Neste momento de novas escolhas sobre quem vai comandar os destinos do País e dos Estados, nada mais conveniente do que revisitar as idéias do prefeito morto Celso Daniel, administrador que pode ser considerado visionário diante da tábua rasa em que se instala a maioria dos políticos brasileiros. LivreMercado buscou esta entrevista de outubro de 1996 à Tendências & Debates, revista do PT, às vésperas de Celso Daniel assumir o segundo mandato, para mostrar como os pensamentos do maior prefeito regional continuam atuais e como ele pouco conhecido das grandes massas.
Obstinado pela força da regionalidade, o triprefeito de Santo André já pregava propostas estratégicas de desenvolvimento local ancoradas na aliança empresários-trabalhadores-Poder Público e antevia o estrangulamento dos municípios com a centralização dos recursos na União. Sem falar na fatura social cobrada das cidades com o baixo crescimento econômico do País. Vale a pena resgatar este pingue-pongue à T&D comandado por Alípio Freire, Rose Spina e Vicente Trevas, para os quais Celso Daniel antecipava as ações contra a burocracia da máquina pública e contra servidores ineficientes.
Celso Daniel foi eleito prefeito de Santo André pelo PT pela primeira vez em 1988, com 173.962 votos (49,6% do total). Deputado federal eleito em 1994 com 96.957 votos (dos quais 71.534 em Santo André, tendo sido o mais votado de toda a região), agora venceu as eleições em primeiro turno com 205.317 votos (52%). Considerado um dos maiores estudiosos da questão do poder local, Celso foi entrevistado por T&D logo após sua vitória em 3 de outubro. Na conversa, com base em sua experiência anterior como prefeito e em seus estudos sobre o tema, ele dá importantes dicas para a nova geração de administradores que assumirá em 1º de janeiro de 1997.
Quais são os principais desafios que a terceira geração de prefeitos petistas enfrentará?
O primeiro está ligado à participação popular. Temos obrigação de manter o dinamismo das formas de participação popular que vêm sendo criadas nas várias administrações do PT. O indiscutível sucesso do Orçamento Participativo coloca, como toda nova experiência, novos desafios a serem equacionados. Caso contrário, a experiência tende a se petrificar e fenecer. Os espaços públicos participativos são muito diversificados e não podem ser reduzidos apenas a um. Eu não considero positiva a idéia de que se limite a participação popular ao Orçamento Participativo. Outros espaços públicos participativos -- sejam mais descentralizados, setoriais, sejam de outra ordem, como o espaço da definição estratégica de uma cidade -- devem ser respeitados.
Em segundo lugar, estamos num momento bastante propício para que avancemos na redefinição da relação entre público e privado. Isso é absolutamente fundamental quando consideramos, por um lado, o caminho -- que não condiz com o PT -- do estatismo puro e simples e, por outro, o privatismo exacerbado, o neoliberalismo, que é a outra face dessa moeda. Estamos caminhando no fio da navalha na relação entre o público e o privado com vistas a construir outro modelo de gestão pública. Estou me referindo mais especificamente à necessidade de redefinição da dimensão econômica dessa relação, o que pode vir a ser inclusive um referencial importante para construção de um projeto alternativo de nação. Através das experiências que já temos vivenciado, me parece claro, por exemplo, que para determinados serviços públicos e obras é mais importante o estabelecimento de um forte sistema de regulação pública do que necessariamente a sua produção direta. Vejamos a situação do transporte coletivo. Algumas estatizações levadas a efeito não foram tão bem-sucedidas e foram revistas. Pode-se fazer críticas à maneira como essa revisão foi feita, mas o importante é registrar que o modelo anterior não estava dando certo. O fundamental é instituir a regulação pública por meio da qual o poder público comande de verdade o sistema, garanta o serviço como um direito de cidadania, tenha condição de fiscalizá-lo e de torná-lo acessível ao público.
Sei que há determinadas áreas mais sensíveis, como a educação, a saúde, em que essas questões têm de ser trabalhadas com mais cuidado, porque poderia significar de alguma maneira a sua privatização. Mas, para outras áreas, essa questão se coloca muito claramente e é preciso que nós, administradores, tenhamos a audácia de pensar os novos tempos de maneira criativa, garantindo o essencial dos nossos compromissos políticos.
