Se a aposta é na transformação social e nas pazes com o desenvolvimento econômico, os brasileiros elegeram certo um representante do Partido dos Trabalhadores para o Palácio do Planalto. É o PT quem mais desenvolve nos municípios e Estados onde governa experiências administrativas apoiadas na cidadania, no combate à exclusão social, nos direitos civis e direitos econômicos, além de estimular o cidadão a ser dono da coisa pública.
"Ao ter desenvolvido aprendizado de administração pública a partir de governos subnacionais, o PT aprendeu a valorizar distintos aspectos da cidadania com mais força que os demais partidos políticos" -- acredita o economista Antonio Carlos Granado, secretário de Planejamento de Santo André no mandato 89/92 de Celso Daniel. Hoje consultor em Planejamento Estratégico de Gestão tanto na iniciativa privada quanto na esfera governamental, Granado se diz convicto de que particularmente os municípios petistas terão muitas lições a dar ao novo presidente da República, Lula da Silva.
Raro executivo público do Grande ABC que, há 10 anos, já enxergava as mazelas da desindustrialização regional e a cara feia da globalização, Antonio Carlos Granado chama de irresponsáveis administrações anteriores que deixaram anêmicas as finanças públicas por conta da queda da arrecadação. Aponta que, para evitar desgaste eleitoral com aumento de impostos locais, muitos políticos deixaram de corrigir a Planta de Valores e o IPTU porque acomodaram-se nos tempos de vacas gordas de repasses do ICMS.
O senhor deixou como herança de secretário de Planejamento de Santo André, na primeira gestão do prefeito Celso Daniel, espécie de diagnóstico que aborda sem retoques a fragilidade das finanças da cidade num contexto, até então visto por poucos, de desindustrialização. Como observa, 10 anos depois, o fato de Santo André continuar sofrendo as consequências do rebaixamento econômico e a questão da evasão industrial, finalmente, não contemplar qualquer tipo de mistificação?
Granado -- O processo de desindustrialização não significa, como já não significava, que a indústria deixe de jogar papel central na economia do ABC, como também acontece com toda a Grande São Paulo. Porém, significa que o peso relativo e absoluto da indústria vem caindo muito e isso é totalmente perceptível, seja pela perda de participação no ICMS gerado no Estado de São Paulo, seja pelos índices de desemprego superiores à média da Região Metropolitana.
Já era clara, àquela época, a perda de vários fatores de atratividade que tinham dado a tônica dos processos históricos de sedimentação da indústria no ABC, seja no começo do século XX, seja no final da década dos 50 e nas duas décadas subsequentes. Esses fatores anteriores tinham sido fundamentalmente ligados no começo do século à ferrovia e, nos anos 50, à Via Anchieta, mas nos dois casos, pela importância relativa e a acessibilidade ao Porto de Santos.
Outras regiões foram formando atratividade mais importante que o ABC e não se colocaram aqui novos elementos em substituição àqueles. A fragilidade das finanças de Santo André se deve ao fato de que esse processo foi mais cruel aqui do que na maior parte das demais cidades do ABC dado os tipos de indústrias que predominavam e que muito ferozmente foram atraídas a outros espaços com maior apelo.
Quando do primeiro mandato do prefeito Celso Daniel, já se vinha sentindo de maneira crescente esse processo de perda econômica da cidade que também derivava para a perda de arrecadação. Até ali, as receitas próprias não tinham tido necessidade de elevar-se pois o peso do ICMS era muito forte. O ICMS se desgastou com o tempo, caindo para um terço do que era, em apenas 15 anos. Trabalhamos com o fortalecimento das finanças próprias revendo o IPTU e os demais tributos municipais, tornando-os a ter importância muito maior. Isso foi feito para evitar esvaziamento excessivo das receitas públicas. Mesmo assim, a queda foi inevitável.
O IPTU de Santo André só é superior, em valores absolutos per capita, à pequenina Rio Grande da Serra. Perde até para Diadema. Considerando-se que o senhor já advertia a Administração Pública sobre a situação há 10 anos, como justificar esse quadro?
Granado -- Durante a gestão municipal de 1989 a 1992, revimos a Planta de Valores, as alíquotas e as regras do IPTU. Fizemos com que o peso relativo saltasse de menos de 1% da receita total para mais de 10%. Houve movimentos contrários à elevação e ocorreu a necessidade de alguns ajustes, mas o salto do IPTU foi bastante grande.
Esse movimento ocorreu não apenas em Santo André, mas em muitos municípios brasileiros. Aqui, talvez, o salto tenha sido maior porque era brutal a defasagem a que a planta de valores tinha sido levada. Os diferentes governos municipais que antecederam Celso Daniel tinham vivido tempos de vacas gordas. O ICMS havia tido crescimentos importantes nos anos 60 e 70. A não correção da Planta de Valores ocorria por razões estritamente eleitoreiras, evitando-se desgastes decorrentes de revisão.
Hoje de novo ocorre defasagem na Planta de Valores e a Prefeitura vem desenvolvendo esforços no sentido de revisão, mas as resistências estão ocorrendo e são naturais. Com a contínua queda do Índice de Participação no ICMS para Santo André, as receitas totais vêm caindo fortemente, o que dificulta a capacidade de investimentos da administração pública municipal.
Embora seja o mais baixo da região, exceto Rio Grande da Serra, o IPTU de Santo André reúne um componente desagregador do ponto de vista social, porque penaliza parte da classe média em benefício de grande parcela da periferia. O senhor não entende que o paternalismo com imposto municipal retira do contribuinte o senso de responsabilidade e valorização dos serviços prestados e também que a filosofia de tratar os desiguais de forma desigual não significa, necessariamente, abrir mão de receitas?
Granado -- Não conheço em detalhes o perfil do IPTU de Santo André. Estou fora da Administração Pública local. Mas defendo e sempre defendi que o sistema tributário como um todo seja mecanismo importante de distribuição de renda, o que precisa significar tributos que tenham progressividade em relação à renda familiar. Essa progressividade é fácil de ser percebida em tributos diretos sobre a renda, como o próprio Imposto de Renda, mas pode e deve ser buscada nos demais tributos.
Tributos indiretos como os que incidem sobre a produção ou a circulação de mercadorias, quando têm alíquotas de incidência alta sobre produtos da cesta básica ou de consumo popular, são socialmente muito injustos.
Não considero as alíquotas diferenciadas, portanto, em princípio, paternalismo. É necessário buscar o ponto de equilíbrio mais próximo possível do ótimo para a progressividade dos impostos. Não se trata de levar a classe média na direção da população miserável, mas buscar o contrário, de elevar o nível de renda das camadas mais pobres.
O problema central dos tributos no Brasil, quando se trata de distribuição de renda, é que o governo federal, sistematicamente, tem buscado elevar receitas a partir de tributos de mais difícil sonegação. Com isso, onera os tributos incidentes sobre salários e movimentações bancárias. Nesse movimento, os setores mais penalizados são exatamente os das classes médias.
Um especialista canadense que passou por Santo André ainda outro dia defende a aplicação de recursos vindos de um IPTU suplementar para investimentos localizados, especialmente visando a recuperação de núcleos comerciais, numa parceria que envolva Poder Público, empreendedores e comunidade. É uma saída para revitalizar o comércio de pequeno porte tão fortemente atingido pelos grandes conglomerados que chegaram ao Grande ABC?
Granado -- A iniciativa é bastante interessante, apesar de o Canadá ter estrutura e legislação tributárias distintas da que encontramos no Brasil, além de os hábitos comerciais e as relações estabelecidas serem bastante diferentes dos nossos. Aqui, os padrões de consumo que se vêm instituindo há algum tempo são muito fortemente marcados por estruturas comerciais de grande porte, seja com os shopping centers, seja com as grandes redes de supermercados e as novidades das compras eletrônicas ou redes de lojas de departamentos. O pequeno comércio vem definhando nos grandes centros não só nas regiões centrais das cidades ou dos bairros mais fortes, mas mesmo nas periferias.
Não vejo como evitar o aumento do peso dos grandes conglomerados, mantidos os hábitos e a indução que cada vez mais se lhes têm dado. O comércio local tem enorme peso em muitos países e é induzido não por mecanismos institucionais de proibição aos grandes conglomerados, mas por mecanismos de valorização da pequena e média empresa. Essa valorização deve se dar pelo menos em duas direções: a primeira, apoiando a criação e fortalecimento de competitividade para o pequeno empreendimento, através de criação de escala e sistemas gerenciais; a segunda, disseminando cultura de valorização de compras nas unidades de vizinhança, o que necessita de mecanismos de ação cultural e de marketing específicos.
