Administração Pública

Avamileno desmonta
todas as armadilhas

DANIEL LIMA - 05/05/2002

João Avamileno tornou-se prefeito de Santo André pelos desvios do destino, mas o quase anonimato a que estava entregue, como a maioria dos vices, não pode ser confundido com despreparo para o exercício do cargo. Depois de cinco anos como discreto colaborador do cintilante prefeito Celso Daniel, João Avamileno assumiu o comando do Paço abalado de tal forma com o assassinado do titular que não faltou interpretação de que estaria temeroso. Ledo engano. Bastaram três meses e várias armadilhas desmontadas com engenho e discrição para Avamileno imprimir digitais diametralmente diferentes, mas igualmente respeitadas, na administração municipal. 

Começam a enfraquecer as primeiras interpretações de que o placar eleitoral em Santo André estaria zerado com a morte de Celso Daniel e de que a disputa sucessória em 2004 teria o mesmo significado de um sorteio da loteria. João Avamileno ainda tem dois anos e meio de mandato, mas os testes de fogo a que foi submetido nos primeiros 100 dias o instalaram em posto avançado. Aos poucos, esse ex-sindicalista vai conquistando setores sociais e econômicos que viam Celso Daniel sem preconceito de origem petista e supostamente antagônica ao capital porque o prefeito assassinado compunha tradicional família do Município.    

Pelo menos quatro bombas desarmadas revelam que a combinação de paciência, determinação, discrição, firmeza e ética não é coincidência sequencial, mas provavelmente um extrato da concepção com que João Avamileno encara a administração pública. 

Sem alarde, mas rígido, Avamileno está dando à Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, também como herdeiro de Celso Daniel no posto de diretor-geral, dinâmica toda própria. Primeiro quer estimular que a Agência seja realmente da região, e não apenas de Santo André, como sempre foi encarada. Segundo, cassou o direito imperialista do coordenador de pesquisas João Batista Pamplona anunciar e interpretar estatísticas mistificadas para pintar de azul um balanço avermelhado entre o ativo e o passivo industrial regional. Terceiro, deu mais poderes também aos demais diretores. A Agência agora é mais compartilhada. João Batista Pamplona foi mantido até mesmo para que a memória de Celso Daniel não fosse atingida, mas sua área de influência se fragmentou na exata dimensão em que novos agentes passaram a trocar informações. 

Há vários planos para a Agência que João Avamileno e o vice-diretor Antonio José Monte ainda não revelaram. Mas tudo convergirá para que a estrutura seja fortalecida e a instituição inspirada por Celso Daniel, como o foi também o Consórcio de Prefeitos, seja de fato ponta de lança na descoberta e na interpretação de realidades microeconômicas da região. 

A rapidez com que Avamileno apagou o fogo que consumia a imagem da Agência de Desenvolvimento Econômico em meio ao bombardeio de críticas à atuação do coordenador de pesquisas foi semelhante à intervenção que o levou a domesticar a rebeldia com que quadros internos e grupos de pressão externos procuraram influenciar a escolha do novo secretário de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho. A definição pelo advogado e empreendedor César Moreira Filho para substituir a urbanista Nádia Somekh foi levada a lideranças externas de representações empresariais e obteve a aprovação necessária. 

João Avamileno e a equipe do comando do Paço, que tem o secretário Mário Maurici e o chefe de gabinete Gilberto Carvalho integrantes do restrito grupo de interlocutores estratégicos, foram sacudidos pela reação interna e externa. A nomeação de César Moreira Filho demorou alguns dias, até que as labaredas fossem devidamente debeladas. 

O episódio pode parecer banal para quem não consegue aferir a importância de que se reveste o cargo de comandante de um Município de 648 mil habitantes. Tivesse se dobrado à rebeldia, João Avamileno provavelmente permitiria perigosa fissura. Quem conhece gerenciamento corporativo sabe distinguir o momento exato entre um salto para o respeito dos comandados e a queda para o esfacelamento da hierarquia. A manutenção pura e simples da indicação de César Moreira Filho também não interessava a João Avamileno. Era preciso restaurar a unidade do grupo. Daí a demora para oficializar a transmissão do cargo. A nomeação do funcionário de carreira Luiz Paulo Bresciani para ocupar o cargo de diretor da secretaria, em substituição ao novo titular da pasta, amenizou os estragos que pareciam irreversíveis.

Valeram para João Avamileno todos os riscos da empreitada porque estava em jogo não apenas o cargo de secretário de uma pasta também criada por Celso Daniel no início do segundo mandato, em 1997. Ter César Moreira Filho como titular significa reaproximação do Paço Municipal com a classe de empreendedores, depois que Celso Daniel resolveu nomear a técnica e urbanista Nádia Somekh para o cargo deixado pelo então egresso da livre iniciativa Nelson Tadeu Pereira. Estrategicamente era vital que um representante da economia privada de Santo André voltasse ao posto. 


Interesses partidários -- Antes das superadas dificuldades de nomeação do secretário César Moreira Filho, o prefeito Avamileno passou por prova de fogo no Partido dos Trabalhadores. A dúvida sobre a decisão que tomaria entre ceder aos interesses partidários contrariados ou ratificar uma decisão democrática poderia ter tido desfecho comprometedor para a biografia de quem, como metalúrgico, liderou assembléias de trabalhadores. João Avamileno passou pelo teste com louvor.

