Entrevista Especial

Rede pública de
ensino tem solução

MALU MARCOCCIA - 05/05/2002

Poucos ambientes se confundem tanto com a realidade atual da violência urbana como a escola. Isso é tão verdade que 90% da rede pública em São Paulo já registrou pelo menos uma ocorrência, segundo pesquisa recente. É também sobre as escolas, sobretudo a pública, que pais jogam a culpa pela baixa formação dos filhos. A supervisora da rede estadual de ensino no Grande ABC, Leni Mariano Walendy, entretanto, acha que esse debate está deslocado. A violência está na sociedade e a escola é só um desaguadouro do problema. Da mesma forma, argumenta que o amplo acesso à rede pública acentuou os contrastes entre crianças e jovens de classes sociais diferentes, daí os problemas de comportamento e as novas responsabilidades profissionais impostas aos professores.

Leni Walendy não se dá por vencida nem mesmo com o avanço das escolas particulares. Ex-secretária de Educação de Mauá e atual dirigente de ensino de Santo André, essa veterana professora acredita piamente na escola pública. Enumera avanços como as cinco horas de aulas por período, a abertura à participação da comunidade escolar e a conquista de autonomia para cada estabelecimento montar sua proposta pedagógica. Defende a requalificação dos professores e diz que as escolas também têm lição de casa a fazer: devem ser menos conteudistas -- ou seja, deixar de enfatizar apenas fórmulas químicas e regras gramaticais e humanizar mais a relação com os alunos.


Os pais estão de cabelos em pé. O Udemo (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo) acaba de quantificar o tamanho da violência nas escolas: pelo menos 90% de 429 escolas estaduais tiveram algum caso de violência, como alunos com armas de fogo, depredação e desacato a professor, e 7% registraram homicídios. Como enfrentar isso?

Leni Walendi -- A violência não é das escolas. É da sociedade. A sociedade está violenta e a escola é apenas um dos desaguadouros desse problema. Digo mais: o problema não é brasileiro. Vimos o caso recente do jovem que matou 17 pessoas numa escola da Alemanha, incluindo 13 professores, porque foi expulso. Nos Estados Unidos temos casos assim frequentemente. Creio que há uma falta de perspectiva generalizada da juventude em todo o mundo. O jovem está sem chão, com famílias desestruturadas, o desemprego crescente, a disseminação das drogas e a banalização da vida.

Como agente social, a intervenção da escola tem de ser preventiva. Desde 1999, no Estado de São Paulo, a rede pública discute o aumento da violência promovendo o que chamamos de educação para a paz. Abrimos espaço para discussões que levem o jovem a se sentir protagonista do seu mundo e das mudanças. Outra iniciativa é o Parceiros do Futuro, em que a escola é aberta à comunidade para atividades esportivas, de informática, palestras com voluntários sobre drogas, sexo, gravidez precoce e outros temas juvenis. Em Santo André, por exemplo, 10 escolas desenvolvem a experiência, levada sobretudo à periferia, que não tem muitas alternativas de entretenimento.


Além de mais policiamento, o governo do Estado promete que todas as escolas serão equipadas com câmaras filmadoras. Alguns educadores temem que isso intimide o ambiente e gere ainda mais depredações e indisciplina.

Leni Walendi -- Cada escola pode aderir ou não às câmaras. Cada núcleo vai avaliar qual a melhor forma de trabalhar e conquistar a comunidade. Como mencionei, há escolas que preferem se abrir às atividades extracurriculares. O que mais gostaria de destacar, entretanto, é que o papel preventivo à violência passa pela humanização do ensino. Temos de nos apegar à questão dos valores morais, da solidariedade e da cidadania. Na rede pública ou particular, o professor tem de deixar de ser apenas conteudista -- de falar só de fórmulas químicas, cálculos matemáticos e regras gramaticais -- para aprofundar o olhar sobre cada aluno. Só assim conseguirá conhecer a classe e ajudar a transformar essas crianças e jovens.



Que tipo de problemas passaram a existir?

Leni Walendy -- Com a universalização do ensino público, as escolas passaram a receber montanhas de crianças e jovens de variados perfis. Antigamente, ia para a escola particular quem precisava de aprofundamento porque não conseguia acompanhar o ritmo da rede oficial. Com a política da escola para todos, a rede pública passou a receber desde o filho de mãe solteira e o jovem da classe média até contingentes das faixas menos favorecidas. 

É claro que houve um choque de identidades, até porque o comportamento social também mudou muito rapidamente. A própria família mudou os valores, a mãe trabalhadora está mais ausente do lar, o pai tem mais preocupações com o emprego e renda, as informações passaram a correr o mundo on-line e a juventude incorporou outros hábitos de liberdade. Esse desafio para além de soluções técnicas exige uma alteração de mentalidade do próprio magistério, em face das novas responsabilidades profissionais. Os pais passaram para à responsabilidade da escola praticamente toda a educação e formação dos filhos.


Ou seja, o ensino público tem jeito?

Leni Walendy -- Claro que sim. Temos avanços inquestionáveis. Conquistamos cinco horas de aulas por período, cada estabelecimento tem autonomia para fazer sua proposta pedagógica, além de ter independência para o regimento escolar. Todas se abriram à participação da comunidade escolar. Ou seja, a escola não é do diretor nem do professor; é da comunidade onde atua.


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