Entrevista Especial

Diferenças que o
tempo explica

DANIEL LIMA - 05/06/2002

Os pequenos negócios do Grande ABC têm melhor desempenho que o restante do Estado de São Paulo? Para consolidar eventual resposta positiva, LivreMercado resolveu ouvir Marco Aurélio Bedê, economista que comanda a Pecompe (Pesquisa de Conjunto das Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo), realizada pelo Sebrae-São Paulo e Fundação Seade. Aparentemente, o Grande ABC leva vantagem porque os resultados de faturamento são menos problemáticos quando comparados com o universo do Estado. Mas não é bem assim, revela o executivo do Sebrae. 

A diferença fundamental está na inclusão de empreendimentos da região na Pecompe a partir da desvalorização do Real, em 1999, enquanto as demais regiões paulistas começaram a ser analisadas no ano anterior, de forte desaceleração econômica. Algo como calcular o consumo de combustível de uma motocicleta que passa por um marco de 20 quilômetros e outra que inicia a disputa a partir daí. É evidente que o segundo veículo, ao atingir 100 quilômetros, terá apresentado melhor performance. Embora a comparação seja simplória, é tão verdadeira como providencial, porque invariavelmente o Grande ABC é apresentado com desempenho superior, desconsiderando-se a diferença de percurso. 

Entretanto, não é apenas a distância percorrida que introduz interpretações equivocadas quando se analisa o comportamento das micro e pequenas empresas paulistas. Por razões que o próprio Marco Aurélio Bedê explica nesta entrevista através da Internet, a Pecompe não considera a inflação para divulgar os resultados financeiros. É evidente que a medida causa distorções, porque o aparente sucesso em muitos casos torna-se resultado negativo. Só no ano passado a inflação detectada pelo IGP-M alcançou 9,5%, enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu míseros 1,5%. 

A Pecompe investiga os resultados de 260 empresas do Grande ABC entre indústria, comércio e serviços. A divulgação de dados não é segmentada, isto é, por setor de atividades. Mauro Aurélio Bedê explica que a análise de dados em níveis mais desagregados só seria aconselhável se fosse aumentado consideravelmente o tamanho da amostra, o que levaria a aumento exponencial dos custos do trabalho. Mas completa: "A amostra de 260 micro e pequenas empresas do Grande ABC que utilizamos segue esses parâmetros e é representativa das MPEs da região". 


Há dados históricos que confrontam o desempenho das micro e pequenas empresas pesquisadas pela Pecompe?

Marco Aurélio Bedê -- A Pesquisa de Conjuntura das Micro e Pequenas Empresas do Estado de São Paulo é elaborada pelo Sebrae-SP em parceria com a Fundação Seade desde janeiro de 1998, em números-índice, para o Estado. Para o Grande ABC, a Pecompe apresenta dados desde janeiro de 1999. 


O universo da pesquisa envolve apenas empresas formalizadas. Por que as informais não constam do trabalho?

Marco Aurélio Bedê -- No Estado de São Paulo existem cerca de 1,1 milhão de empresas formalmente constituídas nos setores de indústria, comércio e serviços, conforme o Cadastro de Estabelecimentos Empregadores do Ministério do Trabalho e Emprego. Existem mais 200 mil estabelecimentos agropecuários, segundo o Censo Agropecuário do IBGE (1995/96). Há ainda um número difícil de estimar de empreendimentos informais. A dificuldade decorre do próprio conceito sobre o que é um empreendimento informal, da dificuldade efetiva de identificar e rastrear tais empreendimentos e da ausência de cadastros que contemplem o universo de empreendimentos informais. A Pecompe procura identificar a evolução das micro e pequenas empresas formais da indústria, comércio e serviços. Porém, temos fortes razões para crer que, até certo ponto, a Pecompe reflete também a situação dos pequenos empreendimentos informais sob o ponto de vista legal, embora não seja possível ser categórico nessa afirmação. Outras pesquisas que medem o desempenho das empresas face a conjuntura também se restringem à formalidade. São os casos da Fiesp e da Federação do Comércio. 


O senhor acredita que se o universo das empresas informais fosse considerado, os resultados seriam semelhantes?