O caso em que o prefeito de Santo André foi colocado entre a cruz da escolha democrática e a caldeirinha do partidarismo envolveu a nomeação do novo reitor da Fundação Santo André, uma autarquia da Prefeitura. A composição de lista tríplice dos candidatos ao cargo passa pelos votos de professores, alunos e funcionários. Cabe ao prefeito a decisão de ratificar ou não a escolha do eleitorado. O coordenador de pós-graduação da escola, Odair Bermelho, sem vinculação partidária, superou o petista Elmir de Almeida por 37% a 32% dos votos. O conselho universitário se dividiu em preferência, com nove votos para cada concorrente. 

João Avamileno soube desvencilhar-se das forças partidárias que procuraram transformar a escolha numa opção política de interesse específico do PT. "Iria ficar constrangido se fosse contra aquilo que sempre preguei" -- cansa de repetir o prefeito de Santo André. 

O passado é evocado por João Avamileno como espécie de linha mestra de ações. Homem simples, mudou-se de residência depois da posse por questão de segurança, não por luxo. Trocou a casa simples na periferia por apartamento nas proximidades da Avenida Pereira Barreto, que liga Santo André a São Bernardo. A distinção que faz entre o antes e o depois de assumir o cargo máximo do Município é emblemática da responsabilidade com que encara o exercício do poder. 

Não foi por outra razão, isto é, por considerar-se prefeito acima de qualquer outra qualificação, que João Avamileno decidiu voltar à sede do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André depois de seis anos de afastamento. Aceitou participar das comemorações de 20 anos do fim da intervenção do Ministério do Trabalho no sindicato, que durou de abril de 1980 a maio de 1982, e de ser homenageado pelo dirigente Cícero Martinha Firmino da Silva. O extraordinário do fato é que o Sindicato de Santo André está sob comando da Força Sindical, adversária da CUT (Central Única dos Trabalhadores), da qual Avamileno faz parte. Por isso houve pressões contra a presença do prefeito num reduto inimigo. 

Falou mais alto a condição de chefe do Executivo. Nem mesmo o fato de a Força Sindical ser permanentemente acusada de procurar criar obstáculos para a administração petista em Santo André e em outros municípios fez Avamileno desconsiderar a homenagem. A situação se agrava ainda mais porque o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André mantém disputa acirrada com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC comandado por Luiz Marinho. João Avamileno não punha os pés no sindicato de Santo André desde 1996, logo após a ruptura de relações entre os metalúrgicos locais e os comandados por São Bernardo. 

Pedras no caminho do novo prefeito de Santo André também foram lançadas pela própria base de sustentação do Legislativo. Um incidente corriqueiro ganhou dimensões políticas que João Avamileno tirou de letra. Tudo começou com o desentendimento entre Henrique Zanetta, diretor do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura, e o vereador Tio Donizete Ferreira durante inauguração de uma praça em frente ao Shopping ABC. O que não passou de mal-entendido, ou, para exagerar, uma espécie de safanão de Zanetta em Tio Donizete, foi transformado em desrespeito a todos os legisladores que apoiam o PT. 

Por trás da reação há denúncia de que haveria interesse em desestabilizar o secretário de Serviços Municipais, Klinger Sousa, a quem Zanetta está vinculado. Quem esperava espalhar fogo no paiol teve de recolher-se silenciosamente. João Avamileno, sua equipe de governo e o secretário Klinger souberam controlar a situação. Imperou, mais uma vez, a paciência tibetana do prefeito. 

Todo esse encadeamento de decisões, por mais importante que seja para ajudar a construir o perfil do novo administrador público de Santo André, perde em importância para a segurança com que conduziu o painel de controle institucional da Prefeitura. 

Às primeiras pressões por mudanças em várias secretarias e postos-chave, antes mesmo que o corpo de Celso Daniel baixasse à terra, João Avamileno contrapôs o hábito de ouvir à exaustão e, cautelosamente, discutir os problemas considerando a governabilidade do Paço Municipal. O açodamento de troca de secretários para marcar posição do novo comandante ficou apenas nas perspectivas dos mais apressadinhos. João Avamileno teve capacidade para mensurar os lucros e as perdas de eventuais medidas e chegou à conclusão de que o legado de recursos humanos e de programas de Celso Daniel era bem valioso demais para estripulias administrativas. 

Por isso, depois de mais de 100 dias de Prefeitura, Avamileno só teve uma baixa no secretariado -- a transferência de Nádia Somekh para o governo da também petista Marta Suplicy, em São Paulo -- e coleciona série de vitórias de repercussão nada satisfatória para os oponentes às eleições de 2004. João Avamileno, ao contrário do que se imaginava, não é um João qualquer que caiu de pára-quedas no Paço Municipal. Novos desafios deverão marcar sua administração. Um dos mais potencialmente explosivos é a atualização da Planta Genérica de Valores, genoma do complicadíssimo IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), cujo equacionamento Celso Daniel deixou para este ano. Como conciliar os interesses cada vez mais conflitantes entre o aumento do imposto para a classe média e empreendedores e a isenção para as camadas mais populares -- eis um grande ponto de interrogação que João Avamileno e sua equipe terão de responder. 


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