O prefeito Maurício Soares não diz com todas as letras -- até porque não convém a um homem público prestigiado pela terceira vez para dirigir São Bernardo, a quarta cidade mais importante do Estado, dizer tudo com todas as letras. Mas que Maurício está insatisfeito com a rarefeita regionalidade do Grande ABC, isso ele está. "O espírito de regionalidade ainda não atinge significativos setores que a comporiam" -- afirma o prefeito, que se diz frustrado por não ter conseguido articulação política suficiente para inscrever seu nome como candidato a vice-governador do Estado na chapa do tucano Geraldo Alckmin.
Nessa entrevista através de emeio, à qual respondeu com os próprios punhos em manuscrito que sua assessora de imprensa transcreveu para a linguagem dos digitais, Maurício Soares é econômico nas respostas de questões mais abrasivas. Chega a fugir de detalhamentos, mas, de qualquer forma, mostra a aguda e sempre discreta capacidade de golpear com a classe dos esgrimistas. Não poupa, por exemplo, representantes das montadoras e do Sindicato dos Metalúrgicos que, há alguns anos, não conseguiram se entender nas breves negociações incorporadas à Câmara Regional para reduzir o peso do chamado Custo ABC.
Ex-advogado do próprio Sindicato dos Metalúrgicos, fundador do Partido dos Trabalhadores e prefeito eleito pela primeira vez em 1989 com a estrela vermelha do peito, Maurício Soares considera difícil retornar à agremiação de Luiz Inácio Lula da Silva. Prefere não tornar públicas as razões, mas o desgaste de relações nem sempre amistosas com os petistas de São Bernardo, de linha mais à esquerda do que gostaria o prefeito, tem peso preponderante.
São Bernardo, segundo dados da Secretaria da Fazenda do Estado, tem sentido nos últimos seis anos fortes dores de perdas industriais. O senhor tentou, como dirigente do Consórcio de Prefeitos e da Câmara Regional, estabelecer um fórum específico com a indústria automotiva e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Constatou-se, na época, o chamado Custo ABC. Foi o suficiente para que as negociações não progredissem. Até que ponto poderemos protelar discussão mais aprofundada sobre a realidade regional em contraponto à realidade de outras regiões do Estado e do País?
Maurício Soares -- Nossa região tem, efetivamente, perdido participação do ICMS. Uma das formas de estancar essas perdas seria por via do incremento da produção e redução dos custos, visando a competitividade, a partir daqui. Os grupos setoriais constituídos a partir da Câmara Regional, casos dos setores petroquímico, dos plásticos e dos móveis, já surtiram resultados. O mesmo foi tentado com o setor automotivo, mas não deu certo. Trabalhadores e empresários enxergaram somente uma oportunidade para obtenção de vantagens e as propostas lançadas eram tão antagônicas que se inviabilizaram. O espírito embutido na proposta da Câmara não visava a obtenção de vantagens imediatas, e sim a construção de um projeto a médio e longo prazos que contribuísse para a manutenção da indústria forte e competitiva, preservando e gerando empregos, a partir de nossa região. As reuniões havidas pareciam mais uma queda-de-braço, iguais as que acontecem nas negociações de convenção coletiva de trabalho.
Ademais, é indispensável fazer notar que empresas multinacionais (caso do setor automotivo), via de regra, obedecem diretrizes externas e não se inserem em empreitadas locais como as da Câmara Regional. O aprofundamento de discussão sobre a realidade regional se dá paulatinamente e não se compadece com soluções milagrosas e instantâneas. O espírito de regionalidade ainda não atinge significativos setores que a comporiam.
O senhor não considera o Grande ABC uma região socioeconômica diferenciada no Brasil a ponto de merecer tratamento igualmente diferenciado dos governos estadual e federal? O que fazer para reduzir o custo social da modernização das fábricas automotivas de São Bernardo? O senhor acha justa a carga tributária ao consumidor incidente sobre veículos, sem que isso traga qualquer repercussão aos cofres municipais?
