Entrevista Especial

Fortalecimento
após tempestade

DANIEL LIMA - 05/07/2002

O forte ajuste do parque industrial e o desemprego que acarreta podem representar a alavanca de fortalecimento da economia regional. Contraditório? Não para o secretário estadual de Emprego e Relações do Trabalho, Fernando Leça. No melhor estilo da filosofia de que há males que vêm para o bem, Leça entende que somente com a reestruturação em curso e com investimentos tecnológicos desempregadores líquidos é possível reforçar a competitividade de setores e empresas do Grande ABC que, do contrário, sucumbiriam de vez à globalização.


Ex-superintendente do Sebrae-SP e ex-secretário municipal em São Bernardo, o secretário estadual do Trabalho não vê mal sequer no que chama de desconcentração industrial paulista. O problema é que não houve uma política articulada de financiamentos internos que dessem sustentação às empresas que ficaram, cita. No caso das pequenas empresas, ainda prevalecem o despreparo dos novos empreendedores, o ambiente hostil no que se refere à burocracia e os altos encargos trabalhistas.


Tucano histórico, Fernando Leça desconversa sobre a próxima sucessão em São Bernardo e garante que seu líder, o prefeito Maurício Soares, conhece sua intenção de não disputar qualquer mandato eletivo. "Ele não cometeria a insensatez de me escalar para essa posição" -- responde sobre uma eventual candidatura ao Paço.  


Considerando-se os níveis crescentes de desemprego no Grande ABC, ditados não só por políticas macroeconômicas mas também, ou principalmente, pela reestruturação do setor industrial que sincroniza investimentos e demissões, qual o futuro sugerido para que as repercussões socioeconômicas não sejam piores do que as já estabelecidas? 


Fernando Leça -- A reestruturação industrial e o consequente período de transição econômica por que passa o Grande ABC estão longe de concluídos. No entanto, mesmo os grandes investimentos industriais que estão ocorrendo -- infelizmente ainda desempregadores líquidos -- poderão num futuro próximo ser a alavanca de fortalecimento da competitividade de setores e empresas que, de outra forma, sucumbiriam à abertura econômica e ao aumento da concorrência. Neste momento, a perda de empregos industriais -- geralmente com melhores níveis salariais, maiores benefícios e abrigados sob o manto protetor da legislação trabalhista ou dos acordos coletivos -- em favor dos empregos precários, do aumento do trabalho autônomo e dos informais, regra geral sem os benefícios trabalhistas, significam, além da perda de parâmetros de estabilidade relativa das ocupações, também uma perda do rendimento individual e da massa de rendimentos da região.


Não obstante esses fatos, o Grande ABC detém uma série de vantagens relativas em relação a outras áreas do Estado ou do Brasil -- que os economistas chamam de economias externas. Precisamos aprofundar e aprimorar essas vantagens para garantir ou mesmo aumentar o nível da competitividade sistêmica da região e continuar atraindo investimentos, seja industrial, na área do comércio ou de serviços. Iniciativas como Fórum da Cidadania, Câmara Regional, Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, que congregam os poderes públicos e a sociedade organizada, são exemplos do grau de amadurecimento da consciência dos problemas a serem enfrentados. Essa consciência é passo fundamental para as ações e transformações de um futuro saudável para a região.


Até que ponto o governo do Estado -- não necessariamente apenas o atual, mas também os que o antecederam -- fracassou nas políticas de desenvolvimento econômico, considerando-se que, conforme dados oficiais do IBGE, São Paulo perde participação absoluta e relativa na indústria de transformação do País? Traduzindo: erramos ou não em não ingressar na guerra fiscal há mais tempo?


Fernando Leça -- A história da industrialização e urbanização de inúmeros países repetiu o que aconteceu no Brasil, ou seja, um processo de concentração que a partir de determinado ponto passou a militar contra a região mais fortemente industrializada, causando todo tipo de fatores de expulsão em favor de áreas e regiões com menor grau de concentração industrial. O Estado de São Paulo, a Região Metropolitana da Capital e em especial o Grande ABC podem sem dúvidas serem tomados como casos paradigmáticos desse movimento. O País até que ensaiou uma política de desconcentração na segunda metade dos anos 70 com o 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que infelizmente não foi concluída por conta da crise econômica em curso e das crises da dívida externa que abalaram a capacidade de indução locacional por parte do Estado.


Depois desse ensaio, assistimos a um efetivo processo de desconcentração que ampliou a participação da produção industrial de outras regiões do Estado de São Paulo e de outras unidades da federação. O que deve ser ressaltado é que isso não deve ser visto como um fato negativo de per si, visto que o Estado de São Paulo poderia ser grandemente favorecido por concentrar a maior parte dos setores de máquinas e equipamentos, que poderiam ter sido os fornecedores dos investimentos em outras regiões.  O fato grave é que não houve uma política articulada que privilegiasse esse esquema; por exemplo, um sistema de financiamento interno, a ponto de grande parte dos suprimentos de bens de capital e de matérias-primas ter vindo do Exterior. 


Isso nada tem a ver com a guerra fiscal travada por várias unidades da federação. O acerto do governo de São Paulo em não aderir de forma impensada e leviana nessa aventura está sendo demonstrado pela saúde fiscal das finanças do Estado e pela retomada de sua capacidade de investimento, vis-à-vis a situação de Estados que estão diante de enormes passivos e com arrecadação futura comprometida. Isso, sem que fossem compensados com menores níveis de desemprego, a grande falsa promessa das empresas.


Sua experiência à frente do Sebrae-SP até recentemente lhe confere, certamente, muito aprendizado. Quais são os pontos mais cruciais dos pequenos negócios sobre os quais o senhor, agora como secretário de Emprego e Relações do Trabalho, acha possível corrigir?


Fernando Leça -- Esses pontos são, objetivamente, de duas naturezas: os de ordem pessoal, relacionados com o despreparo de muitos dos novos empreendedores, por exemplo, o desconhecimento das especificidades do ramo de negócio escolhido ou a falta de planejamento adequado na escolha desse ramo e de sua viabilidade num determinado momento e local, principalmente; de outro lado, há ainda ambiente relativamente hostil aos pequenos negócios no aspecto da burocracia, nos elevados encargos trabalhistas e outros entraves. Muita coisa já melhorou, destacando-se o Simples e a aprovação de um estatuto para micro e pequenas empresas, com o reconhecimento da necessidade de um tratamento especial. Esse segmento responde hoje por mais de dois terços da mão-de-obra ocupada. 


O senhor faz parte de um governo estadual acusado pela oposição de ter sido negligente com a questão da segurança pública. O mesmo governo estadual que só mais recentemente, depois do assassinato do prefeito Celso Daniel, resolveu colocar o bloco da repressão nas ruas. Qual sua avaliação sobre a política de segurança pública implantada pelo governador Mário Covas e até recentemente mantida por Geraldo Alckmin?


Fernando Leça -- A política de segurança pública seguida pelo governo do Estado não é nova e orienta-se pelos mesmos princípios implantados ou inspirados por Mário Covas. Os problemas nessa área são antigos e há que reconhecer que se ampliaram nos últimos anos com o recrudescimento e a banalização do crime. Mas é necessário também reconhecer os esforços feitos nesses sete anos. A morte do prefeito Celso Daniel sem dúvida foi marcante, mas a ação da polícia foi, nesse e em outros casos recentes, rápida e eficiente, na investigação, perseguição e prisão dos acusados. Nada repara uma perda como essa sofrida por nossa região e pelo País, infelizmente. O endurecimento na repressão ao crime é outra resposta, também necessária. O secretário Saulo de Castro está tendo um desempenho irreprimível e o governo de Geraldo Alckmin vai ganhando, uma a uma, cada batalha nessa guerra contra o crime, como ele próprio afirma.    


O senhor faz parte do grupo que considera a criminalidade tema crucial e decisivo na próxima eleição para o governo do Estado? O candidato Paulo Maluf aposta todas as fichas nessa tecla e tem sido bastante duro nas críticas a Geraldo Alckmin. Afinal, o povo paulista vai votar para governador em questões econômicas ou dará prioridade à violência? 


Fernando Leça -- A criminalidade será, como sempre, um dos pontos importantes da próxima campanha, mas haverá outros, como o desemprego, a habitação, a saúde, o transporte e, genericamente, a qualidade de vida. Restringir apenas à questão da violência é empobrecer o debate e demonstra a falta de compromisso público do candidato que o fizer, seja Maluf ou qualquer outro. 


O Grande ABC viveu praticamente na última década os piores momentos de sua história socioeconômica, que coincide com o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. A falta de macropolíticas públicas para as caóticas regiões metropolitanas, como é o caso da Grande São Paulo, é citada como um dos graves vazios da gestão FHC. Como observa o comportamento de seu partido, o PSDB, nessa avaliação?


Fernando Leça -- Mera coincidência, não consequência. É impossível não reconhecer o papel pessoal desempenhado pelo presidente Fernando Henrique e as conquistas obtidas nesse período como decorrência da ação de seu governo. Numa perspectiva temporal mais distanciada, sua dimensão de estadista será amplamente reconhecida. As políticas macro foram definidas, principalmente no campo econômico, e os resultados estão refletidos na estabilidade da moeda e em outros aspectos da vida nacional, que são pressupostos de desenvolvimento sustentável para o País. Mas uma obra dessa natureza não se completa num único governo. Há muito a fazer ainda.


Uma eventual vitória de José Serra à Presidência da República significaria exatamente o quê de diferente em relação aos oito anos do governo FHC? No que Fernando Henrique Cardoso e José Serra diferem a ponto de se estabelecerem alterações na rota de condução do governo federal?


Fernando Leça -- Não vejo diferenças fundamentais. Ambos são social-democratas, com visão de mundo muito semelhante, mas obviamente com formações e estilos pessoais diferentes. Objetivamente, é lícito esperar que, a partir das mudanças e dos avanços obtidos por Fernando Henrique, Serra imprima um caráter desenvolvimentista ao seu governo, sem, contudo, comprometer o que já foi assegurado no plano dos fundamentos da política econômica após o Plano Real. Será, como tem dito o próprio candidato, uma continuidade sem continuísmo.


Entre os opositores de José Serra, qual deles, Lula da Silva, Ciro Gomes e Anthony Garotinho, iria para a disputa num hipotético segundo turno do qual o candidato da situação teria lugar garantido? Quem seria o melhor adversário de José Serra?


Fernando Leça -- As urnas ainda dirão quem irá para o segundo turno. É prematuro especular sobre isso agora. A polarização ainda não se estabeleceu e só ocorrerá mais à frente, com o início efetivo do debate eleitoral.


O senhor diria que um dos erros históricos de Lula da Silva foi não ter se candidatado à Prefeitura de São Bernardo e, agora, chegar à disputa presidencial com o ônus da falta de experiência administrativa que tanto lhe atribuem?


Fernando Leça -- A falta de experiência administrativa não desqualifica o candidato.


Embora ainda falte muito tempo para as eleições municipais, em 2004, já se cogita sua possível candidatura ao Paço Municipal. Há fundamento nessa informação ou o senhor seria, mais uma vez, um homem do partido?


Fernando Leça -- Tenho compromisso, exclusivamente, com o governo do meu companheiro e amigo Geraldo Alckmin e pretendo dar contribuição efetiva à sua administração.  Desejo também contribuir para sua reeleição, como cidadão e integrante do PSDB, porque é um político e homem público da maior respeitabilidade. Em relação a São Bernardo, meu líder político é o prefeito Maurício Soares e ele não cometeria a insensatez de me escalar para essa posição. Ademais, ele sabe da minha intenção de não disputar qualquer mandato eletivo.


O senhor acha complicada demais a sucessão em São Bernardo? Qual será a influência nos resultados se Lula da Silva for eleito presidente da República? 


Fernando Leça -- É cedo também para especular a respeito, especialmente sob uma circunstância ainda indeterminada. Claro que uma eventual vitória de Lula influenciaria, mas não seria determinante na eleição local.


Salvo engano, nenhum outro executivo público com origem no Grande ABC ocupou tantos cargos importantes no governo do Estado, ao longo de anos, como o senhor. Secretário estadual pela segunda vez, diretor do Banespa e comandante do Sebrae-SP, o que esse feixe de atribuições significa para o senhor e como explicar essa longevidade no setor público estadual se o Grande ABC, tradicionalmente, é peso praticamente morto nas relações políticas externas? 


Fernando Leça -- Minha ascensão, já pela segunda vez, a um cargo de secretário de Estado e a honrosa circunstância de ter ocupado outros cargos importantes no serviço público estadual e federal não deixam de ser um reconhecimento à importância da região e mesmo uma homenagem ao Grande ABC. O sentido do convite que recebi do governador Geraldo Alckmin para assumir a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho foi declaradamente esse. Espero não decepcionar o governador nem o Grande ABC.


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