De qualquer forma, iniciativas como a dos canadenses devem ser buscadas em processo de reforma tributária que fortaleça o poder de iniciativa local nesse tipo de matéria. Há que se tomar cuidado sempre, porém, em não abrir espaço para processos de guerra fiscal entre municípios que possam produzir efeitos perversos demais e contrários aos pretendidos originalmente.
Que avaliação o senhor faz do comportamento dos administradores públicos da região durante a década de 90 -- e que perdura -- de aceitar passivamente a chegada de grandes conglomerados comerciais, especialmente da área de supermercados?
Granado -- Não é possível proibir a vinda desses grandes conglomerados, nem é o caso. Trata-se, isso sim, como disse antes, de se criar instrumentos de aumento da competitividade e atração para o pequeno e médio comércios de influência local. Isso pode ser feito de várias formas, mas nenhuma de maturação muito rápida.
Podemos pensar em mecanismos de compra coletiva para os pequenos e médios empreendedores que lhes permitam escala para negociação com os fornecedores, como conseguem os grandes conglomerados. Podemos pensar em mecanismos de capacitação gerencial e de mão-de-obra especializada. Também podemos pensar em ações de marketing e de valorização das compras locais. Podemos gerar alterações urbanísticas nos centros comerciais que lhes dêem maior atratividade. Enfim, caminhar um pouco na contramão do processo de enfraquecimento do comércio de influência local.
Há muitas condições de desenvolvimento de ações não só por parte do Poder Público, mas principalmente de instituições privadas. Trata-se sempre, porém, de abandonar gradativamente o jogo tradicional de iniciativas totalmente individuais e isoladas dos empreendedores para processos muito mais coletivos de mútuo fortalecimento. O jogo conjunto dos pequenos e médios empreendedores só tende a valorizar sua atuação. Veja os exemplos onde essa ação conjunta cria competitividade ao invés de tirá-la, como é o caso de atividades em clusters, onde os esforços conjuntos de capacitação, comercialização e compras têm permitido aos empreendedores individuais acesso a fatores impossíveis de serem buscados isoladamente.
O peso dos tributos municipais no bolo tributário nacional é baixíssimo, como se sabe. O volume arrecadado pelos municípios com IPTU, por exemplo, representa apenas 0,5% da carga tributária brasileira. O que o senhor sugere aos prefeitos como metodologia para sensibilizar os contribuintes sobre a importância de entenderem esse mecanismo perverso que coloca a administração pública municipal na alça de mira das críticas?
Granado -- A administração pública local tem a vocação de ser mais facilmente criticada do que as administrações estadual e nacional. É o ônus de estar mais perto do cidadão. Não por acaso, cada vez mais se firma a idéia de que a ação pública local é a que mais fortemente pode garantir, no cotidiano, o fortalecimento da cidadania. Apesar disso, a crítica será muito menor se os gastos públicos ganharem transparência crescente e o cidadão conseguir enxergar o uso do dinheiro que a administração pública lhe retira na forma de tributos.
Porém, a receita de um Município não deriva apenas dos tributos municipais. Deriva também das transferências. A média nacional do IPTU nas receitas municipais deve gravitar em torno de 5%, o que é pouco. Aumentar isso pode e deve ser buscado pelas municipalidades, mas depende demais não só das administrações locais como também do perfil dos municípios. Municípios de forte componente rural não terão IPTU expressivo nunca. O mesmo ocorre com municípios de alta densidade de população de baixíssima renda. Ademais, há que se rever essa distribuição tributária entre as esferas de governo no bojo de uma reforma tributária mais profunda, o que não parece ser o caso do que vem sendo discutido hoje no governo nacional.
Especificamente para imóveis industriais desocupados em todo o Grande ABC, quer em forma de galpões ou em forma de terrenos, o senhor teria alguma sugestão que pudesse torná-los mais competitivos em termos de negócios? Há consenso entre empresários no sentido de que o valor do IPTU desestimula a vinda de empresas. E o preço da transferência, o ITBI, também está superestimado em relação ao mercado imobiliário. O que fazer?
Granado -- Não acredito que o problema seja especificamente tributário para esses casos. Lógico que esse componente também existe, mas creio que, de novo, se deva ter uma política de revigoramento econômico da região, que contemple de maneira abrangente, ao mesmo tempo, a preservação e valorização da atividade industrial e o fortalecimento de novas funções terciárias.
O eixo do Rio Tamanduateí, por exemplo, é uma das principais reservas na Grande São Paulo de grandes áreas urbanas, quase sempre no formato de galpões industriais abandonados. O que se tem visto, na maioria das vezes, é o estabelecimento de grandes supermercados ou shoppings em alguns, mas não se pode pensar que seja economicamente viável que esses estabelecimentos se localizem indefinidamente uns ao lado dos outros, pois isso seria autofágico. Pode-se pensar novas vocações terciárias e buscar a criação de elementos de atratividade para isso. Penso, por exemplo, em atividades de lazer, ao lado de comércios especializados, bem como centros de atividades de negócios etc. Isso até já foi abordado pela Prefeitura, no Santo André -- Cidade Futuro.
Que diferenças no tratamento do IPTU o senhor estabelece entre as três gestões do PT em Santo André e os antecessores, de espectro político-administrativo mais conservador?
Granado -- Sem nenhuma dúvida, as administrações petistas de Santo André valorizaram as finanças públicas próprias, mesmo correndo o risco, como correram, de algum desgaste público. De meu ponto de vista, a dilapidação progressiva das receitas próprias foi uma atitude administrativa politicamente irresponsável.
A evasão industrial de Santo André e do Grande ABC como um todo, a exemplo da Capital, é irreversível? Que tipo de atividade o senhor considera viável para a recuperação regional?
Granado -- Tive um professor de estatística que definia média da seguinte forma: toma-se um indivíduo, colocam-se seus pés dentro da geladeira e sua cabeça no forno. Para conhecer-se a média, mede-se a temperatura em seu umbigo. Diria que, na média, o processo de perda relativa, e mesmo absoluta, do peso industrial da Grande São Paulo é irreversível, sem no entanto a região deixar de ser fortemente industrial. Isso vale para o ABC e para Santo André em particular.
No entanto, alguns fatores locacionais podem fazer com que essa tendência se acentue ou se amenize. Por exemplo, a modernização da ferrovia e do Porto de Santos pode dar a Santo André situação privilegiadíssima para empreendimentos industriais ou terciários que se valham desses fatores, o que pode valer para os demais municípios lindeiros à ferrovia. Mas creio que o mais provável é que se deva apostar mais fortemente em algumas grandes direções.
Primeiro, na valorização do pequeno e médio empreendimento terciários, criando fatores de competitividade. Segundo, na valorização locacional do eixo do Rio Tamanduateí para empreendimentos terciários de grande porte. Terceiro, lutando para a localização e fortalecimento de atividades de alta tecnologia, de suporte a outras atividades. Quarto, fortalecendo a coesão regional e desenvolvendo marketing regional forte.
O prefeito Celso Daniel falava justamente sobre a importância de Santo André atrair empresas do terciário de valor agregado. É possível que uma região tão próxima da Capital, de atratividade ampla nesse segmento, consiga rivalizar o interesse de investimentos nessa área?
Granado -- Depende demais do tipo de atividade e da escala de que necessite. Várias atividades terciárias de apoio vão quase naturalmente localizar-se em São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, dada a escala que requerem. Mas há várias atividades que podem ser buscadas. Há que se desenvolver estudos vocacionais mais profundos para identificá-las. Vários municípios especializaram-se em alguns nichos e podem ser tomados como exemplos, mas na maior parte dos casos foi por obra do acaso. Cito, por exemplo, a produção de softwares em Campina Grande, na Paraíba, ou a área oftalmológica em Campinas. O ABC, por sua história industrial, formou muitas pessoas em campos importantes que devem ser valorizados como atividades de suporte.
O senhor faz parte do grupo que acha que o governo estadual não poderia fazer nada contra a guerra fiscal no setor industrial, que levou muita riqueza da região, ou entende que há mecanismos que, bem executados, teriam civilizado as relações entre municípios e investidores?
Granado -- O governo estadual tem como um de seus papéis precípuos zelar pelo equilíbrio entre as diferentes regiões de seu território. Sem dúvida, a interiorização do desenvolvimento e a melhoria da infra-estrutura básica no Interior do Estado promoveram a atratividade industrial, inclusive porque as deseconomias provocadas pela hipertrofia do conglomerado urbano da Grande São Paulo passaram a desinteressar os empreendedores industriais de modo forte. Até aí, nada mais natural e bem-vindo do que a desconcentração industrial para o equilíbrio regional dentro do Estado. O mesmo, de certo modo, ocorre em âmbito nacional.
