As eleições de 2004 à Prefeitura de São Bernardo já começaram de fato. Estão atrasadas em relação a Santo André, onde denúncias sobre supostas propinas envolvendo executivos do Paço Municipal fazem parte do roteiro de desgaste do situacionista Partido dos Trabalhadores desde o ano passado. Em São Bernardo, entretanto, quem quer o poder é o PT do deputado federal Vicentinho Paulo da Silva, derrotado ao Paço em 1998 por Maurício Soares.
A renúncia de Maurício Soares no início do mês passado, por causa de anunciados problemas de saúde, deslanchou de vez a campanha do médico cardiologista William Dib, então vice-prefeito. Dib é avaliado como estrategista tão perspicaz que seria capaz de sair ileso de uma arena de touros bravios mesmo se decidisse vestir-se inteiramente de vermelho.
Os primeiros dias de William Dib no comando do Paço de São Bernardo são emblemáticos do tamanho do problema que Vicentinho encontrará para tentar chegar a uma cidadela que simboliza a própria história do PT. Além de anunciar a contratação do economista e ex-deputado federal Marcos Cintra para o comando da Secretaria de Finanças, Dib trouxe três reforços paulistanos que conhecem como poucos o DNA do PT: o ex-deputado federal Airton Soares, o marqueteiro Chico Malfitani e o assessor de comunicação Ivo Patarra. Todos viveram intensos embates no Partido dos Trabalhadores. Airton Soares foi expulso por votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985, contrariando a abstenção do partido que também se opunha ao centrodireitista Paulo Maluf.
Ganhar a eleição no Município do presidente da República é desafio para William Dib. Por isso, o Paço de São Bernardo pretende ajustar e valorizar a herança dos programas sociais de Maurício Soares. Há avaliações dando conta de que a diversidade de atividades voltadas aos excluídos garantiria ao substituto de Maurício Soares um caminhão de vantagens sobre o petista Vicentinho Paulo da Silva, sobre quem talvez se jogue o peso do custo do desemprego por causa de excessos sindicais.
Os passos públicos de William Dib vão ser minuciosamente programados. O jantar que comemorou sua posse, numa casa de eventos em São Bernardo, teve ares de eleições primárias nos Estados Unidos. Não faltou nem mesmo gigantesco poster em que sua imagem abundante e sóbria tomava todo o espaço do fundo do palco. Quando serpentinas de papel alumínio desceram do teto e deram ao cerimonial toque de grand finale, não restou mais dúvida: Dib terá assessoria de profissionais para inaugurar uma nova era no Grande ABC.
Trata-se da era do marketing político no sentido mais amplo que a expressão reúne. Algo que ultrapassa os limites das costumeiras pesquisas de campo que simplesmente captam os interesses e as queixas dos eleitores. Com a assessoria, Dib terá estudos detalhados dos discursos apropriados para cada circunstância e também ações direcionadas à consagração da imagem de modernidade e contemporaneidade. Adereços físicos como a chuva de papel alumínio ajudam a formatar a personalidade pública do candidato que supostamente mais se aproximaria dos sonhos de quem vai às urnas.
A contratação de Marcos Cintra, referência nacional em finanças públicas, reforça a imagem do Paço de São Bernardo e provavelmente terá surpreendido a candidatura de Vicentinho Paulo da Silva. Autor de várias obras sobre a questão tributária, entre as quais Imposto Único — Um Produto Genuinamente Brasileiro, Marcos Cintra é formado em Harvard, nos Estados Unidos, com pós-graduação em Planejamento Econômico pela Unicamp (Universidade de Campinas). É titular da Fundação Getúlio Vargas desde 1969, nos cursos de graduação e pós-graduação de Economia Internacional, Desenvolvimento Econômico e Finanças Públicas.
Ameaça aos cofres — O novo titular da Secretaria de Finanças de São Bernardo chega em momento crucial aos interesses dos municípios brasileiros. A proposta de reforma tributária do governo federal, que abre a possibilidade de unificação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e do ISS (Imposto Sobre Serviços), ameaça os cofres municipais. Também há riscos de perdas municipais nos Estados mais industrializados caso o ICMS passe a incidir nas cidades em que o produto é consumido, e não mais onde é produzido. Haveria uma diferença estimada de 20%.
Marcos Cintra continua a defender o Imposto Único como caminho para dar condições de gerar arrecadação e reduzir a carga de impostos como Cofins, a contribuição patronal ao INSS, o IPI e outros. “O único imposto com margem para aumento é a CPMF, que pode até chegar a 1% ou 2% desde que substitua outros impostos. Com isso, se abrange mais pessoas e reduz-se as margens para a sonegação” — afirma.
A posição de Marcos Cintra sobre o governo Lula da Silva mostra que já está engajado no processo eleitoral municipal: “Por enquanto, o governo não mostrou nada porque ainda está no palanque. O governo Lula ainda não apresentou um projeto político e econômico para o País. O Fome Zero ainda não deu certo por falta de organização. Do ponto de vista político, o governo está fragilizado. Está negociando com a oposição e tentando atrair o PMDB para ampliar a base de sustentação. Quando isso acontece, o governo fica capenga, lento” — disse no final de março.
Outros dois vetores podem reforçar a candidatura de William Dib nos meses cruciais de disputa com Vicentinho Paulo da Silva. Guarda-se no bolso do colete a possível escolha da ex-primeira dama, Laerte Soares, como candidata a vice-prefeita. Laerte Soares é destacada titular da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania e poderia canalizar os votos centro-esquerdistas que Maurício Soares sempre disputou com os petistas. Com isso, Laerte reforçaria o centro-direitismo de William Dib.
Outro ponto de reforço do candidato Dib são as obras de modernização do sistema viário de São Bernardo, que seriam parcialmente financiadas pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os recursos do organismo internacional, de US$ 165 milhões, estariam em fase final de liberação e se somariam a contrapartida de US$ 110 milhões da Prefeitura para remodelar a cara provinciana da Capital econômica do Grande ABC.
Quem está escalado para gerenciar os recursos e acompanhar o cronograma de obras é Eurico Leite, antecessor de Marcos Cintra na Secretaria de Finanças. O macroplano de adequação viária e logística de São Bernardo aos tempos de competitividade também reforçaria a potencialidade dos demais municípios da região, segundo a visão de Eurico Leite. “É uma série de obras que reforçam a integração viária regional” — afirma.
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17/09/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (9)