Maurício Soares -- A carga tributária é reconhecidamente exagerada no País. No ABC, além disso, o custo da mão-de-obra supera o de outras regiões. Mas não considero possíveis políticas muito diferenciadas para nós, já que o universo a ser contemplado tem situações socialmente mais urgentes.
Considerando-se que a indústria automotiva manterá a tendência de descentralização das unidades e de enxugamento dos quadros operacionais, que alternativas econômicas o senhor visualiza para que São Bernardo não se torne ainda mais refém de um quadro de exclusão social, exclusão funcional e exclusão empresarial?
Maurício Soares -- As alternativas econômicas para São Bernardo, para mim, resumem-se em duas: a primeira refere-se à retomada do crescimento da economia. Isto acontecendo, o parque industrial, que aqui é grande e competitivo, aportará empregos e oportunizará negócios, suficientes para diminuir as exclusões. Ocorre que são Bernardo não é uma ilha. Se o mundo e o País reduzem a produção industrial, se o mundo e o País enfrentam crises sobre crises, o reflexo neste e em outros municípios é imediato. A segunda alternativa é promover ou facilitar a chegada de empresas de outros segmentos, o que fazemos diuturnamente. Os tempos são bicudos e as oportunidades, poucas.
Quais ações o senhor considera mais importantes, no âmbito econômico, de sua administração iniciada em janeiro de 1997? O senhor considera que foram atividades suficientes para conter as dificuldades macroeconômicas?
Maurício Soares -- São Bernardo, no período, trabalhou com empreendedorismo e formação profissional para jovens, fundou a incubadora de empresas, fez programas de auto-emprego, criou cooperativas e programas de geração de renda, sempre em parceria com o governo do Estado (Banco do Povo) e Sebrae. Indiretamente, as melhorias na infra-estrutura urbana, como os piscinões e novos acessos da Via Anchieta, potencializaram as condições de atratividade. Conter as dificuldades macroeconômicas é tarefa que ultrapassa a capacidade do Município, dependendo muito mais dos níveis superiores de governo, do funcionamento da economia a nível nacional e internacional.
Que diferença o senhor percebe entre a São Bernardo econômica dos tempos de ditadura e de movimento sindical e a São Bernardo de hoje de democracia e globalização? Que São Bernardo é melhor?
Maurício Soares -- São Bernardo nos tempos do milagre econômico da ditadura não havia esgotado seu ciclo de crescimento. Não era o tipo de desenvolvimento sustentável, porém, eis que baseado no arbítrio constante contra os princípios democráticos e na exploração intensa da massa trabalhadora. A cidade deu exemplos na luta contra o arbítrio e contra as leis de arrocho salarial. Os ventos da democratização consertaram formalmente algumas coisas, mas as crises avassaladoras e constantes, agravadas pela globalização, deixam os pobres, mais uma vez, à margem dos avanços tecnológicos e das conquistas sociais.
O senhor concordaria com a afirmativa de que São Bernardo e o Grande ABC como um todo estão pagando o preço de incompetências empresariais e omissões políticas passadas, sedimentadas no mercado fechado? O senhor acha que o Grande ABC não se preparou convenientemente para a abertura econômica ou entende que o governo federal introduziu mudanças abruptas demais, privilegiando investimentos estrangeiros, sobrevalorizando a moeda, incrementando as importações, durante largo período de sucesso do Plano Real?
Maurício Soares -- Todos nós dormimos no berço esplêndido do lucro fácil, da disponibilidade do emprego, dos favores especiais do governo, e deixamos para um plano inferior o empreendedorismo, o salto nas áreas de competitividade e qualidade. Era mais fácil ganhar dinheiro na ciranda financeira. O corporativismo levado ao exagero trouxe complicações.
O Grande ABC, e particularmente São Bernardo, será melhor ou pior depois das próximas eleições presidenciais?
Maurício Soares -- Estamos em meio a mais uma crise que, ao que parece, não desaparecerá após as eleições vindouras. Ao contrário, acredito que, pelo menos durante algum tempo, os problemas podem se avolumar por conta do que sempre representa a instalação de um governo novo, com gente nova, com prioridades e estilos novos.
Não lhe parece que tanto sua administração quanto as demais no Grande ABC ainda não se tenham dado conta de que desenvolvimento econômico é o núcleo sobre o qual se irradiariam as transformações da região e sobre o qual é necessário aplicar prioridade absoluta? Seria ilusão acreditar que um dia os prefeitos do Grande ABC terão nas pastas de Desenvolvimento Econômico a essência de suas inquietações?
Maurício Soares -- Acredito que desenvolvimento social e econômico devem andar de mãos dadas. O primeiro acontece precariamente senão precedido pelo segundo. E o segundo sem o primeiro não tem sentido porque o fim, que é o ser humano e sua eminente dignidade, não é atingido. O desenvolvimento econômico sem desenvolvimento humano é o retrato escarrado do nosso País.
O senhor acredita que o Grande ABC será capaz de erguer-se pelos próprios punhos ou dependerá cada vez mais da macroeconomia nacional e internacional?
Maurício Soares -- O ABC não é uma ilha. Trabalhamos e vivemos num contexto cada vez mais denso de globalização. Isso não quer dizer que os esforços locais sejam dispensáveis. Todos devemos contribuir. A organização regional deve ser cada vez mais aprimorada. As instituições, a sociedade civil, a imprensa, todos devem dar seu contributo positivo, apostando na unidade e na capacidade de recuperação da região.
O senhor ficou frustrado por não ter podido acompanhar a chapa de Geraldo Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes? A possibilidade de ser candidato a vice-governador se desvaneceu por responsabilidade de quem?
Maurício Soares -- Pensei em postular a vice-governança como espécie de corolário de minha carreira política. Achei que tinha acumulado experiência política e administrativa o bastante para compor a chapa majoritária do meu partido. Achei também que, dentro de regras democráticas, poderia ter alguma chance. Muitas razões, umas de natureza política de grupos consolidados dentro do aparelho partidário e outras meramente consuetudinárias, frustraram esse meu objetivo. É claro que doeu um pouco. Mas o acontecido é frequente na vida político-partidária e quem se abalança a disputar deve contar também com isso.
O senhor acredita que o candidato Paulo Maluf, prioritariamente voltado a um discurso que coloca a segurança pública no núcleo dos debates, encontrou o exato calcanhar de Aquiles que tornará o governador Geraldo Alckmin vítima de derrota eleitoral?
Maurício Soares -- Acho que Paulo Maluf fez muito menos por segurança pública quando governador do que vêm fazendo os governos do PSDB. Os tempos são outros. As dificuldades se potencializaram quase ao infinito. Há problemas por resolver, há deficiências a serem sanadas. Mas muita coisa boa está acontecendo, como a conscientização da sociedade, a entrada dos municípios nas tarefas da segurança, a integração que se reforça das polícias entre si e das guardas municipais, a intensificação da compra de viaturas e equipamentos etc. Queremos todos mais segurança. Sempre mais. O que não queremos é a volta dos esquadrões da morte, a polícia matando os pobres na pura arbitrariedade, como acontecia nos tempos de Maluf governador. Queremos, sim, uma polícia firme, que não se apequene diante da audácia do crime, mas que encurrale o crime e os bandidos dentro da lei e dos princípios democráticos.
Qual sua avaliação sobre a política de segurança pública adotada pelo governador Mário Covas? E como avalia a decisão de Geraldo Alckmin de modificar a filosofia sintetizada nos Direitos Humanos e aplicar, nos últimos meses, com novo secretário na área, ações que mais se aproximam dos métodos anunciados e já praticados por Paulo Maluf?
Maurício Soares -- Fragilizar a polícia diante do bandido não é boa política corporativa nem boa prática de segurança. Acho que houve certo exagero por parte dos governos na coibição da atividade policial. A polícia que perde a iniciativa transfere-a imediatamente ao crime organizado. Os direitos humanos devem ser sempre respeitados, inclusive o direito dos criminosos. Esses, porém, devem temer a polícia, devem arrostar com as consequências do enfrentamento que fazem diariamente das leis, da ordem e sobretudo dos direitos dos outros, que, afinal, são as grandes vítimas. Os direitos humanos do povo ordeiro e trabalhador precedem sempre o direito dos marginais. Essa é a nova postura do governo do Estado implantada pelo governador Geraldo Alckmin e seu secretário de Segurança, que está correta e produzindo resultados melhores.
Como o senhor analisa a série de informações, muitas das quais contraditórias, que envolveram o sequestro, a morte e os desdobramentos administrativos da gestão de Celso Daniel? Quem ganhou e quem perdeu com essa série de acontecimentos? O senhor acredita em crime político, em crime de amigos, em crime urbano?
Maurício Soares -- A morte do prefeito Celso Daniel representou um choque e uma perda deploráveis para todos nós. Acho que o Lula definiu, com precisão, o que eu penso: todos os fatos devem ser apurados e, se culpados houverem, devem ser punidos.
Quais são seus planos de administrador público para quando deixar a Prefeitura de São Bernardo?
Maurício Soares -- Depois que o projeto de candidato a vice-governador fracassou, estou aguardando a cura das feridas para pensar em outros.
Que frustrações o senhor eventualmente carregará quando terminar o terceiro mandato à frente da quarta cidade economicamente mais importante do principal Estado da Federação? O que o senhor acha que não conseguirá realizar ou mesmo encaminhar para resoluções até que seu mandato se esgote?
Maurício Soares -- Há um mundo de coisas que todos queremos e não conseguimos, pois há limitações de toda ordem, como as de natureza política, financeira e, inclusive, as pessoais que tolhem as iniciativas. Por exemplo: ver a cidade com tantos desempregados é muito triste; não ter moradia e saneamento para todos também é doloroso. Mas não sou um administrador frustrado porque, dentro de minhas forças, ousei e realizei muito por São Bernardo.
Faltando dois anos para as eleições municipais, não estaria na hora de decidir quem é o candidato do Paço de São Bernardo? O Partido dos Trabalhadores já tem Vicentinho Paulo da Silva como concorrente e Luiz Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, como eventual substituto caso Vicentinho seja chamado por também eventual governo de Lula da Silva. Por que tanta demora do Paço?
Maurício Soares -- Acho que após as eleições deste ano o processo de sucessão se desencadeia naturalmente. Para termos sucesso, devemos buscar o fortalecimento do grupo e o máximo de consenso.
Que nomes estariam na alça de mira do prefeito como candidatos ao Paço de São Bernardo?
Maurício Soares -- Acho que temos no grupo várias pessoas com condições de disputar as eleições. O número poderá crescer ou diminuir com o passar do tempo. Seria uma imprudência estratégica fixar nomes dois anos antes do pleito de 2004.
Quais as características pessoais e administrativas que o senhor julga essenciais para que o próximo prefeito de São Bernardo consiga dar prosseguimento à sua administração?
Maurício Soares -- O prefeito de São Bernardo, para continuar o jeito de minhas administrações, deve ser humilde e confiante, ter boa equipe, se relacionar bem com todos os segmentos da sociedade e todos os níveis de governo.
O que difere o administrador Maurício Soares dos administradores mais moderados do Partido dos Trabalhadores? O senhor está se aproximando deles ou eles estão se aproximando do senhor?
Maurício Soares -- Sempre admirei as práticas sociais do PT e, por isso, sinto-me muito próximo dos administradores do partido que as colocam em prática. O que me afasta do PT é a turma que ainda pensa em revolução armada, partido único que cultua o socialismo que fracassou historicamente.
É possível que o senhor volte aos quadros do Partido dos Trabalhadores algum dia?
Maurício Soares -- Nada é impossível. Acho muito difícil.
De todas as obras sociais que desenvolveu durante os dois mandatos e meio, quais o senhor listaria como as mais importantes?
Maurício Soares -- Toda obra social é importante. Sempre achei que a atenção à criança, ao adolescente e ao jovem deve ser prioridade.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira