Caso Celso Daniel

Junqueira afirma:
MP foi policialesco

DANIEL LIMA - 05/12/2002

Do alto da experiência e da paixão de 30 anos pelo Ministério Público, o ex-procurador geral da República Aristides Junqueira não tem dúvidas: o Ministério Público Estadual agiu de forma policialesca ao não conceder amplo direito de defesa aos acusados de supostas irregularidades no Paço Municipal de Santo André. Depois de três derrotas consecutivas do MP paulista, em decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, Aristides Junqueira decidiu falar sobre os casos que bombardearam Santo André logo após o assassinato do prefeito Celso Daniel. 

Apesar da cautela em medir cada palavra como se fosse uma sentença, ele não esconde a satisfação de quem, assim que chegou a Santo André contratado pelo Partido dos Trabalhadores, já se antecipava à então provável decisão do TJ de São Paulo: a força-tarefa de promotores públicos que fez sucesso de bilheteria com denúncias de crimes contra a administração municipal em período simétrico às recentes eleições não seguiu o rito elementar de oferecer defesa aos acusados. "Em toda minha vida no Ministério Público jamais deixei de ouvir os denunciados; isso é Direito Constitucional" -- afirma. 

Não espere ouvir de Aristides Junqueira qualquer insinuação que coloque os promotores públicos na linha de tiro das evidências entre a cronologia eleitoral e as denúncias. Ele é tão zeloso com o Ministério Público que nega qualquer vinculação. Mas deixa escapar uma frase -- "por enquanto" -- que entreabre a porta de que talvez esteja colecionando informações em contrário: "O que estranho" -- disse, referindo-se à interdição do direito de depoimento dos acusados -- "é que o Ministério Público tenha feito investigações sigilosas". 

Nem pense que publicamente Aristides Junqueira avoque para si a virada do jogo que, como num passe de mágica, fez recuar a tempestade de manchetes denunciatórias contra a administração Celso Daniel. Entre coincidência ou consequência pelo estancamento da hemorragia de notícias assim que chegou a Santo André, ele prefere a discrição: "Acho que é mera coincidência". E a virada do jogo? "Nem sei se o jogo virou" -- desconversa o ex-procurador-geral da República chamado para reforçar o Departamento Jurídico da Prefeitura. 

Sempre que se refere à atuação do Ministério Público, diretamente no caso de Santo André ou de forma mais abrangente e não específica, Aristides Junqueira é cortantemente enfático. “É preciso ter prudência, ter isenção, serenidade, tudo isso é muito importante para que se alcancem os resultados. O que mais interessa ao Ministério Público é o resultado". 

Aristides Junqueira faz nova previsão sobre a retomada processual pela força-tarefa do MP Estadual, conforme decisão do Judiciário. "Já há jurisprudência no Supremo Tribunal Federal dizendo que o Ministério Público não pode fazer o papel de investigação. Pelo menos um caso nesse sentido foi julgado pelo STF contra o Ministério Público Federal, isto é, na esfera máxima do Judiciário". O que o ex-procurador geral quer dizer é que, mesmo que eventualmente nova denúncia do MP Estadual seja levada ao Tribunal de Justiça de São Paulo, é possível que, acatada, seja derrotada em Brasília. 

Aristides Junqueira chama a atenção para a atividade que está desempenhando nas denúncias que abalaram o Paço Municipal de Santo André: "Fui contratado para defender o Partido dos Trabalhadores com o objetivo específico de acompanhar as ações cível e criminal e observar se alguma irregularidade ou crime foi cometido, e que, por isso, seja apurado no devido processo legal. Dos acusados cuidam seus respectivos advogados. O PT não quer que haja eventual impunidade, por isso aceitei a missão. Mas é preciso que o Ministério Público tenha prudência. Não se deve deixar-se levar emocionalmente por pressões da Imprensa e da população". 

Dividindo-se nas questões específicas de Santo André e do comportamento do Ministério Público em âmbito nacional, o ex-procurador geral não consegue se desvencilhar da corporação: "Há uma minoria do Ministério Público constantemente na mídia, no Brasil inteiro, e que se empolga com isso. Prometem muito o que vão fazer, quando, na verdade, deveriam dizer o que fizeram. Propõem ações sem a prudência desejada e com isso não se tem os resultados esperados. Aliás, essa crítica é da maioria do Ministério Público tanto federal quanto estadual".   

Outra avaliação de Aristides Junqueira, agora especificamente sobre a força-tarefa que devassou o Paço de Santo André, está na definição de ações de improbidade administrativa envolvendo o corpo jurídico municipal por dar parecer favorável à dispensa de licitações no prolongamento de contratos. "A maioria, senão a totalidade, é sobre isso" -- afirma. O ex-procurador geral da República lembra que recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu que advogados não podem ser solidariamente responsáveis só porque deram parecer: "O Tribunal de Contas da União impôs multa a um advogado e ressarcimento dos danos, mas o STF disse não. Todos aqui foram denunciados assim. Não vai ser mais uma anulação?" -- indaga o advogado contratado pelo PT. 

O próprio Junqueira responde com outro enunciado e outra indagação: "A prorrogação do prazo de contratos sem licitação seria objeto de denúncia de outros prefeitos e de outros partidos? Não sei. Se houver outros casos, o que se pode argumentar é pelo tratamento isonômico" -- afirma ele, que vai mais longe: "A natureza jurídica da expressão improbidade administrativa é pejorativa, está reservada aos casos de desonestidade comprovada, de traição do administrador com relação ao serviço público. Qualquer falhazinha é improbidade administrativa? Na verdade, nem a Constituição nem o bom senso querem isso. Até porque, ímprobo não pode continuar na administração pública, mesmo com ressarcimento". 

Além da ponderação técnica sobre a terminologia, Aristides Junqueira parte em defesa da administração do PT. "A prorrogação de contratos sem licitação não seria caso de improbidade administrativa. Onde está o prejuízo? A mera ilegalidade da dispensa da licitação para o prolongamento dos contratos já caracteriza danos legais ao erário? Não é possível isso. E fazem isso -- referindo-se à força-tarefa -- com base em algumas e raras decisões de membros do Tribunal". 

O advogado do Partido dos Trabalhadores vai além na argumentação: "A considerar o pressuposto da improbidade administrativa, poderemos ter o absurdo de punir mesmo que o preço aditado seja menor que o de mercado. Que prejuízo estou causando? Estou causando benefício. Ainda assim sou ímprobo". E completa com uma nova crítica: "Quando se pede assim (a força-tarefa) faltou prudência sim". 

Aristides Junqueira garante que se estivesse do outro lado, do lado da força-tarefa, certamente procuraria não cometer nenhuma falha processual nem de mérito, principalmente os processuais. "Enganos cometemos sempre, mas o Ministério Público não tem obrigação de oferecer denúncia sem as provas suficientes para a condenação. Como membro do Ministério Público não conseguia oferecer denúncia sem provas suficientes para condenação. Ou tinha provas que me convenciam de condenação ou não oferecia denúncia e procurava essas provas, porque sempre coloquei os direitos constitucionais na frente. Constrangimento legal só com provas" -- explica. 


Decisões anuladas -- As decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foram anunciadas na segunda quinzena de novembro. A primeira se refere às denúncias de formação de quadrilha em suposto esquema de cobrança de propinas a empresários do setor de transporte. O dinheiro seria utilizado para beneficiar campanhas eleitorais do PT. A ação penal foi anulada pelo TJ. Dias depois, o mesmo TJ anulou o recebimento de denúncia criminal que abriu uma ação penal contra 13 pessoas acusadas de formação de quadrilha, peculato e falsidade ideológica em suposto esquema de licitações fraudulentas para favorecer a empresa Projeção Engenharia Paulista de Obras para realização de diversas obras em Santo André. 

A ação penal foi aberta pelo juiz substituto da 1ª Vara Criminal, Jarbas Luiz dos Santos, que recebeu a denúncia apresentada um dia antes pelo Ministério Público. O juiz substituto afirmou que não daria o prazo regulamentar de 15 dias para a defesa preliminar porque considerou a denúncia grave. Os principais acusados são o vereador e ex-secretário de Serviços Municipais, Klinger Sousa, e os empresários Ronan Maria Pinto, Sérgio Gomes da Silva e Tarcísio de Castro. Já a força-tarefa do MP é formada pelos promotores Ricardo Wider Filho, Amaro José Tomé Filho, José Reinaldo Guimarães Carneiro e Márcia Monassi Mougenot Bonfim. 

Os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não examinaram o teor das acusações porque a decisão alcança apenas os métodos da promotoria. Eles ressalvam que nada impede que os promotores ofereçam nova denúncia, desde que as investigações sejam refeitas, garantindo ampla defesa. E é exatamente o que começou a ser adotado no final do mês pela força-tarefa, que passou a ouvir os acusados. 

A terceira vitória dos acusados no Tribunal de Justiça se refere ao desbloqueamento de bens do vereador Klinger Sousa e do empresário Ronan Maria Pinto, diretor da Rotedali, especializada na coleta de lixo e na manutenção de aterros sanitários. O bloqueio determinado em junho pelo juiz Marcelo Lopes Theodosio, da 3ª Vara Cível de Santo André -- a pedido do MP --, perdeu consistência legal depois da anulação dos processos anteriormente analisados pelo TJ. 


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