O terceiro desafio é o de se conseguir garantir a socialização das experiências inovadoras em políticas públicas espalhadas pelo Brasil. Experiências, na grande maioria, de administrações petistas, mas algumas também em administrações não-petistas. Não podemos deixar que se perca o que conseguimos acumular durante todas as gestões anteriores. Talvez a segunda geração de prefeitos petistas tenha conseguido dar maior visibilidade a seus projetos por causa das premiações da Fundação Getúlio Vargas e Fundação Ford, das seleções feitas para o Habitat II em Istambul etc. Estamos mais que na hora de conseguir uma socialização real dessas experiências inovadoras para que se possa implementar aquilo que vale a pena e avançar mais ainda.
Isso é verdadeiro tanto em termos de políticas ligadas à prestação de serviços públicos, execução de obras, quanto também no que concerne ao fortalecimento dos espaços públicos que são referências simbólicas para as cidades que administramos. Por exemplo, os centros históricos são referências simbólicas fundamentais porque moldam a identidade da cidade. São, em geral, espaços de encontro da grande maioria da população e principalmente daqueles que são da periferia. Como são espaços básicos de referência para a formação, criação e recriação da identidade das cidades, é fundamental que tenhamos condição de moldá-los com referências progressistas, democráticas, cidadãs, e não conservadoras e excludentes, como é costumeiro acontecer com governos de direita.
Um quarto desafio diz respeito à ação na esfera da produção econômica. Já demonstramos nossa competência no que diz respeito a políticas públicas redistributivas de renda, ou seja, captar tributos de maneira progressiva, fazendo com que paguem mais aqueles que têm mais e menos aqueles que têm menos e fazer com que esses recursos sejam revertidos para os excluídos através de políticas sociais, no que se chamou de inversão de prioridades.
Dentre os elementos da agenda colocada para os novos administradores, um desafio novo é o de conseguirmos levar a efeito políticas de desenvolvimento local com geração de emprego. Isso significa atuar mais diretamente na esfera da produção e não apenas na distribuição de renda. Aqui também temos algumas experiências muito interessantes, bem-sucedidas, em várias das nossas administrações: o Banco do Povo de Porto Alegre, a experiência das agrovilas em Rio Branco e a do governo do Distrito Federal, que busca a implantação de pequenas agroindústrias. Elas mostram claramente a necessidade de se trabalhar com a questão de geração de emprego.
O desafio é levar adiante essas experiências ainda pouco trabalhadas, ainda em pequeno número, e dar-lhes maior sistematicidade. Por outro lado, é importante não ter apenas políticas de geração de emprego de caráter defensivo, mas ter propostas estratégicas de desenvolvimento local de maior amplitude, que envolvem não apenas a ação direta do poder público, mas também a dos diferentes tomadores de decisão. Implicam ações na linha de acordos tripartites entre empresários, trabalhadores -- através dos seus sindicatos -- e governo para formulação e implementação de estratégias de desenvolvimento mais integradas. Isso significaria uma mudança de qualidade mesmo em relação às políticas públicas ligadas a emprego que já estão sendo implantadas em diferentes municípios.
O quinto desafio diz respeito a um dos elementos menos desenvolvidos nas nossas experiências de administração, mas, apesar disso, não menos importante do que os outros: o de estabelecermos um novo modelo de gestão pública. Estou me referindo àquilo que correntemente se chama de reforma administrativa. Nós temos obrigação de mostrar que o serviço público pode funcionar bem, pode ser não apenas democrático mas eficiente e que é possível economizar recursos prestando serviços de melhor qualidade. Precisamos, portanto, de um novo modelo de gestão, articulado à questão da participação popular, mas integrando novas metodologias já testadas no Brasil em vários governos, não só do PT, e principalmente no Exterior, onde já se multiplicam há vários anos. Estou falando da idéia de reinventar o governo, para colocar uma expressão que está na moda. Nossas administrações têm deixado um pouco de lado esse elemento. Mas hoje, com o amadurecimento das experiências inovadoras da participação popular, isso é fundamental para que consigamos integrar também a idéia de que é preciso prestar serviços de boa qualidade ao menor custo possível.
