Administração Pública

Só falta mesmo
senso regional

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/09/2002

Trincada pela evasão industrial e pela reestruturação da cadeia automotiva que resultou em milhares de desempregados, São Bernardo nunca esteve tão disposta a explorar o turismo como alternativa para contrabalancear perdas socioeconômicas intensificadas com a globalização. Prova disso é que a Prefeitura tem em andamento contrato com uma das maiores consultorias em desenvolvimento turístico do País, cuja missão é transformar o Município em pólo planejado de entretenimento e visitação: a paulistana Ruschmann Consulting. A iniciativa embute o saudável reconhecimento da necessidade de desenvolver novas matrizes econômicas, mas explicita ainda mais a crônica fragilidade da articulação regional. A ação exclusiva de São Bernardo poderia ter sido tomada pelo conjunto dos sete municípios do Grande ABC, que muito ensaiaram iniciativas integradas no âmbito da Câmara Regional. 

"O ideal seria trabalhar a região como um todo, pois as cidades têm características comuns. Mas ainda há tempo de incluir os vizinhos no projeto se houver interesse" -- comenta a diretora técnica Doris van de Meene Ruschmann, professora de graduação e pós-graduação em Planejamento do Turismo na Universidade de São Paulo, além de mestre em Marketing Turístico e doutora em Planejamento de Turismo Sustentável também pela USP. 

Doris exemplifica o conceito de regionalidade ao citar o trabalho desenvolvido para Limeira, Interior paulista. A abordagem ganhou conotação regional diante da constatação de que uma das cinco fazendas históricas que compunham a espinha dorsal do projeto daquela região ficava na vizinha Cordeirópolis. "A fazenda foi incluída no roteiro apesar de estar além dos limites de Limeira" -- lembra a consultora, descendente de alemães e holandeses. Além de Limeira, a empresa já prestou serviços para Estados como Bahia, Amazonas, Pará, Tocantins, Roraima e Piauí, bem como para cidades paulistas como Santos, São José dos Campos, Botucatu e Peruíbe. 

São Bernardo contratou a Ruschmann em novembro de 2001, em licitação. O trabalho tem conclusão prevista para 24 meses a partir do início, em fevereiro de 2002, e será cumprido em três etapas: inventário, diagnóstico e proposições. No momento a consultoria finaliza o inventário, que consiste em levantamento de dados sobre a cidade de 717 mil habitantes, principalmente junto à Prefeitura. "Fazemos uma varredura que inclui informações sobre sistema de coleta de lixo e de transporte, quantidade de efetivo policial e disponibilidade de serviços de emergência em hospitais" -- conta Ademar de Souza Assis, consultor responsável pelo projeto de São Bernardo. "Se a idéia é fixar o turista, nada melhor do que observar a cidade sob a ótica do visitante" -- sublinha. 

A primeira etapa do trabalho ainda não foi concluída, mas profissionais da Ruschmann já têm idéia do caminho que São Bernardo deverá seguir para gerar empregos e divisas com turismo sistematizado. Doris van de Meene comenta que não adianta querer convencer povos estrangeiros a cruzar o Atlântico para visitar a cidade, pelo simples fato de que o Brasil oferece inúmeros destinos muito mais interessantes e chamativos para quem planeja viagem de lazer. A solução prática -- sublinha a consultora -- consiste em estimular os visitantes a negócios a ficar mais dois ou três dias na cidade. "Ao esticar a permanência de quem vem a São Bernardo para trabalhar, movimentam-se corridas de táxi, restaurantes, compras nos shoppings, estadias em hotéis e toda uma imensa cadeia direta e indiretamente relacionada ao turismo receptivo. O status de centro industrial é o gancho do turismo de lazer" -- considera a consultora.

De acordo com o São Paulo Convention & Visitors Bureau, que firmou parceria com a Prefeitura da Capital no Plano Municipal de Turismo (Platum), turistas de negócios gastam em média US$ 288 por dia, contra US$ 124,6 do turista comum. Calcula-se que se os turistas corporativos ficassem mais dois dias em São Paulo para aproveitar a diversidade cultural da metrópole, acrescentariam R$ 3,7 bilhões anuais ao segmento, que movimenta R$ 5,5 bilhões com nove milhões de visitantes por ano.

