Nem só mestrados, idiomas diversos, PhD e longa experiência valem ouro nesta era do conhecimento e de disputa acirrada pelos melhores cargos profissionais. Um novo elemento faz cada vez mais a diferença no desenvolvimento de talentos: o Poder Público. Isso mesmo. Os prefeitos podem ser aquele famoso QI (Quem Indicou) carimbado em currículos, pois compete só a eles a tarefa de transformar as cidades em ambientes propícios para florescer bons negócios e -- consequentemente -- gerar grandes oportunidades de trabalho para quem tem o verdadeiro QI (Quociente Intelectual).
É o que acaba de apurar a Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, em cujo ranking, entretanto, o Grande ABC entrou praticamente pela porta dos fundos. No mapa das 100 Melhores Cidades Para Se Fazer Carreira no Brasil, encomendado pela revista Você s.a. e que acabou agregando outros nove municípios pela importância contextual, a região ficou na rabeira no item Ativador de Carreira: Diadema ocupa o 103º lugar, São Bernardo o 106º, São Caetano o 108º e Mauá o 87º. Do Rio de Janeiro o coordenador da pesquisa e professor da FGV, Moisés Balassiano, pôs o dedo na ferida: "O Poder Público precisa resolver o desafio de definir quais atividades poderiam ser desenvolvidas no Grande ABC que levassem em conta o potencial do estoque de mão-de-obra local. O que não pode é ficar dependente de um único setor produtivo, como vem se perpetuando". A região foi salva no ranking geral por quesitos como educação, saúde e geração de impostos (veja quadro na página a seguir).
Quais atividades do Grande ABC o senhor destacaria como atrativas para se desenvolver carreiras?
Moisés Balassiano -- A pesquisa não se ateve a atividades específicas, mas a fatores estruturais que pudessem revelar a capacidade dos municípios em propiciar condições favoráveis ao desenvolvimento profissional das pessoas. Na nossa investigação, carreira foi considerada no sentido amplo da sua acepção. Dependendo do desempenho dos municípios em cada grupo de indicadores, ou dimensões, maior ou menor a propensão desses municípios em propiciar tais condições. No caso de cidades do Grande ABC incluídas na pesquisa -- Santo André, São Bernardo e São Caetano --, observamos desempenho diferenciado entre si. Por exemplo: enquanto Santo André destacou-se nos aspectos que denominamos de Ativador, São Bernardo teve melhor desempenho nos indicadores relativos à Educação e São Caetano em Arrecadação e Saúde.
Pelo menos 70% do PIB do Grande ABC está vinculado à indústria automobilística que, como se sabe, descentraliza plantas para Rio de Janeiro, Minas, Paraná e Bahia. Hoje sai do ABC menos da metade da produção nacional de veículos. Que novas fronteiras profissionais se abrem na região, tão dependente de uma única matriz econômica que cada vez mais enxuga custos em nome da competitividade?
Moisés Balassiano -- A questão, no meu entender, está exatamente na unicidade da matriz econômica estabelecida. Se num momento essa matriz foi importante para firmar no Grande ABC toda a infra-estrutura industrial hoje existente, por outro -- vítima de erros do passado como a reserva do mercado de tecnologia dos anos 80 por exemplo -- limitou a transição para um modelo mais versátil que pudesse tirar mais proveito da economia de aglomeração instalada na região. Tome o Vale do Silício como exemplo. A existência de um complexo universitário voltado para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de ponta criou as condições fundamentais para o estabelecimento do maior conglomerado de empresas de tecnologia do planeta. Não vejo qualquer motivo que pudesse impedir hoje o ABC de desenvolver modelo semelhante. O que não pode é ficar dependente de um único setor produtivo como vem se perpetuando.
Ao contrário da Capital de São Paulo, o Grande ABC não substituiu a perda de indústrias com serviços sofisticados como os do setor financeiro, tecnologia da informação, gastronomia, hotelaria e vida cultural intensa, como citado na pesquisa. O terciário que inundou o Grande ABC diz respeito a grandes redes varejistas e serviços de baixo valor agregado com salários reduzidos -- nada que lembre Pesquisa & Desenvolvimento e a alta tecnologia que fizeram Campinas e Porto Alegre efervescer. Que oportunidades de trabalho há nessa transição de pólo industrial para pólo de serviços do perfil que se tem instalado na região?
Moisés Balassiano -- A questão que se coloca é um pouco diferente: qual é a verdadeira vocação da região? Em outras palavras, quais seriam as atividades que poderiam vir a ser desenvolvidas no Grande ABC que levassem em conta o potencial do estoque de mão-de-obra existente aliado aos recursos disponíveis? Esse é um desafio para o Poder Público resolver, a fim de fazer a transição no novo mundo de negócios em que vivemos. Poderes locais que se anteciparam estão encontrando menos resistências às mudanças hoje. Veja os casos de Imperatriz, no Maranhão, e Palmas no Tocantins. São exemplos de administrações empreendedoras voltadas para o dinamismo das respectivas regiões.