Hoje em dia, a população está completamente descrente da possibilidade de que isso possa vir a acontecer. Por isso, essa tem que ser uma referência fundamental, para mostrar que nem estamos presos ao passado, ao Estado e à burocracia pública que herdamos, nem estamos de acordo com o pensamento neoliberal que considera que o Estado não tem jeito mesmo e que, portanto, é necessário privatizar tudo. Temos que mostrar que isso somente é verdade no imaginário ideológico forjado nesses tempos de globalização pela hegemonia do pensamento neoliberal. A disputa de hegemonia passa necessária e pesadamente também por este tipo de referência. Por exemplo: o SUS é uma referência consolidada na área de saúde que tem que ser não só preservada como valorizada e expandida. Porém, precisamos fazer reformulações no seu modelo de gestão, para garantir que realmente seja uma experiência inovadora positiva e que se implante em definitivo. Caso contrário, vamos ficar o tempo inteiro sob o risco de aparecimento de novos PAS da vida, questionando modelos públicos de gestão de serviços da coletividade.
Como você vê a relação dessa terceira geração de governos petistas com o projeto partidário?
Temos tido muita dificuldade enquanto partido para nos aproximar dos setores excluídos. Trabalhamos basicamente através de movimentos organizados. E uma boa parte dos setores excluídos não está organizada e não se dispõe a se organizar, ou nós não descobrimos ainda a fórmula para sua organização. As administrações municipais têm papel fundamental no sentido de implementação de políticas que permitam a identificação desses setores com a nossa proposta, de forma que tenhamos condições de reverter a tendência de que sejam polarizados pela direita mais conservadora.
Nesta eleição, em Santo André, senti uma mudança importante com relação à que disputei em 1988. Na área mais periférica da cidade, onde existe quantidade maior de favelas, de ocupações, nós anteriormente já tínhamos tido uma razoável votação, mas não era o nosso forte. Agora, a votação nesses setores cresceu muito, o que é uma demonstração de que, através da política implantada na primeira gestão, particularmente a de moradia, o nosso governo se tornou uma referência para esse setor.
Esse é outro desafio que tem a ver com uma questão de caráter estratégico, do ponto de vista do PT: através das administrações, podemos demonstrar simbolicamente que estamos ao lado dos excluídos, abrindo assim um espaço de aproximação e constituição de alianças sociais e fundamentais.
Como você analisa as disputas havidas no PT, em vários municípios, durante as prévias?
A estrutura partidária está se arrastando numa crise ao longo desses últimos anos e, sinceramente, não consigo ver sinais de superação. É evidente que os acontecimentos muito negativos que ocorreram em várias das localidades onde houve disputa pela candidatura a prefeito são uma demonstração clara de que é fundamental uma revisão. Não dá mais para conviver com situações como as que vivemos em vários municípios. Isso denota uma crise mais profunda, de valores, ligada à crise do nosso projeto mais amplo de sociedade.
No entanto, não vejo nenhuma possibilidade de equacionamento desse problema através de mudança de regras, suprimindo as prévias, como alguns companheiros aventaram. Não é sua supressão que resolveria. Ao contrário, a disputa se deslocaria para outro espaço, talvez até menos democrático, sem resolver o problema de fundo. O instrumento das prévias tem que ser mantido. Precisamos é aperfeiçoar nossa forma de fazer política para que sejam utilizadas de maneira saudável como, aliás, tem acontecido em vários lugares.
Temos que começar a trabalhar com princípios éticos mais claros e sermos mais rigorosos nas avaliações que fazemos. O problema de fundo é ideológico, no sentido de visão do mundo, e portanto incorpora a necessidade de termos uma ética partidária radicalmente democrática no tratamento de nossas divergências e que garanta o debate político.
Em geral, como você disse, os setores mais excluídos são os menos organizados. Qual deve ser o papel do partido na sua organização?
A experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre é demonstração clara disso. Você consegue atingir uma certa parcela que se dispõe a se mobilizar para discutir algo de interesse público. Nem todos os que vão ser atingidos por esses processos de tomada de decisão se dispõem a participar. Mas, o importante é que eles estejam legitimando esse tipo de procedimento e que esteja sempre preservado um espaço para que novas pessoas e novos setores possam ser agregados. É necessário combinar a implementação de políticas públicas para que consigam atender aos setores excluídos com a participação do partido que, se beneficiando da implementação dessas políticas, possa criar novas referências de auto-organização desses setores para que não se trate apenas de uma demonstração de apoio passivo.
Como você visualiza o cenário nacional no qual os prefeitos vão agir a partir de 97?
A política econômica do governo federal, ao que tudo indica, vai continuar caminhando para manter estabilidade dos preços, engessada nessa combinação de valorização cambial com taxas de juros muito elevadas e abertura indiscriminada, o que prenuncia uma situação precária. É possível que as prefeituras sejam obrigadas a arcar com os resultados da ausência de um crescimento econômico sustentável, que se reflete não apenas nos problemas sociais, mas também em dificuldades maiores em termos de arrecadação municipal.
A reforma tributária, da forma como foi feita, é problemática para os municípios e Estados porque significa perda de recursos. Nesse sentido, é uma involução em relação a um pacto federativo mais descentralizador. A tendência do governo federal tem sido sistematicamente de recentralização de recursos, combinada com uma descentralização de atribuições. Isso pode significar, num curto prazo, uma crise profunda dos municípios brasileiros. Trata-se da inviabilização, em termos de finanças públicas, de uma parte importante das prefeituras do País. Nós, que estivemos na primeira geração, pudemos nos beneficiar dos frutos positivos da Constituição de 88 e do esforço de arrecadação maior de IPTU, o que gerou desgaste político mas aumentou as receitas próprias. Os prefeitos que assumem hoje o fazem numa situação muito mais precária do ponto de vista das finanças públicas do que os que assumiram em 1989. Isso só reforça a necessidade de os municípios se articularem pesadamente com vistas a evitar retrocessos importantes.
Nesse quadro de dificuldades financeiras, como fica a relação com o funcionalismo público?
Ela é extremamente conflituosa. Uma parte do funcionalismo público, em vários lugares, é nossa base de sustentação e isso significa problemas até mais sérios, na medida em que determinadas modificações podem vir a se contrapor à filosofia de certos sindicatos de servidores. Sabemos muito bem que é preciso criar condições para que os servidores sejam motivados para processos de mudança e para prestação de serviços públicos de qualidade. Isso, evidentemente, pressupõe garantia de salários, de condições de trabalho. Mas, numa situação em que a crise fiscal deve se abater sobre os municípios brasileiros, a capacidade para se fazer frente a demandas do funcionalismo público vai ficar mais reduzida. Espero que nenhuma nova gestão petista cometa a impropriedade de dar aumento de salário logo no início, porque isso já foi feito na primeira e segunda gerações e aprendemos que volta como bumerangue.
Você trabalharia com a hipótese de demissões para enxugar a máquina?
Sou contra demissões em massa. O que é necessário, e inclusive já fazia parte da nossa proposta de reforma administrativa no Congresso Nacional, é que seja facilitada a demissão, por insuficiência de desempenho, de servidores estáveis. Não há nenhum sentido em você manter um servidor público, mesmo estável, se ele tem um desempenho insuficiente. Porque o que está em jogo são recursos públicos utilizados, no caso, para sustentar pessoas que não prestam serviços de boa qualidade.
Porém, quando se fala de demissões em massa, trata-se de outra coisa. Demissões, a não ser por insuficiência de desempenho, têm de ser vistas como último recurso porque são contraditórias com a possibilidade de se garantir um modelo de gestão com participação dos servidores. E sem a sua adesão, esse modelo é absolutamente inviável. O que acontece é que tende a haver um cruzamento entre os métodos de busca de adesão dos servidores para novas formas de gestão com reivindicações corporativas que podem eventualmente criar limites ou até mesmo inviabilizar a própria implantação de novos modelos. Por isso, a administração dos conflitos entre governo e servidores tem que estar no centro das preocupações.
Temos de considerar que as lutas corporativas são absolutamente legítimas numa sociedade democrática. Portanto, a condenação em bloco que o neoliberalismo faz de qualquer forma de ação coletiva tem de ser descartada. Mas, o prefeito governa para o conjunto da cidade que o elegeu, paga impostos e tem que ser provido de serviços públicos, obras etc.
Os servidores são agentes absolutamente fundamentais para que as políticas públicas sejam implementadas. Se sabemos que a prestação de serviços públicos exige boas condições de trabalho, e portanto respeito a legítimas reivindicações dos servidores, por outro lado não podemos ser reféns dos mesmos, privilegiando seus interesses em detrimento da maioria da população e, dessa forma, inviabilizando a implementação de políticas públicas que são a razão de ser de uma administração.
Como deve ser, então, a política de recursos humanos?
Quando falo em modelo de gestão pública, estou falando de algo mais amplo. Não se trata apenas de uma política de recursos humanos. Um modelo de gestão tem que necessariamente incluir uma política de recursos humanos agressiva, que portanto exige recursos orçamentários, e da qual faça parte a formação, a capacitação dos servidores, sua integração nos projetos de prestação de serviços públicos de qualidade. Mas não se trata apenas de formação e capacitação. A busca da implantação de novos métodos de trabalho que integrem os servidores na sua implementação é fundamental e isso nada tem a ver com um pretenso estímulo à participação genérica dos servidores através do assembleísmo. Trata-se de integrá-los, de conseguir sua adesão para que a produtividade e a qualidade do serviço público possam melhorar cada vez mais.
Precisamos incorporar, além disso, novos métodos de administração pública. Não só o planejamento estratégico, mas métodos que valorizem a abordagem voltada ao cidadão e, portanto, a ruptura da segmentação entre diferentes órgãos e secretarias. É necessário que estes trabalhem em termos matriciais para implementarem projetos integradores da cidade, superando a estrutura compartimentada que herdamos.
Os números do desemprego têm se mostrado assustadores no Grande ABC. Qual a ação possível da esfera pública municipal nessa questão?
Muitos economistas do PT acreditam que a definição do nível de emprego está fundamentalmente ligada a questões internacionais, à política econômica federal e que, portanto, ao nível local só é possível ações defensivas, minorando o problema. Eu discordo dessa posição. É verdade que o desemprego no Brasil tem relação direta com a política econômica aplicada pelo governo federal. É sempre importante reiterar isso porque, caso contrário, pode se chegar à conclusão de que o desemprego seria uma questão que poderia ser virtualmente resolvida num município. Mas, nessa nova etapa do processo de internacionalização do capital, a região, entendida como uma localidade que faz sentido do ponto de vista da lógica econômica, pode e deve atuar a partir dos seus tomadores de decisão, públicos e privados, no sentido de aproveitar as melhores oportunidades para estabelecer um programa de desenvolvimento local.
A unidade por excelência de uma economia local é a região. Normalmente, ela envolve mais de um município. Especificamente no caso do ABC, existe uma economia com fortes laços de solidariedade: pessoas que trabalham numa cidade, moram em outra e utilizam serviços públicos em terceiras. É preciso estabelecer políticas de desenvolvimento e de geração de emprego no plano municipal. Mas, para ter uma ação mais decisiva, que não corresponda apenas a políticas defensivas, é preciso abordar a região como uma unidade e propor um plano estratégico de desenvolvimento e de geração de emprego para o conjunto da mesma.
Considero absolutamente fundamentais as iniciativas de criação de bancos populares, de espaços privilegiados para a micro e pequena empresa, de políticas de capacitação profissional etc., às quais deve se somar também um programa de renda mínima. Mas é necessário agregar-se uma outra abordagem para o problema da geração de emprego. A questão central é criar condições para a participação dos diferentes prefeitos e demais políticos, dos formadores de opinião, de movimentos sociais e, sobretudo, de empresários e de trabalhadores organizados nos seus sindicatos, para que, a partir das suas diferenças de interesses, possam ser formuladas propostas comuns tendo em vista o desenvolvimento da região.