O problema está no fato de que essa desconcentração se deu levando fortemente ao empobrecimento antigas regiões concentradoras, particularmente da Grande São Paulo. E a guerra fiscal entre municípios é absolutamente perversa nesse sentido, porque se esse ou aquele Município tem vantagens de curto prazo, a médio e longo prazos todos perdem. A desconcentração precisa ser fruto de políticas claramente indutoras de melhor distribuição de renda regional. Não pode ser fruto de uma guerra fiscal fratricida entre Estados e entre municípios. No combate a essa guerra fiscal, os governos estadual e federal precisam ter e podem ter papel regulador e devem exercê-lo.
Uma emenda constitucional acabou com a farra do boi do ISS que, livre de amarras legislativas, possibilitou o surgimento de paraísos fiscais como Barueri. Agora que a alíquota mínima de 2% estabelece a possibilidade de maior equilíbrio entre os municípios, como observa o horizonte desse tributo? Teremos o fim das Barueris que proliferaram em torno da Capital, principalmente?
Granado -- Essa alteração foi muito bem-vinda. O ISS tem sido um dos principais instrumentos da guerra fiscal entre municípios. A negociação regional que foi promovida no ABC há alguns anos, tendo como mente principal desse processo o saudoso prefeito Celso Daniel, não conseguiu equiparação total de alíquotas, mas tirou a legitimidade de alguns processos de guerra fiscal interna no ABC que historicamente já se vinham dando. Mesmo assim, se compararmos essas alíquotas com as existentes em outros municípios da Grande São Paulo, vamos perceber que essa guerra fiscal ainda acontece com força bastante grande.
A definição da alíquota mínima de 2% irá, com certeza, amenizar essa distorção. Mas a guerra nem sempre é só fiscal. Vem se dando por aí também até mesmo com a manipulação do ICMS pelos Estados, pelo IPTU ou ISS pelos municípios, mas também vem se dando pela oferta nem sempre legítima de áreas e infra-estrutura às empresas. A Ford na Bahia é forte demonstrativo desse processo perverso.
O que mudou, na prática, entre os gerenciadores públicos das primeiras gestões do PT na virada dos anos 90 e os mesmos ou os novos gerenciadores do PT neste início de novo século? O que significou nesses últimos 15 anos o estilo petista de governar municípios?
Granado -- Muita coisa mudou, muita coisa amadureceu. Mesmo com o PT tendo concorrido, sempre, à Presidência da República e tendo crescido nessa disputa, a experiência administrativa do PT foi sendo consolidada fundamentalmente a partir dos espaços subnacionais, particularmente nos espaços municipais. Estou convicto de que isso criou vantagem comparativa para o PT em relação às outras grandes siglas nacionais.
É nos espaços subnacionais, particularmente nos espaços locais, que o tema da cidadania se coloca de maneira mais forte. A cidadania não pode ser definida apenas pelo exercício do direito de voto. Cidadania não existe sem direito de voto, mas não se garante apenas por isso. Há alguns outros elementos constitutivos básicos da sedimentação da cidadania que precisam ser levados em conta pelo exercício dos governos.
O primeiro diz respeito ao combate à exclusão social, pois não existe cidadania com fome, com doenças, com baixa educação. O segundo diz respeito aos direitos individuais e sociais em toda sua plenitude, desde os direitos trabalhistas até os direitos civis e direitos econômicos. O terceiro diz respeito ao processo de tomada de decisões para a ação pública, com democratização através de processos participativos crescentes. E há um quarto, que diz respeito à identidade entre o cidadão e a cidade, entre o cidadão e o espaço público, entre o cidadão e o serviço público, onde se sente dono da coisa pública, sentindo o caráter público da coisa pública.
Em todos esses distintos aspectos da produção e exercício da cidadania, a ação pública local tem papel constitutivo. O PT, ao ter desenvolvido aprendizado de administração pública a partir dos governos subnacionais, aprendeu a valorizar esses distintos aspectos da cidadania com mais força que os demais partidos políticos.
Veja que as mais importantes políticas públicas com esses intuitos, e que hoje se vêm disseminando por administrações de diferentes matizes partidários, na maior parte dos casos tiveram laboratórios de teste iniciais em administrações petistas. É o caso de processos participativos os mais diversos; é o caso de mecanismos compensatórios e indutores de inclusão social e de combate à miséria; é o caso de muitas das políticas da área de saúde, tanto curativa como preventiva. Nesse sentido, o PT e suas administrações evoluíram e muito nesses pouco mais de 20 anos de exercício público, ganhando força para vôos mais elevados nas outras esferas de governo.
Total de 197 matérias | Página 1
10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira