Os deputados estaduais do Grande ABC formam de fato a chamada Bancada do ABC? Conseguem sensibilizar o governo do Estado para as grandes questões regionais? Antes de arriscar uma resposta, é preciso saber que eles são apenas oito entre 94 deputados e representam diferentes partidos. Quem acredita que sejam mesmo tão importantes coletivamente? Quem considera que são atuantes em bloco? Veja alguns exemplos de problemas crônicos que envolvem o Grande ABC e sobre os quais a Editora Livre Mercado solicitou respostas dos políticos. Eles preferiram não se manifestar:
O senhor acredita mesmo que exista a Bancada do ABC? Que ações relacionaria, com os respectivos resultados, que sustentem sua resposta eventualmente positiva?
O que o senhor individualmente e a suposta Bancada do ABC fizeram para impedir que o cronograma do trecho sul do Rodoanel não fosse esticado, em prejuízo da região?
O que o senhor fez efetivamente, individual e conjuntamente com os demais deputados da região, a respeito do projeto de metropolização ou submetropolização do Grande ABC?
Por que o senhor não se pronunciou sobre a proposta do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, e que foi motivo de Reportagem de Capa da revista LivreMercado, a respeito da criação do Estado da Grande São Paulo? Qual sua opinião sobre o assunto?
O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para tentar melhorar a vida dos pequenos negócios através da criação de um banco de fomento regional ou mesmo de um braço do BNDES?
O que o senhor realizou efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para fazer com que o governo do Estado e o governo federal devolvam mais recursos arrecadados no Grande ABC?
O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para que se aumente o efetivo da Polícia Civil e Militar na região?
O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para tornar a atuação da Câmara Regional mais dinâmica, em vez de ser instância de poder regional que vive de espasmos?
O que o senhor fez efetivamente, individual e em conjunto com a suposta Bancada do ABC, para impedir que mentiras sobre a improcedente manutenção da riqueza industrial da região fossem veiculadas pela mídia a partir da Agência de Desenvolvimento Econômico?
Diante das respostas que o senhor ofereceu às perguntas que lhe enviamos, é possível garantir que a Bancada do ABC existe de fato?
Essa lista de prioridades do Grande ABC poderia comprovar uma realidade prática: a Bancada do ABC não existe no conceito mais preciso da expressão -- de empenho coletivo sistemático, organizado, planejadamente estratégico. Pode até ser agrupamento episódico, como o que contribuiu para a aprovação do aumento da capacidade de produção da Petroquímica União, recentemente, mas daí a constituir-se em exemplo a ser seguido são outros quinhentos.
Os próprios deputados estaduais do Grande ABC denunciam-se que não formam uma bancada, embora nos últimos meses tenham ensaiado improvisado coro de união, principalmente a partir das indagações da Editora Livre Mercado. Nada mais lógico quando se tem o calendário eleitoral a apertar a garganta de cada um deles. É preciso levar aos eleitores a idéia de um projeto consolidado, quando se sabe que são individualidades sujeitas a sazonalidades grupais. Sem respostas dos deputados, LivreMercado mergulhou nos arquivos sobre a atuação dos representantes estaduais do Grande ABC. Os resultados são péssimos.
Em julho do ano passado -- portanto há exatamente um ano -- deputados da região criticaram duramente o governo Geraldo Alckmin. Principalmente os petistas, depois da rejeição de todas as 28 emendas apresentadas à Lei de Diretrizes Orçamentárias. "Não posso afirmar que na época do Mário Covas o relacionamento com o ABC era uma maravilha, mas com o Alckmin piorou em 90%" -- apontou Wagner Lino (petista de São Bernardo), que completou: "O Estado não dá mais a importância que o ABC merece. Acho que agora há outras regiões prioritárias para o governador".
Como pode funcionar uma Bancada do ABC se petistas estão de um lado e outras legendas de outro? A crítica, formulada também há um ano, é do deputado José Augusto da Silva Ramos, ex-prefeito petista de Diadema e agora no PPS, ao comentar o descontentamento de Wagner Lino e outros deputados do PT à rejeição das emendas: "A política que o PT faz na Casa dificulta o relacionamento com o governo" -- justificou. Marquinho Tortorello (PPS de São Caetano), da base do governo, afirmou que as emendas não foram contempladas porque a articulação junto ao PSDB foi mal-feita. "Também estou querendo entender o que aconteceu. Vou continuar procurando o líder do governo para obter uma resposta" -- disse à época.
Dividida, a suposta Bancada do ABC deixa evidentes rastros de desconforto. Em dezembro do ano passado apenas quatro das 51 emendas apresentadas pelos deputados estaduais da região foram aprovadas no orçamento do Estado. Mesmo assim, sem qualquer referência específica da região; isto é, são abrangentes, segundo apontou o deputado petista Donisete Braga, de Mauá. Também o petista Vanderlei Siraque, de Santo André, reagiu indignado: "O governo estadual fez o que bem quis na Assembléia Legislativa. Infelizmente, deixou a desejar, já que existem acordos entre o Estado e a Câmara Regional do ABC" -- afirmou textualmente ao Diário do Grande ABC de 21 de dezembro.
Donisete Braga foi contundente na avaliação do governo do Estado e as propostas do Grande ABC: "Infelizmente, hoje a peça orçamentária é feita dentro do gabinete e não enxerga as questões prioritárias da população".
O deputado Wagner Lino antecipou a frustração ao afirmar, duas semanas antes, que só existia uma forma de aprovar as emendas: uma audiência com o governador tendo a participação de representantes das sete Câmaras Municipais da região, prefeitos, Fórum da Cidadania e deputados. "Não adianta falar com o líder do governo. É preciso que o próprio governador assuma compromisso diante das propostas"-- disse. Sem mobilização regional, a derrota foi consumada.
Representação frágil -- Os deputados estaduais do Grande ABC reproduzem o drama de identidade dos demais legisladores. O Executivo, de fato, é que dá as cartas. Por isso, embora façam esforços para explicitar uma atuação conjunta que é frágil, todos procuram sobreviver politicamente. Balanço publicado pelo Diário do Grande ABC em novembro do ano passado traduz a fragilidade do sistema de representação: os deputados da região só conseguiram aprovar 13 leis desde que assumiram o mandato, em janeiro de 1999. A maioria das leis aprovadas refere-se a homenagens ou campanhas educativas. Violência, educação e saúde? Nem pensar.
A justificativa é um atestado da debilidade implícita do mandato: nenhum dos 94 deputados consegue aprovar mais do que uma lei por ano. "Com 94 deputados, é difícil não ser apenas mais um"-- pontuou Donisete Braga. E espetou o governador Geraldo Alckmin: "Não consigo entender como o governador até agora não chamou os prefeitos para dar sequência às discussões de Covas com o governo regional".
O discurso de Newton Brandão, petebista aliado de Alckmin e três vezes prefeito de Santo André, naturalmente é diferente: "A região nunca foi tão beneficiada como agora" -- considerou. Ramiro Neves, do PL de São Bernardo, foi mais conformista: "O governo tem apoio de 63 dos 94 deputados. Aqui funciona a política de corredores". Vanderlei Siraque completou: "Esses corredores não estão abertos para nós, até porque não queremos" -- garantiu.
Como esperar que haja unidade regional com opiniões tão distintas e com tratamentos individuais para uns, discricionários para outros? Wagner Lino é mais contundente ainda: "A prática de os deputados do Grande ABC levarem as emendas ao orçamento da região para discutir com o líder do governo é atitude que rebaixa o Grande ABC. O líder não tem poder de negociar nada. É preciso levá-las ao Palácio dos Bandeirantes e envolver prefeitos e vereadores no processo" -- repetiu à exaustão. Daniel Marins, do PPB de São Caetano, endossou: "Contribuímos muito para o bolo, mas não recebemos o repasse compatível em obras. No Estado existe a visão de que o Grande ABC é rico".
É provável que o desencanto dos deputados da chamada Bancada do ABC seja tão intenso que prefiram fugir de qualquer avaliação mais minuciosa, como a proposta pela Editora Livre Mercado. Logo após as eleições de 1998, todos eles se manifestaram esperançosos com o mandato que assumiriam em janeiro do ano seguinte. Eram seis os eleitos que anunciavam desejo de ampliar a articulação política em torno das prioridades da região e o trabalho conjunto com a sociedade civil. Eleito para a suplência, Newton Brandão assumiu juntamente com os demais, em janeiro, enquanto Donisete Braga só chegou à Assembléia Legislativa mais tarde.
Embora o resultado das eleições de outubro de 1998 tenha sido desastroso para o Grande ABC, o então coordenador do colégio executivo do Fórum da Cidadania, Sílvio Tadeu Pina, manifestava expectativa de que a contagem de votos contemplasse a região com o mesmo número de ocupantes do Congresso Nacional e da Assembléia Legislativa. Não passou mesmo de torcida: quando todos os votos foram apurados, o Grande ABC havia reduzido a representação federal de cinco para três deputados e a estadual de oito para seis. Mais tarde, também Clóvis Volpi (PSDB-Mauá) juntou-se a Duilio Pisaneschi (PTB-Santo André), Luiz Carlos da Silva (PT-Santo André) e Jair Meneguelli (PT-São Caetano) em Brasília.
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