Administração Pública

Ouro, prata, bronze e
chumbo dos Legislativos

DANIEL LIMA - 20/08/2003

O ranqueamento da gastança nos Legislativos dos 55 principais municípios do Estado de São Paulo pesquisados pelo IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) só é um amontoado de números para os leigos em responsabilidade social e gente preguiçosa ou acomodada que usa exatamente da versatilidade nem sempre nobre do conceito de estatística para corromper sua legitimidade. 


Há claramente quatro pelotões em que se subdivide o universo dos 55 municípios paulistas devassados pelo Instituto de Estudos Metropolitanos. 


No pelotão de frente, digno da medalha de ouro, estão os concorrentes que dispenderam menos de R$ 10,00 por morador durante o ano de 2001 para sustentar a Câmara de Vereadores. 


No segundo pelotão, de prata, todos aqueles que ocuparam o espaço de R$ 10,01 a R$ 25,09 -- este último valor a média do custo dos Legislativos dos 55 municípios. 


A medalha de bronze é para o terceiro pelotão, formado pelos municípios que flutuaram entre R$ 25,10 e R$ 39,99 de gastos por morador na temporada pesquisada. 


Já a medalha de chumbo da olimpíada de eficiência de recursos públicos coube a quem trafegou acima de R$ 40,00.


Guardem bem os membros dessa disputa que, fosse o Brasil mais sério, constariam automaticamente dos dispositivos de segurança dos contribuintes valorizados ou esfolados. 


Medalha de Ouro -- Sorocaba, Limeira, Araras, Franca, Presidente Prudente e Botucatu.

Medalha de Prata -- São Bernardo, Guarulhos, Santo André, Osasco, Jundiaí, Mauá, Piracicaba, Taubaté, Americana, Sumaré, São José do Rio Preto, Mogi das Cruzes, Bauru, Araraquara, Rio Claro, Pindamonhangaba, Hortolândia, Jaguariúna, São Vicente, Carapicuíba, Embu, Santa Bárbara DOeste, Indaiatuba e Araçatuba. 

Medalha de Bronze -- São Paulo, São José dos Campos, Campinas, Diadema, Ribeirão Preto, Suzano, Jacareí, Cotia, São Carlos, Mogi-Guaçu, Cajamar, Louveira, Guarujá, Marília, Praia Grande e Bragança Paulista. 

Medalha de Chumbo -- Barueri, Paulínia, Cubatão, São Caetano, Santos, Taboão da Serra, São Sebastião e Itu. 


Fica difícil imaginar, exceto como malabarismo verbalizado para ludibriar a boa-fé, que tipo de resposta daria um presidente de Legislativo ou mesmo um prefeito dos municípios listados entre os merecedores da Medalha de Chumbo. O que efetivamente eles poderiam argumentar se o ranking do Instituto de Estudos Metropolitanos reduz os mais diferentes tamanhos populacionais ao fator per capita? 


Nem mesmo eventuais peculiaridades geoeconômicas e sociais podem ser esgrimidas sem que o protagonista em questão caia na esparrela da desfaçatez. A compactação dos números ao fator per capita quebra a espinha dorsal da subjetividade recorrentemente preparada pelos acrobatas administrativos que sobrevivem de artificialismos semânticos. 


O ranking do Instituto de Estudos Metropolitanos não simplifica sentenças consagradoras dos medalhistas de ouro nem desqualifica os gerenciadores públicos que surgem na contra-mão da racionalidade financeira. O que deriva dos números comparativos que se esparramam das planilhas preparadas pela Target Marketing e Pesquisas é constatação tão evidente quanto inquietante: há pelo menos dois pelotões de gestores públicos -- os medalhistas de bronze e de chumbo -- que usam e abusam do direito de dar ao dinheiro do contribuinte função de baixa produtividade social. 


A maioria dos prefeitos não está a salvo desse mapeamento constrangedor porque as relações intestinas entre Executivo e Legislativo são tão antigas, corrosivas e perdulárias quanto a própria democracia. A necessidade de produzir bases de sustentação é o atalho a que geralmente prefeitos, governadores e presidente da República recorrem para fazer dos legislativos ramal de prioridades administrativas sintonizadas com a próxima eleição. Os usos e abusos retroalimentados entre os dois poderes perpetuam-se como herança maldita. 


Exatamente por isso que os municípios detentores de medalha de ouro se apresentam como exceções à regra. Mereceriam mais que um tratamento preferencial da mídia como exemplos de produtividade legislativa. Poderiam sim ser referências para mudanças significativas na Lei de Responsabilidade Fiscal, com repasse inclusive para a definição de custo do funcionalismo do Executivo. 


Sim, porque, como já escrevemos, a Lei de Responsabilidade Fiscal é espécie de cópula interrompida na moralização da gestão pública. A amarração que foi preparada para prender os malversadores compõe uma rede de furos excessivamente largos e elásticos porque remete para a correlação receitas-despesas a flexibilidade dos dispêndios com o funcionalismo. Exatamente por isso que os municípios mais beneficiados pelo repasse do ICMS nadam de braçadas no desperdício. 


A farra que se produz com o dinheiro dos contribuintes na manutenção do funcionalismo do Executivo e do Legislativo está evidenciada nos contrastes dos ranqueamentos do Instituto de Estudos Metropolitanos. Recosturar esse saco de gatos não será tarefa fácil e provavelmente nem é de interesse dos legisladores e dos executivos. Há desbalanços cristalizados pela longevidade de empreguismo, nepotismo, paternalismo, corporativismo e toda a família de vícios públicos que mais e mais obrigam as instâncias de poder a sacar do coldre já recheadíssimo de impostos, taxas e contribuições a munição de sobrecargas tributárias.   


Com custo geral de R$ 634,5 milhões em 2001, os 55 Legislativos pesquisados pelo Instituto de Estudos Metropolitanos poderiam financiar parte dos recursos necessários para o fundo das regiões metropolitanas paulistas formais e informais -- no caso a Grande São Paulo, Baixada Santista, Grande Campinas, Grande São José dos Campos e Grande Sorocaba. 


Parte do dinheiro que comporia esse fundo poderia ser retirada da gastança dos Legislativos em questão. Apenas e simplesmente 10% do montante significariam mais de R$ 60 milhões. Parece pouco? É dinheiro suficiente para, de imediato, com sobras para as primeiras obras, convocar uma força-tarefa de especialistas em desenvolvimento econômico integrado associado à qualidade de vida para esquadrinhar macroplanejamento dessas áreas cada vez mais embotadas de problemas. Seria o começo do começo de uma empreitada que há mais de duas décadas o governo do Estado dispersivo e os municípios autárquicos contabilizam como ônus à sociedade.


Os chefes de Executivos e os titulares dos Legislativos municipais não poderiam nem mesmo arguir a escassez de recursos para desestimular a proposta porque esse dinheiro existe, está contabilizado e vem sendo largamente mal utilizado sobremodo nos medalhistas de bronze e chumbo. Em larga escala, os Legislativos são laboratórios de burocracia sobreposta combinada com mordomias aviltantes ao padrão social do País. Os endereços que se contrapõem a esse quadro são exceções à regra. 


Como se observa, bastam boa-vontade, independência e compromisso social para compreender que o novo indicador do Instituto de Estudos Metropolitanos é muito mais persuasivo na quebra de desgastadas correntes de privilégios do que imagina quem não consegue enxergar mais que números. 


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