Marco Aurélio Bedê -- Sim, porque todos os negócios, sejam formais ou informais, são impactados pela evolução da economia brasileira e pelas políticas macroeconômicas. Por exemplo: se as pessoas deixam de consumir porque as condições do mercado de trabalho pioraram ou porque a inflação corroeu o poder de compra das famílias, essa redução de consumo atinge tanto os negócios com registro legal como os sem registro. Devemos lembrar, no entanto, que os empreendimentos informais, em geral, não arcam com uma série de impostos e encargos. Logo, conseguem adaptar-se com mais facilidade aos movimentos adversos da economia. Por outro lado, empreendimentos informais operam com maior risco por atuarem na clandestinidade e também em condições mais precárias que os empreendimentos formais. Guardadas essas diferenças, acreditamos que, em geral, os impactos da conjuntura nos empreendimentos formais e informais se assemelham bastante.


Por que os dados não estão dessetorializados e regionalizados? 

Marco Aurélio Bedê -- A Pecompe é uma pesquisa de âmbito estadual discriminada para três setores (indústria, comércio e serviços) e três macrorregiões do Estado (Região Metropolitana de São Paulo, Interior e Grande ABC). Com essa segmentação setorial/regional, pode ser considerada a pesquisa mais completa em termos de conjuntura de micro e pequena empresa do Estado de São Paulo. Como não temos conhecimento de que outro Estado faça trabalho semelhante, então pode-se dizer também que é a mais completa do País. 

Especificamente para o Grande ABC, divulgamos apenas a média das MPEs da região. Essa média, no entanto, é obtida a partir do levantamento de dados feito com MPEs da indústria, comércio e serviços da região. Na nossa avaliação, o atual nível de abertura da Pecompe corresponde ao nível mais adequado nesse momento. Explico: quanto maior o grau de desagregação dos dados, maior tende a ser a margem de erro amostral. A partir de estudos que realizamos, identificamos que a atual estrutura de desagregação possui um nível satisfatório em termos de margens de erro para efeito de divulgação. A divulgação dos dados em níveis mais desagregados -- por exemplo, para as MPEs da indústria do Grande ABC -- só seria aconselhável se aumentássemos consideravelmente o tamanho da amostra, o que levaria a um aumento exponencial dos custos do trabalho.


O universo da pesquisa abrange 260 empresas do Grande ABC? Quantas são indústrias? De que setores são essas indústrias?

Marco Aurélio Bedê -- Na amostra planejada, aproximadamente um terço é do setor industrial. Mas a participação das empresas na amostra é ponderada pela proporção verificada no universo. Os setores industriais que tendem a representar as micro e pequenas do Grande ABC são das áreas de metalurgia, edição, móveis, confecções, artigos de borracha/plástico, máquinas/equipamentos e alimentos/bebidas. 


Um terço de 260 empresas significa pouco para um universo industrial estimado em cinco mil unidades. É possível ter segurança quanto aos dados diante de amostra tão reduzida? 

Marco Aurélio Bedê -- Um terço de 260 significa 87 empresas. Portanto, em linhas gerais, a amostra planejada de MPEs do Grande ABC é composta por quase 90 MPEs da indústria, quase 90 MPEs do comércio e quase 90 MPEs de serviços. Existem parâmetros estatísticos que ajudam a definir o tamanho necessário para que uma amostra seja suficiente para fornecer as informações que desejamos. Entre esses parâmetros estão o próprio tamanho do universo de empresas que se deseja analisar, o grau de homogeneidade das informações levantadas e a margem de erro amostral aceitável. A amostra de 260 micro e pequenas empresas do Grande ABC que utilizamos segue esses parâmetros e é representativa das MPEs da região.


Qual o grau de renovação de empresas pesquisadas ao longo de 12 meses. São sempre as mesmas ou há rotatividade?

