Administração Pública

Mais imposto,
mais negócio

VERA GUAZZELLI - 11/10/2002

Uma das principais referências de que o aumento da carga tributária nem sempre surge para penalizar cidadãos ou remendar rombos de cofres públicos vem de festejado país de Primeiro Mundo. A cidade de Vancouver, no Canadá, encontrou uma fórmula para injetar recursos oficiais nas parcerias entre Poder Público e iniciativa privada com a criação de imposto adicional revertido exclusivamente ao desenvolvimento econômico. Ao institucionalizar as Bias (sigla em inglês para Associação de Melhoria dos Negócios), Vancouver conseguiu revitalizar as áreas comerciais para manter pequenos e médios empreendedores locais inseridos na dinâmica de crescimento da cidade.  

As Bias são a tradução de que nenhum governo pode conjugar governabilidade e individualismo, seja num País rico ou pobre. Também representam a visão cautelosa de quem reconhece que a degradação urbana é o primeiro passo para expulsar a atividade produtiva. "A chave do desenvolvimento econômico é criar uma cidade com qualidade de vida e onde se possa andar a pé. Quanto mais os moradores puderem comprar e trabalhar próximo de suas casas, mais seguras, sustentáveis e fortes as cidades se tornam" -- defende Nathan Edelson, diretor de Planejamento Urbano de Vancouver. 

Nathan Edelson falou sobre as experiências canadenses para uma platéia de profissionais da Prefeitura de Santo André envolvidos com projetos de reurbanização e desenvolvimento econômico. O encontro no auditório da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ajudou a acender a luz de alerta no que diz respeito principalmente às ações públicas para revitalizar o comércio da área central. Obviamente há poucas semelhanças entre Vancouver e Santo André, mas os pontos em comuns sugerem mais que meras coincidências. Encravada numa região de dois milhões de habitantes, Vancouver e seus 600 mil moradores já começavam a sentir os efeitos danosos da concentração urbana das metrópoles.

As Bias são espécie de organizações não-governamentais formadas basicamente por comerciantes. A entidade recebe autorização da Câmara Municipal para cobrar imposto adicional dos participantes, cujos valores serão revertidos em obras e melhorias para a área. O primeiro passo para formação da ONG é delimitar o perímetro geográfico a ser beneficiado e obter, concomitantemente, apoio de dois terços dos proprietários dos imóveis e de dois terços dos inquilinos. O cuidado é relevante para evitar especulação imobiliária, já que a potencial melhoria dos negócios provoca valorização dos imóveis e dos pontos comerciais. 

A primeira Bia canadense surgiu em 1989 para recuperar o centro principal de Vancouver, onde vários pontos do comércio já estavam servindo ao tráfico de drogas. De lá para cá outras 15 experiências de reurbanização pipocaram no entorno de Vancouver, transformando a região em espécie de cidade policêntrica. O conceito urbanístico amplamente defendido pelo prefeito morto Celso Daniel dá conta de que as cidades-regiões não devem ter apenas um centro comercial forte, mas vários núcleos espalhados pelos bairros para fortalecer pequenos comerciantes e incentivar a proximidade da comunidade com o local onde vive.  

A Bia central de Vancouver tem orçamento anual estimado em US$ 1,8 milhão (um dólar canadense vale R$ 2) e as associações de menor porte manejam recursos entre US$ 75 mil e US$ 400 mil. Os valores representam menos de 1% de acréscimo ao IPTU pago pelos 4.459 empreendedores envolvidos nas associações. Em números absolutos, fazer parte das Bias custa entre US$ 0,50 e US$ 2 ao dia. Nathan Edelson garante que os comerciantes não se importam de pagar a mais porque têm certeza de que o dinheiro vai transformar-se em negócios. 

O modelo de gerenciamento das Bias garante flexibilidade para os participantes decidirem o que querem fazer -- obras, campanhas publicitárias ou sinalização visual, por exemplo -- e quanto vão pagar a mais de tributos municipais para atingir o objetivo. Como o Poder Público atua como o efetivo agente arrecadador da verba, o controle dos pagamentos e o repasse do dinheiro têm as mesmas garantias legais de fiscalização das contas públicas. Essa interface também abre as portas para eventual flexibilização das leis, já que o debate sempre dá ênfase à agilidade e aos mecanismos que garantem a viabilização do projeto. "Se as idéias são melhores que as leis vigentes, muda-se a lei" -- garante o diretor de Planejamento Urbano, Nathan Edelson. 


Mix City -- As Bias também fortalecem a inclusão social dentro do conceito de mix city, terminologia que os canadenses utilizam para designar a mistura de pequenos e grandes, ricos e pobres, comércios e residências numa área de vizinhança ordenada. As Associações de Melhorias dos Negócios costumam contratar jovens da comunidade para atuar como embaixadores de rua e fornecer apoio logístico a turistas e consumidores comuns. O modelo ainda não é perfeito para eliminar os conflitos sociais próprios das grandes cidades, mas ajuda a afastar a população de baixa renda da criminalidade. As associações costumam patrocinar também programas culturais e sociais, inclusive de tratamento para dependentes químicos.

As Bias têm ainda relação direta com a proteção dos pequenos e médios negócios. Mesmo que não tenham o poder legal de administrar o mix de lojas do perímetro sob sua jurisdição, reúnem força suficiente para barrar investimentos que possam trazer prejuízos à coletividade.  Nathan Edelson conta que recentemente o Wal Mart cogitou instalar uma unidade em Vancouver e os associados entenderam que a presença da rede varejista provocaria quebradeira entre pequenos. Apesar do poderio econômico da cadeia norte-americana, o assunto está em discussão há mais de um ano.

"Grandes redes varejistas podem até ser aceitas na cidade, mas precisam integrar-se às normas da boa vizinhança e às leis urbanísticas locais. Em Vancouver, por exemplo, não é desejável ter grandes áreas de estacionamento no mesmo nível das ruas. Os carros devem ocupar garagens subterrâneas e deixar os melhores terrenos para restaurantes, bibliotecas, lojas de conveniência e outros empreendimentos locais" -- expõe o executivo público. Diferentemente do que acontece no Grande ABC, o Poder Público de Vancouver pensa duas vezes para receber o grande varejo de braços abertos sem antes medir as consequências sobre empreendedores da cidade. 


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