Administração Pública

Lava Jato pode atrapalhar
confirmação do monotrilho

DANIEL LIMA - 26/04/2019

Esse texto foge da margem de segurança completa de informações, mas não se desgarra do nível suficientemente necessário para ser produzido. Faço essa advertência porque é indispensável uma relação de clareza com os leitores.

Nada do que vou escrever é obra de ficção, mas, também, não significa que os desdobramentos possíveis sejam os recomendados à prática da gestão pública. Certo grau de vulnerabilidade é espaço inescapável ao jornalismo em determinadas situações. Fosse promotor de Justiça ou policial, com acesso às provas, tudo seria mais fácil.

Trata-se do seguinte: o governador João Doria tem dois obstáculos para anunciar a confirmação das obras do monotrilho de 15,7 quilômetros de extensão que serviria a Santo André, São Bernardo e São Caetano.

O primeiro é a potencialidade de o traçado estar na lista de operações fraudulentas da Companhia do Metrô. O segundo é a potencialidade de enriquecimento de detentores privilegiados de terrenos desapropriados para a execução das obras. As indenizações em valores não atualizados ultrapassariam R$ 600 milhões.

Acordo de leniência 

As potenciais irregularidades da Linha 18-Bronze, como se identifica tecnicamente o monotrilho do Grande ABC, decorrem do acordo de leniência (delação premiada) da Construtora Andrade Gutierrez ao Ministério Público do Estado, no qual a empreiteira afirma que houve prática de cartel na concorrência em linhas de dois monotrilhos, além do pagamento de propina para um dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. A informação foi publicada em 15 de abril último pela Folha de S. Paulo.

A Andrade Gutierrez, segundo noticiou a Folha, afirma que a divisão dos monotrilhos ocorreu num acerto com a Queiroz Galvão, que fez a obra da Linha 15-Prata (Zona Leste). A Andrade Gutierrez ficou com a Linha 18-Ouro (Zona Sul), que deve ligar a Estação Morumbi da CPTM ao Aeroporto de Congonhas.

E o que a Linha 18-Bronze, do Grande ABC, tem a ver com isso? É esse ponto que está sendo exaustivamente investigado. Haveria, segundo fontes palacianas, grandes possibilidades de a licitação ter passado por processo semelhante. O governador João Doria teria adiado a confirmação do modal por conta disso, afirma a fonte. Mais que isso: pensa seriamente em novo modal, o BRT, de ônibus articulado com menor potencial de transporte de passageiro, mas com menor custo de implantação e operação.

Especulação imobiliária 

Haveria outro motivo para o governador pretender substituir um modal pelo outro: os custos de desapropriações para a construção do monotrilho seriam incompatíveis com o estado de depauperação das finanças paulistas.

Mas há também um adicional a inquietar o governador: teme-se que informações privilegiadas que antecederam à licitação da Linha 18-Bronze, em 2014, tenham favorecidos agentes privados e públicos com especulação imobiliária no entorno do traçado do monotrilho.

Os valores indenizatórios seriam muito acima do metro quadrado de mercado. Como alguns agentes públicos associados a empresários do ramo imobiliário teriam agido em sintonia para multiplicarem lucros na compra de áreas e, em seguida, com desapropriações, o risco de o monotrilho ganhar um novo ângulo de possíveis delitos seria ainda maior.

Promessa do governador 

No caso dos dois trechos do monotrilho que integram a delação premiada da Andrade Gutierrez, a Folha de S. Paulo noticiou que o Metrô de São Paulo recusou proposta de acordo da empresa e do Ministério Público Estadual. “O Metrô diz que não aceitou a proposta porque não faz parte de suas atribuições firmar acordos de leniência ou autocomposição, um tipo de delação para corporações”.

O conselheiro do TCE que teria sido subornado é Roque Citadini, de acordo com a Andrade Gutierrez. Citadini é apontado nos relatos preliminares da empresa como beneficiário de R$ 1,6 milhão para que não apontasse problemas no contrato e em aditivos.

Segundo o noticiário da Folha de S. Paulo, foi por meio desses ajustes de preço que o valor da Linha 17-Ouro mais do que dobrou desde que a licitação foi lançada em 2009, no governo do tucano José Serra.

A Folha de S. Paulo informou também que no contrato assinado em 2010 com o consórcio vencedor, liderado pela Andrade Gutierrez, o quilômetro do monotrilho custaria R$ 127,6 milhões. No começo deste ano, o quilômetro alcançou R$ 307,3 milhões.  No caso do metrô, que transporta três vezes mais passageiros do que o monotrilho, o quilômetro custa cerca de R$ 500 milhões em metrópoles como São Paulo e Rio, segundo especialistas ouvidos pelo jornal. O monotrilho foi prometido pelo governador Geraldo Alckmin para 2012; depois entrou no pacto das obras que seriam inauguradas para a Copa de 2014.

Monotrilho é minhocão 

Entretanto, como a Andrade Gutierrez foi apanhada pela Operação Lava Jato e passou por sérias dificuldades financeiras, a obra sofreu atrasos e foi abandonada pelas empresas. Até que no mês passado o Metrô rompeu o contrato. Uma nova licitação, segundo a Folha, levaria a obra a ficar pronta entre 2020 e 20121.

Sempre segundo a Folha de S. Paulo, a Andrade Gutierrez não fala em sobrepreço na proposta de acordo que apresentou ao Metrô, mas o Tribunal de Contas da União fez um estudo em obra da Petrobras que foi alvo da Lava Jato, o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), e concluiu que, naquele caso, o cartel elevou o preço da obra em 17% por limitar a concorrência.

A concorrência internacional para o monotrilho da Linha 17 foi vencida por um consórcio formado pela Andrade Gutierrez, CR Almeida, MPE e a Scomi, fabricante de trens da Malásia que faliu no ano passado. “Na apresentação do projeto em 2010, o governo dizia ter optado pelo monotrilho por duas razões: é mais barato do que o metrô porque não exige tantas desapropriações e sua construção é mais rápida” – afirmou a Folha de S. Paulo. “Nenhuma delas foi contemplada no caso da Linha 17-Ouro. A obra atrasou, é criticada por urbanistas por ser uma espécie de Minhocão do futuro e seu preço se aproxima dos valores da construção de metrô”, escreveu a Folha.

Vai mais longe a Folha de S. Paulo: “Os promotores da área de Patrimônio Público que participaram das negociações com a Andrade Gutierrez ficaram impressionados com o desinteresse dos executivos do Metrô pela questão do cartel e da corrupção. Em resposta enviada ao Ministério Público, a gerente jurídica do Metrô, Janaína Shoemaker, diz que só vai responder sobre a proposta de continuidade da obra porque a questão do acordo apenas poderia ser tratada pela Procuradoria Geral do Estado. (...) O Metrô diz que não faz parte de suas atribuições firmar acordos”.

Custos elevados 

O jornalista especializado em transporte, Adamo Bazani, escreveu para o Diário do Transporte em 15 de janeiro que o governador João Doria garantiu que a linha 18-Bronze vai ser implementada ainda em sua gestão. “Entretanto, depois de atrasos e pelas complexidades técnicas para a implantação, os monotrilhos estão ficando cada vez mais caros e os custos por quilômetro têm se aproximado de uma linha de metrô, apesar de a capacidade ser bem menor”, escreveu o jornalista. “Segundo Doria, o governo do Estado realiza estudos para definir o melhor formato e aí sim, retomar os planos para a ligação prevista. O governador não descarta um novo projeto. Essa linha 18 será implementada. Estamos estudando qual o melhor formato, mas obra parada não vai existir em nosso governo. O próprio projeto pode mudar para uma viabilização com recursos privados”. – disse Doria.

Ainda segundo Adamo Bazani, “o governador disse que não haverá dinheiro público para obras de transporte coletivo e insistiu nos modelos de PPPs  – Parcerias Público Privadas. A Linha 18 é uma PPP, mas a falta de recursos para o governo estadual financiar as desapropriações necessárias para a instalação das estações e das vigas dos elevados do sistema de trens com pneus atualmente é o maior entrave para o monotrilho. O cálculo do Governo do Estado é que sejam necessários para desapropriação, US$ 182,7 milhões – o equivalente a R$ 680 milhões pela cotação da tarde desta terça-feira, 15 de janeiro de 2019—afirmou o Diário do Transporte.” “Quero deixar claro que não haverá dinheiro público para o transporte coletivo. Todas as nossas ações serão feitas através de PPP – Parcerias Público-Privada. Nós estamos estudando qual a melhor das alternativas, mas há alternativas. Estamos cientes de que há e oportunamente vamos anunciar.”.

Contratada em 2014, a Linha 18-Bronze é uma PPP plena, que envolve a construção e operação do modal de monotrilho por um percurso de 15,7 quilômetros e 14 estações entre São Bernardo e a estação Tamanduateí, na região de Vila Prudente, passando por Santo André e São Caetano. A concessionária Vem ABC venceu a licitação e tem mantido interesse em tocar o projeto, apesar do enorme atraso.



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