Mesmo ainda tendo a base industrial como principal motor econômico, o Grande ABC não ferve como antes nem expande ao ritmo das localidades emergentes. Onde fazer carreira num pólo consolidado (ou seja, que não cresce mais) quando se sabe que o Grupo Catho -- especializado na caça de altos executivos -- fechou o escritório no ABC por falta de mercado?
Moisés Balassiano -- Isso confirma o que disse anteriormente. O perigo dessa transição é deixar de ser o que era e não se tornar o que poderia ou deveria ser. Enquanto não identificar sua real vocação, a região vai ficar com problema de falta de identidade. Se sou uma pessoa em busca de oportunidade de trabalho, dificilmente me estabeleceria num lugar que não tivesse perfil bem definido de atividade, seja qual for. O pólo estar paralisado hoje não significa necessariamente sem destino. Mostre um norte e empresários se estabelecem, cérebros migram e você redireciona as atividades. Do ponto de vista da nossa pesquisa, levantamos as potencialidades das cidades. Isso não quer dizer que a existência dessas potencialidades garanta o surgimento de oportunidades de carreiras profissionais. Apenas existem condições estruturais nos municípios para tal. Tivemos casos de municípios que experimentam hoje crises sem precedentes e mesmo assim ficaram em boa posição no ranking final. O que quero dizer é que não há uma relação de causalidade entre a posição no ranking e uma trajetória de sucesso profissional no Município. Apenas existem as condições para tal.
As multinacionais ainda presentes no Grande ABC têm aberto postos no staff para brasileiros ou a globalização privilegia na carreira corporativa executivos estrangeiros?
Moisés Balassiano -- Não saberia responder. No setor de serviços temos visto, principalmente nas empresas transnacionais que entraram nos mercados de telefonia e energia, que grande parte do staff em nível gerencial é oriundo do Exterior.
As sete cidades do Grande ABC são tratadas conceitualmente como uma só região. Quais itens de desempate foram levados em conta para São Caetano (onde sobrou apenas a General Motors como grande âncora industrial) estar em 26º lugar, à frente das industrializadas São Bernardo e Diadema, em 34º e 77 º no ranking, respectivamente?
Moisés Balassiano -- São Caetano foi um caso interessante e surpreendente. Em primeiro lugar deixe-me esclarecer os critérios de inclusão de municípios na pesquisa. Foram considerados municípios que tivessem, em 2000, mais de 170 mil habitantes e depósitos à vista nos bancos superior a R$ 210 mil. Cada um desses valores corresponde ao 95º. percentual das respectivas distribuições. Ou seja, apenas 5% dos municípios possuíam em 2002 população com mais do que 170 mil moradores e da mesma forma para os depósitos bancários. Combinando os dois quesitos, ficamos com 103 municípios. Uma análise posterior incluiu seis municípios que, embora não satisfizessem o critério estabelecido, se revelavam potencialmente promissores. Um foi São Caetano. O diferencial de São Caetano em relação a seus vizinhos foi o posicionamento relativo em Arrecadação e Serviços de Saúde. Embora esses fatores fossem de menor peso, no todo acabaram influenciando o posicionamento final de São Caetano no ranking.
Na verdade, no item Ativador de Carreira o Grande ABC não está tão confortável. Entre as 109 cidades elencadas, São Caetano aparece em 108 como Ativadora de Carreira, São Bernardo em 106, Diadema em 103 e Mauá, em 87. Que leitura o senhor faz desse quesito específico?
Moisés Balassiano -- Ativador de Carreira não foi a dimensão de maior peso. Na verdade Educação, expressa por indicadores como número de cursos de graduação, mestrado e doutorado, matriculados e concluintes em cursos de graduação, teve peso 5. O fator Ativador teve peso 4 e teve como indicadores: depósitos à vista por agência, aplicações por agência, pessoal ocupado com carteira assinada e pessoal total ocupado. O fator Dinamismo recebeu peso 3 e foi composto dos seguintes indicadores: de infra-estrutura, de força de trabalho, financeiro e oferta de empregos. Saúde, com peso 2, foi expresso pelo número de leitos e de unidades hospitalares para cada mil habitantes. Finalmente Arrecadação, com peso 1, contemplou os principais impostos municipais, estaduais e federais arrecadados nos municípios. Realmente, os municípios do Grande ABC não tiveram bom desempenho no fator Ativador. No entanto, infelizmente, considerando o que discutimos acima, não me parece surpreendente. Os indicadores financeiros, quando relativizados pela população residente, mostraram-se anêmicos face ao desaquecimento da atividade industrial experimentado pela região nos últimos anos. Os indicadores mais relacionados ao mercado de trabalho seguem, obviamente, o mesmo caminho. Teríamos que averiguar se as movimentações financeiras seguem algum padrão diferenciado. Por exemplo: empresas de um Município depositando/investindo em outro. Relações de causalidade são, geralmente, perigosas e traiçoeiras.
O que houve com Santo André, que não aparece em um ranking no qual figuram Mossoró e Jaboatão dos Guararapes, no Nordeste, e que exibe melhor infra-estrutura e indicadores sociais que Mauá e Diadema no Grande ABC? Várias lideranças da região estranharam a ausência.
Moisés Balassiano -- De que indicador social você está falando? Devemos tomar certo cuidado ao analisar um índice. É importante que se conheça os indicadores que foram considerados para que possamos avaliar confiabilidade e validade. Quer um exemplo? Todos consideram o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) um indicador importante, certo? Eu também. O que pouca gente sabe, no entanto, é a metodologia que se adota para seu cálculo. Nesse caso específico são considerados apenas quatro indicadores distribuídos em três dimensões: esperança de vida, conhecimento (taxas de alfabetização de adultos e de matrículas em cursos Fundamental e Médio) e padrão de vida (PIB). Na minha opinião, esse índice carece de um pouco mais de abrangência conceptual.
Mas para responder à pergunta, não dá para comparar Santo André com Mossoró ou Jaboatão. O método estatístico utilizado, baseado em modelos relacionais, não permite comparações isoladas. A classificação de um Município no ranking geral deve-se ao seu desempenho global e não a indicadores específicos. Obviamente os resultados surgem em cadeia, isto é, a melhoria na performance em um determinado indicador pode até melhorar a classificação no ranking da respectiva dimensão, mas é desejável que haja consistência no desempenho global.
Entre as 10 campeãs do ranking, nove são Capitais -- esmagadas pela violência, trânsito caótico e baixa qualidade de vida. O senhor acredita que vale a pena sacrificar o bem-viver em busca do topo da carreira? Cidades menores, embora com menos oportunidades, não são contraponto interessante mesmo para profissionais mais ambiciosos?
Moisés Balassiano -- Cada cabeça uma sentença, já diz o dito popular. Vai depender do projeto de vida de cada um. No momento em que o próprio conceito de emprego vem mudando, o de carreira segue o mesmo caminho. Você precisa, antes de qualquer coisa, se preparar para enfrentar os desafios da vida. Para isso, você tem que se viabilizar financeiramente. Então sai em busca do Eldorado, o local das oportunidades. O início da vida profissional é marcado pelo reduzido grau de liberdade de escolha. O que importa é começar a trabalhar, não interessando muito onde. Estou falando no atacado, de modo geral. A vida vai mostrando os caminhos, que nós nos referimos como trajetória. Pessoas mais ambiciosas precisam de avenidas; as audaciosas andam off road, isto é, fazem seus próprios caminhos. Ao contrário dos grandes países industrializados, as cidades brasileiras de porte médio e menores são limitadas e, via de regra, servem como cidades-dormitórios. Salvo algumas exceções, as grandes oportunidades estão nos grandes centros. O que vem se delineando na busca de uma trajetória de sucesso é semelhante ao que ocorre no mercado financeiro: grandes riscos são associados à probabilidade de ganhos maiores. Só muda no que se refere aos riscos.
Temos no Grande ABC um conceito bem-humorado de Complexo de Gata Borralheira -- uma referência à mania de valorizar e buscar tudo o que tem a vizinha Capital paulista, considerada a Cinderela do pedaço. É comum esse sentimento nas demais regiões metropolitanas e como isso interfere na oferta de boas oportunidades de trabalho?
Moisés Balassiano -- Esse conceito bem-humorado é verdadeiro. Infelizmente, temos um comportamento um tanto quanto provinciano que costuma valorizar o que vem de fora em detrimento do que é nosso. Não apenas em termos materiais, como também no campo comportamental. Em todas as escalas. Não acredito, no entanto, que o Complexo de Gata Borralheira tenha relação muito forte com a oferta de oportunidades de trabalho. Oportunidades de trabalho serão tanto maiores quanto maiores forem as condições estruturais, maior for a capacidade inovadora e empreendedora do Poder Público e onde houver um mercado consumidor que viabilize as atividades desenvolvidas do local. Essas características, sim, são altamente interdependentes e alavancam as oportunidades de trabalho e de carreira.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira