devem se constituir na única fonte de poder. Há que se governar para e com cidadãos que têm papéis, características, necessidades, interesses, aspirações, riquezas e potencialidades diferentes, mas que devem se constituir em sujeitos ativos na construção coletiva de seus direitos e do seu lugar, independentemente do seu papel e importância no mercado.


Porém, creio que vivemos numa época com desafios tão grandes, complexos e interligados, que devemos nos despir de preconceitos, de sectarismos, de rótulos e trazer à participação todos os que se dispõem a superar esses desafios e construir de forma conjunta uma cidade e uma sociedade melhor para todos.


Pedro Pontual -- Mais importante que as possíveis interpretações e clivagens ideológicas, acreditamos que tanto o Orçamento Participativo como o Cidade Futuro são instrumentos de democratização da gestão pública no Brasil e, assim, contribuem na direção de exercício de cidadania ativa e da ampliação e aprofundamento da democracia no Brasil. Para nós, as práticas de participação cidadã produzem melhores resultados em termos de qualidade de vida e justiça distributiva. Ao mesmo tempo, proporcionam processo através do qual se pode construir uma ética ancorada nos valores da solidariedade e do bem público e uma nova cultura política radicalmente democrática.


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