Dado o processo de tomada de decisão em nível internacional, as decisões a respeito de onde localizar investimentos e de como efetuar a própria relação capital-trabalho dependem em grande medida da ação ou da omissão dos atores locais diretamente envolvidos. Precisamos incorporar as direções das grandes empresas a esse processo de planejamento estratégico regional. Para comprometê-las com processos partilhados de negociação, de cooperação, em função dos quais os poderes públicos e os trabalhadores tenham também condições de assumir a sua parte de responsabilidade.
É interessante para os trabalhadores estabelecerem estratégias de acordos tripartites, como foi feito na câmara setorial da indústria automobilística, no sentido de que os sindicatos consigam manter e conquistar direitos, ao mesmo tempo oferecendo elementos que possam ser de interesse das empresas. Para isso, as duas partes precisam oferecer alguma coisa. O poder público precisa do desenvolvimento da região, da geração de emprego, porque isso garante impostos, condições para a prestação de serviços etc. e, portanto, deve estar disposto também a contribuir com parcela dos seus recursos e sua vontade política. Os empresários precisam dos trabalhadores, precisam muitas vezes do poder público e também podem dar sua parcela de contribuição.
Como administrar sem maioria na Câmara?
Temos de buscar uma composição que permita garantir maioria para governar. Isso é um elemento absolutamente básico de governabilidade. É perfeitamente possível e necessário o respeito à independência do Legislativo, seu fortalecimento, com uma política de compromissos, de acordos, que vise a garantia da maioria na Câmara Municipal. É fundamental que os governos se abram para fazer acordos com vereadores individualmente ou com partidos com os quais exista algum grau de identificação, de forma que as condições de governabilidade permitam implementar um programa de governo transformador. Eu sofri demais tanto nos dois primeiros anos da nossa gestão anterior, quando nossa maioria era muito instável, como principalmente nos dois últimos, quando perdemos dois vereadores do PT e ficamos em situação extremamente precária, o que diminui a possibilidade de implementação de propostas transformadoras para o município.
Quais são as prioridades para Santo André?
Nós elegemos três grandes prioridades: o desenvolvimento econômico e a geração de emprego; a educação, inclusive com um prisma também vinculado à própria formação da mão-de-obra; e a implementação de ações, em termos de serviços públicos, voltadas à melhoria da qualidade de vida, de forma a tornar Santo André uma cidade agradável para se viver. Isso quer dizer garantir boa manutenção da cidade, melhorar as condições de trânsito, de áreas verdes, de iluminação e segurança públicas, além do fomento a atividades de cultura, esporte e lazer. É esse conjunto que chamamos de cidade agradável.
É óbvio que é necessário implementar a chamada inversão de prioridades, que é preciso resgatar a ação nas áreas de saúde, do transporte coletivo, de moradia. Mas, a educação me parece fundamental em termos estratégicos para a região.
Nós complementamos essas três prioridades com dois eixos básicos: a modernização administrativa, que visa garantir prestação de serviços com mais qualidade e a mais baixo custo, e a nossa proposta de participação popular.
Qual a importância da cooperação internacional para as novas administrações?
A cooperação internacional deve ser buscada com bastante agressividade. Existem espaços importantes, tanto em termos de organizações internacionais como de governos de outros países, que abrem a possibilidade de se fazer acordos de cooperação técnica e de captação de recursos para implementação de programas sociais da mais alta importância. Há um amplo espectro de entidades internacionais financiadoras de projetos vinculados à melhoria da qualidade da gestão pública, que precisa ser buscado por governos que vão ter cada vez maiores problemas para administrar com recursos próprios. Ela é importante também em função da socialização de experiências positivas para nossos municípios.
Alipio Freire é membro do conselho de redação de T&D
Rose Spina é subeditora de T&D
Vicente Trevas é secretário nacional adjunto de Assuntos Institucionais do PT
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira