Os sete prefeitos eleitos outro dia no Grande ABC começaram a administrar sem tomar posse. Isso é ótimo. A primeira medida é entusiasmadora. Eles decidiram acabar com o formato de fracassos continuados do Clube dos Prefeitos, entidade que os uniriam. Portanto, começaram fazendo barulho. Barulho de independência e de inconformismo. Nada mais ajuizado. A espólio que receberam de Paulinho Serra e de vários antecessores é de lascar. Temos registrado tudo isso ao longo de décadas. O Clube dos Prefeitos é uma farsa.
Minha preocupação, entretanto, é semelhante ao entusiasmo da medida. Será que os prefeitos eleitos saberão discernir entre o ruim que está na praça regional e o necessário que deve ser colocado na praça regional?
Quando se sabe que o que está na praça regional e em praças vizinhas não é algo que possa cheirar muito bem, porque o oportunismo campeia nestes tempos em que o Judiciário faz barbaridades, é melhor se prevenir. Mas sem perder a ternura da esperança.
Espero sinceramente que a inexperiência da quase totalidade dos prefeitos eleitos em lidar com a regionalidade a ponto de, durante a campanha atrás de votos, terem praticamente banido o verbete de qualquer debate, não os leve a tornarem a emenda de mudanças pior que o soneto de lambanças históricas.
PARTITURA DE TROPEÇOS
O Clube dos Prefeitos (Consórcio Intermunicipal) não é algo simples de ser gerido se a gestão coletiva tiver como foco principal, e inescapável, uma reviravolta no empobrecimento econômico e social da região. Se for para repetir a partitura média de tropeços, é melhor não mexer no vespeiro.
Como tudo ou quase tudo que escrevo tem o autocompromisso de imaginar como será digerido no futuro, porque o futuro sempre chega, de imediato vou dizer que tenho desconfianças de que não encontraremos facilmente o modelo desejado.
O histórico de CapitalSocial e Consórcio de Prefeitos é repleto de comprovações de que a matéria-prima da maioria dos ocupantes da agremiação flertou entre a mistificação e a enganação. Noves fora o período de Celso Daniel e de mais uns pouco -- que não resistiram à avalanche dos destruidores.
Implicações político-partidárias e principalmente o dia a dia turbulento de apagar incêndios de um administrador municipal são barreiras quase instransponíveis. Foi assim, aliás, com antecessores. Além de muitos casos de ausência completa de vocação regional. Luiz Tortorello, por exemplo.
PAULINHO AJUDA
Também não poderia deixar de dizer que só o fato de haver troca de guardas no Clube dos Prefeitos, restando apenas dois dos sete componentes da safra anterior, e, principalmente, o afastamento de Paulinho Serra, prefeito dos prefeitos de forma indireta e direta durante várias temporadas, sinaliza boas novas. Paulinho Serra foi o pior prefeito dos prefeitos da história do Clube dos Prefeitos. E olhem que a concorrência é forte.
O lado engraçado para não dizer trágico para não dizer sarcástico para não dizer hilariante para não dizer conflitivo para não dizer estupefato para não dizer tantas outras coisas é que o filho de um dos mais simbólicos separatistas do Grande ABC, Anacleto Campanella, que retirou São Caetano do mapa de unidade regional, virou prefeito da cidade e pelo andar da carruagem haverá de assumir o cargo de prefeito dos prefeitos.
O tiro da história do separatismo saiu pela culatra porque o separatismo do Grande ABC no século passado foi uma senhora burrada. Somente os assassinos de reputações, gente da pior qualidade, bandidos sociais à solta, interpretariam o destino cruzado dos Campanella como um ato de torpeza deste jornalista. Trata-se de história e a historia precisa ser contada com clareza.
Essa trapaça do destino envolvendo pai e filho seria dispensável para constatar que o separatismo territorial que marcou o Grande ABC no século passado foi uma tremenda burrada movida por interesses políticos. Se eram interesses políticos defensáveis ou não é outra coisa.
MONSTRO INSTITUCIONAL
O fato é que o Grande ABC de separatismos territoriais virou um Frankenstein institucional, operacional, vocacional e o escambau. Só não enxerga quem precisa de tratamento psiquiátrico. Tanto quanto quem mistura as bolas e coloca pai e filho no mesmo caldeirão de suposta maldade.
Mas a burrada do divisionismo deletério é tão adocicada pelos municipalistas arraigados que, apesar de todas as evidências e provas, ainda é festejada. Mais que festejada: é cortejada como símbolo de heroísmo.
Por mais boa vontade que se tenha sobre aqueles movimentos, é impossível, como já escrevi aqui, encontrar algum saldo positivo.
Talvez o único saldo positivo mas que não é tão positivo assim porque o saldo positivo seria maior se não houvesse linhas divisórias no território regional seja mesmo São Caetano. Apesar dos pesares econômicos como um dos endereços da região que mais perderam riquezas nos últimos 50 anos, juntamente com Santo André, São Caetano conta com especificidades econômicas, sociais e culturais, para não dizer também locacionais, que a retiram do inferno regional. São Caetano é um Bairro Jardim ampliado. Santo André, da qual se livrou, é territorialmente 12 vezes maior que São Caetano. A periferia é assombrosa.
BAIRRO JARDIM
Seria ótimo se o padrão de vida de São Caetano fosse o padrão de vida do Grande ABC como um todo, mas o que temos de fato e para valer é um nicho de classe média de razoável poder aquisitivo cercado de pobreza e miséria por todos os lados. Mesmo os lados que também contam com ilhotas de prosperidade que vem do passado e igualmente, como São Caetano, encontra dificuldades para se manter.
Ou seja: somos um território em crise de mobilidade social constante. Tudo isso já cansei de mostrar neste espaço. O universo de famílias de classe rica e de classe média tradicional é proporcionalmente cada vez menor na região.
Queria mudar de foco, mas acho que um novo trecho vale a pensa ser exposto sobre o que se passaria na cabeça de Tite Campanella à frente ou mesmo como integrante compulsório da reforma do Clube dos Prefeitos.
Tite Campanella não tem saída estratégica para se livrar de comparações e de sacrilégios familiares, porque na medida em que defender o colegiado mais admitirá que o passado condena as lideranças separatistas.
Pelé deve ter sentido na alma de artilheiro-maior uma molecagem semelhante do destino, guardadas as devidas proporções e interesses, ao ver o filho Edinho preferir ser goleiro, justamente goleiro, vítima preferencial do Rei do Futebol. Ou seja: Tite Campanella é o Edinho de Pelé. O tiro da independência comemorada no passado saiu pela culatra da regionalidade indispensável no futuro que chegou.
Espero sinceramente que o entusiasmo revelado pelos prefeitos eleitos, durante o almoço num restaurante no Riacho Grande, em São Bernardo, não seja o combustível voluntarista de reformas exigidas à qualificação do Clube dos Prefeitos como instrumento de profundas transformações na região.
PARA ESPECIALISTAS
Acompanhei as entrevistas que cada um deles concedeu às mídias digitais da região. Fiz um esforço para identificar alguma frase ou mesmo alguma expressão que remetessem às condições mínimas de semelhança com a linguagem normalmente utilizadas por especialistas em consorciamento público, mais especificamente tendo o passado do Grande ABC como plataforma.
Não consegui captar nada. Coloco isso na conta do ambiente festivo, mas também não se pode ignorar que algo precisa ser feito sem demora para que o compromisso de mudanças ganhe substância. Um encontro informal de urbanistas que supostamente estariam dispostos a produzir uma revolução na associação de classe em estado catatônico provavelmente teria oferecido uma linguagem mais apropriada às medidas.
Quero dizer com isso que os prefeitos do Clube dos Prefeitos não irão longe no ímpeto de mudanças se abdicarem de especialistas no assunto. E encontrar especialistas é como procurar agulha no palheiro. Compadrios, corporativismo, ativismo, ideologismos e outros ismos são gatos vendidos como lebres.
Tite Campanella, numa das entrevistas, se referiu a recorrer a modelos que já estão na praça. Garanto ao prefeito de São Caetano que os modelos que estão na praça não parecem adequados às peculiaridades do Grande ABC. Aqui o buraco de complexidades é mais embaixo. E tem origem nas ações de Anacleto Campanella e outros libertários territoriais. Não é crime nem desumanidade lembrar disso. É compromisso social. Algo que faltou à maioria dos prefeitos do Clube dos Prefeitos. Tite Campanella pode participar de uma jornada épica. Mesmo que familiarmente contraditória. Coisas da vida.
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24/10/2024 UFABC fracassa de novo. Novos prefeitos reagirão?