Jogadores e dirigentes do Santo André e do Água Santa não estão caindo na armadilha de uma bobagem. Eles preferem e lutam por um pássaro da classificação à Série A-1 do Campeonato Paulista nas próprias chuteiras do que um ilusionismo interpretativo voando.
Traduzindo: depois da vitória de dois a zero sábado à tarde no Estádio Bruno Daniel, o Santo André quer se garantir na Primeira Divisão do ano que vem usando o resultado em campo no segundo jogo como garantia absoluta. Quer uma das duas vagas regulamentares. A outra está entre XV de Piracicaba e Internacional de Limeira.
O surpreendido Água Santa não pensa diferente do Santo André. Falar em vaga extra que não consta do regulamento, mas que ainda é cultivada por desinformados convictos ou incorrigíveis teimosos, não entra nem por um ouvido, quanto mais sai por outro.
Principalmente porque não acreditam em fantasias interpretativas o Água Santa e o Santo André vão fazer um jogo dramático neste domingo de manhã em Diadema. Muito mais dramático do que o primeiro.
Primeira verdade
Na verdade, o primeiro jogo ficou longe desse patamar em um confronto que ainda não pode ser chamado de clássico, embora reúna duas equipes do Grande ABC. O que faz um clássico é a história de jogos, que ainda não é suficiente densa. Proximidade geográfica não se sustenta isoladamente.
Há duas explicações para a improvável vitória de domingo do Santo André, um time que ao longo da competição jamais pareceu aproximar-se da fortaleza do Água Santa, disparadamente o melhor.
A primeira explicação não conseguiu ser traduzida pelo bom comentarista do SporTV, emissora de televisão que transmitiu o jogo ao vivo. E tampouco pelo narrador, ou quem quer que seja. Havia um cheiro de politicamente correto no ar. O que se via em campo era a tradução de um sintoma cuja essência foi simplesmente omitida por conveniência. Mas quem esperava que tudo ficaria subentendido, dando margem a interpretações variadas, caiu do cavalo.
Tudo porque em uma entrevista assim que o jogo terminou um jogador do Água Santa resumiu parte da realidade daquele jogo. Entrevistado, o zagueiro Luizão foi enfático e literal: “Nós pensamos que o jogo era fácil”.
E disse mais o jogador do Água Santa ao complementar a síntese de um time que menosprezou o adversário ao entender que ganharia como quisesse e quando quisesse. Agora o Água Santa está encalacrado. Vai ter de jogar muito para superar o Santo André.
Segunda verdade
E o Santo André do técnico Fernando Marchiolli é a outra metade da verdade do jogo. O Ramalhão tem tradição de crescer quando menos se espera. E honrou a história. Jogou a melhor partida no campeonato. Em parte, porque o arrogante Água Santa facilitou. Em parte, porque o Santo André fez uma partida praticamente perfeita como coletivo e expressiva em várias individualidades.
O placar de dois a zero foi pouco. Tão pouco que o técnico Marchiolli não teve dúvidas em procurar aumentar a diferença. Nas substituições, potencializou ainda mais o sistema ofensivo, quando se esperava que tomasse cautela. Ele fez uma leitura perfeita: o Água Santa entrou tão desmobilizado individual e coletivamente que não haveria de se arrumar durante o jogo.
Isso quer dizer o seguinte: quando uma equipe durante a semana de preparação chega ao estágio a que chegou o Água Santa, ou seja, interpretando que iria passear em Santo André (foi isso que deixou patente o zagueiro Luizão na declaração que tenho gravada num aplicativo de smartphone), não existe a menor possibilidade de, durante os 90 minutos, haver transformação significativa. O Água Santa entrou em campo sem ao menos ensaiar uma reação de comportamento.
Abundância de trabalho
Quem conhece o treinador do Santo André sabe que (além de indisfarçável abundância na zona de circunferência abdominal que pode levar a interpretações equivocadas, porque dentro de campo tudo é expressivamente atlético) não é por acaso que a equipe chegou à semifinal.
Meticuloso, cuidadoso, bem informado, ele tem o domínio de informações individuais dos atletas que comanda bem como as principais virtudes e deficiências individuais e coletivas das equipes adversárias.
Pois foi o time comandado por um treinador como esse que o Água Santa caiu na besteira de subestimar. Os dois a zero, repito, saíram barato. Poderia ser um placar praticamente irreversível no segundo jogo.
Mas o Água Santa verdadeiro, o time da liderança disparada, do melhor ataque, de uma das melhores defesas, do talento em triangulações, ultrapassagens, ritmo de jogo e ofensividade, esse Água Santa, como disse o zagueiro Luizão, deverá jogar para valer no Estádio do Inamar, “porque hoje não entrou em campo”.
Dose dupla de emoção
Quem gosta de emoção redobrada terá uma oferta especial que a SporTV transmitirá neste domingo. O ambiente em Diadema vai ferver. A diferença de dois gols a favor do Santo André é tão larga e flexível quanto o tempo que poderá durar. Ou seja: cada minuto sem sofrer gol vai aumentar o nervosismo do adversário. Mas, contraditoriamente, eventual gol do time da casa antes dos primeiros 30 minutos, poderá levar o resultado final a uma situação lotérica.
No outro jogo da semifinal da Série A-2 o Internacional empatou em casa de zero a zero com o XV de Piracicaba. O time visitante foi melhor, mas o time da casa mostrou uma qualidade que pode salvar a lavoura: tem um sistema de contragolpe bem azeitado.
Fanatismo interpretativo
Portanto, ficamos assim neste domingo: de manhã o drama de um time que precisa atacar sem parar e de noite um duelo em que o mandante é mais time como um todo, mas sabe que um pedaço do adversário, o pedaço da jogada rápida decorrente da pressão contrária, pode ser fatal.
Certo mesmo é que nenhum dos quatro semifinalista quer cair no conto da Carochinha de que há uma terceira vaga de acesso. Amanhã volto a esse assunto porque novos ângulos sobre o regulamento desmascaram os afoitos e imprecisos. A Federação Paulista de Futebol não cometeria o erro de negar suas próprias virtudes na elaboração do regulamento. Isso é coisa para fanáticos.
Total de 985 matérias | Página 1
05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André