O que visitantes corporativos poderiam admirar em São Bernardo em dois ou três dias adicionais de permanência? "Aproveitar principalmente o tesouro natural formado pela reserva de Mata Atlântica e a Represa Billings" -- responde Doris van de Meene, que ainda cita Parque Estoril, Cidade da Criança, restaurantes da Rota do Frango com Polenta e o bucólico Riacho Grande. 


Diamante bruto -- Doris compara os ativos turísticos de São Bernardo a diamantes que, para brilhar, precisam ser lapidados. A metáfora significa que é preciso agir propositivamente e adicionar infra-estrutura receptiva para potencializar a atratividade de encantos naturais. "É preciso criar trilhas monitoradas por biólogos para que os turistas possam conhecer com segurança a fauna e a flora presentes na Mata Atlântica" -- exemplifica a consultora, que se encantou com a variedade de espécies animais e vegetais encontrada em levantamento sobre a reserva florestal. "Existem até animais em extinção" -- destaca o consultor Ademar de Souza Assis.

O conceito de indução ao turismo é compartilhado pelo secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo, José Humberto Macedo. "No passado, a indústria veio espontaneamente. Já o turismo demanda estímulos do governo municipal" -- observa o executivo público.  Ele ressalta que a Cidade da Criança e o Parque Estoril passam por melhorias para atrair fluxo de visitantes condizente com o passado glorioso da primeira e com os encantos naturais do segundo. De acordo com cálculos buscados por Humberto Macedo, a Cidade da Criança recebia 12 mil visitantes por final de semana nos anos 70, contra mil atualmente.       

Além de aproveitar o fluxo de quem vem a negócios -- que a bem da verdade já foi muito maior no passado de crescimento industrial, -- Doris van de Meene pretende tirar proveito da posição geográfica. Ela confia no fato de São Bernardo ser cortada pela Via Anchieta e pela Rodovia dos Imigrantes, que ligam a Capital ao Litoral e cujos acessos viários estão sendo melhorados, como chamariz de turistas em potencial. "Imagine se uma pequena parcela dos milhares de automóveis que circulam pelas rodovias diariamente visitar São Bernardo?" -- idealiza a consultora, que bolou slogan para ser estampado em outdoors nas margens das rodovias: "Você não precisa ir até a Amazônia para conhecer os encantos da Mata Atlântica". 

O consultor Ademar de Souza Assis acredita que São Bernardo reúna condições de se consolidar como espaço de lazer e entretenimento para toda a Região Metropolitana. "A cidade dispõe em abundância do que o homem moderno mais necessita, que é o contato com a natureza" -- observa. Ainda não se sabe como enfrentar o desafio da população de 170 mil favelados, a maioria nas áreas de mananciais potencialmente turísticas.

Os planos da Ruschmann são ousados, mas a implementação dependerá sobretudo da capacidade de pôr em prática idéias concebidas por técnicos que não integram a estrutura do poder público. Ademar de Souza e Doris dizem que funcionários da Prefeitura têm demonstrado boa vontade em reuniões e no repasse de informações para o inventário, mas a prova de fogo para o relacionamento entre a consultoria e a administração municipal se dará na fase das proposições. Será quando a empresa contratada apontará pontos a serem aperfeiçoados em áreas tão diversas quanto acesso viário e recursos humanos. É no momento de superar dificuldades concretas para colocar em prática o levantamento de 24 meses que se conhecerá a consistência prática do projeto. 

Doris van de Meene observa outra vantagem de São Bernardo além de multinacionais que trazem visitantes a negócios, de riquezas naturais a serem lapidadas e da localização à margem de rodovias. "A estrutura hoteleira já está pronta" -- comenta, referindo-se a empreendimentos tradicionais como Park Plaza e Pampas Palace, criados durante o boom da indústria automotiva.


Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André