Marco Aurélio Bedê -- Trata-se de metodologia específica através da qual, uma vez formado o painel de informantes, promove-se mensalmente a renovação sistemática das empresas na ordem de 1/12, ou seja, cerca de 8% da amostra é renovada a cada mês. Essa renovação é necessária para evitar sobrecarregar muito (ou por longos períodos de tempo) as empresas informantes e evitar viéses naturais em processos de pesquisa contínua. Isso porque, às vezes, a partir de um certo ponto, um mesmo informante que permanece longo período de tempo nessa condição começa a atrasar o envio de informações ou passa a fornecer informações menos rigorosas.


Por que o Sebrae não considera algum deflator inflacionário para anunciar os resultados mensais da pesquisa?

Marco Aurélio Bedê -- Estamos estudando essa possibilidade. A Pecompe é uma pesquisa de conjuntura muito jovem. Completou quatro anos, ou três anos no caso do Grande ABC. É preciso conhecer melhor o comportamento ao longo do tempo nos vários níveis em que se dispõe de informações antes de definirmos os critérios de deflação e de dessazonalização. Por exemplo: é preciso definir antes qual o melhor indicador para deflacionar a série, se será um único índice de preço a ser utilizado ou se cada subsérie (indústria, comércio e serviços) será deflacionada por índice específico. O ideal para definir critérios de deflação e dessazonalização é aguardar quatro ou cinco anos regulares de observação da série antes de optar definitivamente por um critério ou outro.


O senhor admite que a ausência de deflacionamento distorce os resultados? Explicamos: crescimento nominal na faixa de um dígito, por exemplo, como aliás tem-se verificado historicamente, pode significar, na verdade, queda de faturamento. 

Marco Aurélio Bedê -- Na Pecompe, os resultados de faturamento e de gastos com salários são nominais e devem, a princípio, ser interpretados dessa forma. Já a variável Pessoal Ocupado é medida em número de pessoas, portanto, não está sujeita a aplicação de deflatores. Não entendemos que há distorção nos resultados de faturamento pelo fato de serem calculados em termos nominais. Muitos institutos de pesquisa divulgam séries também em valores nominais. Nós ainda não optamos pela adoção de um sistema de deflação da série. Porém, pontualmente alguns exercícios podem ser feitos para que se possa estimar a evolução do faturamento em termos reais. Só não consideramos oportuno implementar uma sistemática de deflação de todas as séries da Pecompe pelo fato de serem ainda muito jovens, repito.


Qual sua visão histórica com base nos dados do Sebrae? Qual é a realidade dos micro e pequenos negócios paulistas pesquisados pela sua instituição? Há outros pontos na pesquisa que eventualmente não tenham tanta visibilidade?

Marco Aurélio Bedê -- A Pecompe mostra que entre fins de 1998 até o primeiro semestre de 2000, as micro e pequenas empresas paulistas sofreram retração no nível de faturamento nominal decorrente das medidas adotadas no âmbito das políticas macroeconômicas e em função dos choques ocorridos no período -- crise asiática em 1997, crise russa em 1998 e mudança no regime cambial brasileiro em 1999. A despeito disso, o nível de pessoal ocupado na micro e pequena empresa paulista manteve-se estável durante esse período, reforçando o papel das MPEs na geração e manutenção de ocupações na economia. 

A partir do segundo semestre de 2000, as MPEs paulistas passaram a viver período de recuperação moderada de faturamento com ampliação no nível de pessoal ocupado. Esse processo se iniciou e foi mais forte nas regiões onde há maior concentração de empresas exportadoras, como o Grande ABC. A recuperação começou a perder fôlego novamente no final do primeiro semestre de 2001 em função da desaceleração da economia brasileira decorrente da crise energética e da crise na Argentina. A desaceleração da economia mundial a partir do segundo semestre de 2001, e principalmente a deterioração das condições do mercado de trabalho no Brasil nos últimos meses de 2001 e início de 2002, reforçaram a perda de fôlego anterior e levaram a um quadro pouco favorável às vendas neste primeiro semestre de 2002. A título de exemplo, o faturamento nominal das MPEs do Estado no primeiro trimestre deste ano ficou 24,3% abaixo do verificado no primeiro trimestre do ano anterior. Há que se levar em conta que a base de comparação foi alta. No início de 2001 a economia estava crescendo a ritmo relativamente forte e no início de 2002 a economia ainda estava sob efeito de diversos fatores negativos ocorridos no final de 2001. Mesmo levando isso tudo em consideração, é inegável que o desempenho das MPEs no primeiro semestre de 2002 está abaixo do desejável.


A trajetória no Grande ABC é a mesma?

Marco Aurélio Bedê -- Como já disse, para o Grande ABC a série gerada é mais recente que a série geral. A Pecompe do Grande ABC foi iniciada em janeiro de 1999, um ano após o trabalho geral. Os resultados do Grande ABC têm sido melhores que a média do Estado porque, por coincidência, iniciamos a série da região no período de mudança do regime cambial. Lembramos que a mudança no câmbio tem favorecido muito empresas exportadoras e regiões onde estão localizadas. Entretanto, é provável que o período de maior dificuldade e de maior desestímulo às exportações, vivido entre 1997 e 1998 por força do câmbio sobrevalorizado, tenha prejudicado bastante as empresas da região. Ou seja, a Pecompe do Grande ABC pode ter sido iniciada no momento em que a região estava no fundo do poço, daí talvez a razão porque a recuperação de 1999/2000/2001 aparece de forma mais forte na série da Pecompe do Grande ABC. 

Mais recentemente, em razão da deterioração do mercado de trabalho, da mesma forma que ocorreu no restante do Estado, as vendas das MPEs na região também caíram. Foi menos acentuado que na média do Estado. A título de comparação, o faturamento nominal das MPEs do Grande ABC no primeiro trimestre deste ano ficou 5,7% abaixo do verificado no primeiro trimestre de 2001, contra queda de 24,3% na média do Estado.


Traduzindo a equação: o Grande ABC provavelmente só tem tido comportamento estatístico melhor que o restante do Estado porque os dados estão descontaminados do período pouco produtivo da economia. Ou seja: o Grande ABC contabiliza os pontos positivos do câmbio flutuante e os patamares rebaixados do início da pesquisa. O senhor acredita que os números seriam diferentes se o histórico do estudo regional coincidisse com o restante do Estado?

Marco Aurélio Bedê -- Se os dados do Grande ABC tivessem sido levantados desde 1998, é possível que a queda do faturamento verificada na média do Estado naquele ano fosse ainda mais forte na região. Isso porque 1998 caracterizou-se por desaceleração econômica, taxa de câmbio desfavorável às exportações e forte período de concorrência com produtos importados. Portanto, é provável que em 1998 o Grande ABC estivesse em um dos períodos mais deprimidos de sua história. A evolução positiva das micro e pequenas da região captada pela Pecompe a partir de 1999, provavelmente, reflete muito mais a saída do poço do que um boom econômico. 


Qual tem sido o comportamento do Grande ABC diante da crise macroeconômica desencadeada pelo atentado terrorista aos Estados Unidos e seus desdobramentos, considerando-se que a região é movida a indústria automotiva?

Marco Aurélio Bedê -- É difícil fazer avaliações. Por um lado, a crise de energia já foi relativamente equacionada, pelo menos no que diz respeito a 2002. Contudo, a crise na Argentina, a desaceleração das economias norte-americana, européia e asiática, a manutenção das taxas de juros internas em patamares elevados e a atual situação do mercado de trabalho (salários reais em queda e alto desemprego) permitem vislumbrar uma pequena recuperação das vendas até o final do ano por conta apenas de fatores sazonais, pois normalmente o segundo semestre costuma apresentar nível de atividade maior que o primeiro semestre. Portanto, para os próximos meses, a economia brasileira deverá apresentar expansão apenas moderada, calcada principalmente nos produtos básicos (alimentos, artigos de vestuário etc). 

As indústrias automotiva e de outros bens duráveis só apresentarão resultados mais significativos caso esses setores realizem maior esforço de exportação. Em parte, esse esforço é estimulado pelas elevadas taxas de câmbio. Porém, poderá encontrar dificuldades diante de um mercado internacional em retração. Portanto, a expansão da indústria automotiva está condicionada aos esforços de exportação associados à busca de novos nichos de mercado ou ao deslocamento de concorrentes internacionais nos mercados tradicionais onde estes já atuam. 


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