Administração Pública

Quando favela
se torna bairro

WALTER VENTURINI - 05/04/2003

Muitos poderiam considerar tolice a instalação de agência bancária em uma favela. Idêntico grau de insanidade valeria para um empresário que planejasse abrir livraria ou fast-food num local de submoradias. Mas o que poderia ser delírio tornou-se realidade no Santo André Mais Igual, um dos mais ousados projetos sociais da Prefeitura. Não por acaso a iniciativa reúne coleção de prêmios nacionais e internacionais. O programa integra várias ações do poder público para áreas carentes e está sendo cotado como referência para o governo federal estruturar o Ministério das Cidades. O eixo do programa é enlaçar todos os projetos de combate à exclusão social das diferentes secretarias da Prefeitura, promover a participação da população beneficiada e garantir parcerias com organizações não-governamentais e entidades institucionais, como a União Européia. O resultado tem sido a queda do muro virtual que separa a favela do resto da cidade, atenuando o limite entre miséria e vida cidadã.

A favela Sacadura Cabral foi um péssimo cartão de visita de Santo André durante anos por se localizar numa das entradas da cidade. Agora, quem passa pelo Anel Viário Metropolitano vê no local um centro comercial conhecido como Unidade de Negócios, cuja função é propagar o empreendedorismo para fazer a transição entre cidade e favela e diluir a fronteira entre populações separadas por diferenças econômicas e sociais. 

A Unidade de Negócios, onde estão localizadas uma agência do Banco do Brasil, um fast-food e uma livraria, é apenas uma das faces da experiência desenvolvida há três anos em quatro favelas de Santo André. As áreas foram reorganizados em intervenção pioneira que mistura políticas básicas de educação, saúde, segurança e habitação com ações práticas como Banco do Povo, Programa Renda Mínima, políticas de gênero e alfabetização de adultos. 

“O Ministério das Cidades considera Santo André um exemplo inovador. O programa ganhou diversos prêmios em função dessa integração para enfrentar diversas dimensões da exclusão” — conta a secretária de Inclusão Social e Habitação, Rosana Denaldi, que assumiu a Pasta com a ida de Miriam Belchior para a assessoria especial do presidente Lula da Silva. 

Há uma razão fundamental para que Santo André seja pioneira em programas de inclusão social no Brasil. A cidade foi uma das que mais perdeu riquezas nos últimos anos. A chegada de grandes estabelecimentos comerciais não compensou a saída de indústrias para outras regiões e a reestruturação produtiva imposta pela globalização. De 1980 a 2000, Santo André teve perda de 39% no Valor Agregado, uma medida de vitalidade do parque econômico e que caiu de R$ 6 bilhões para R$ 3,6 bilhões, de acordo com números da própria Prefeitura. Uma redução quase três vezes maior que a registrada pelo Grande ABC, que teve queda de 14,1% no Valor Agregado. O empobrecimento de Santo André agravou-se pelo crescimento da população em áreas de favelas. Somente entre 1991 e 1996, o número de moradores nesses núcleos do Município subiu 3,78%, enquanto a população total da cidade aumentou no mesmo período apenas 0,31%.

O Santo André Mais Igual pretende inverter essa tendência. Até o final da gestão do prefeito petista João Avamileno a meta é que um quarto da população favelada da cidade — estimada em 120 mil dos 650 mil moradores — esteja sendo beneficiada ou tenha demandas atendidas pelo Programa Santo André Mais Igual. 

A forma de trabalho do programa já chamou a atenção de instituições e organismos internacionais. A experiência levou o prefeito João Avamileno aos Emirados Árabes Unidos para receber no segundo semestre de 2002 o Prêmio Internacional Dubai de Melhores Práticas Para Melhoria das Condições de Vida. Um ano antes, o programa recebeu o Prêmio Melhores Práticas da Caixa Econômica Federal. Em 2000, a Fundação Getúlio Vargas escolheu o Mais Igual para o prêmio Gestão Pública de Cidade. O Santo André Mais Igual foi destacado também em 2001 entre 16 projetos para representar o Brasil na conferência internacional Istambul + 5, realizada em Nova York, além de figurar no novo site da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Fórum Virtual e Governança Local como uma das 50 melhores experiências mundiais.


União Européia — Na fórmula premiada, a Prefeitura de Santo André entrou com metade dos recursos necessários para implantação do programa e a outra parte foi custeada com parcerias que envolveram União Européia, por meio do Programa de Apoio às Populações Desfavorecidas, o Habitat (Programa de Gestão Urbana da ONU) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). As ações envolvem 85 agentes comunitários, 105 funcionários da Prefeitura e 102 de 18 organizações não-governamentais e agências internacionais. 

As quatro áreas carentes escolhidas em 2000 para início da intervenção urbana da Prefeitura — as favelas Sacadura Cabral, Tamarutaca, Quilombo 2 e Capuava — somam 16 mil habitantes e concentram miséria e muita gente num pequeno espaço de 255.479 metros quadrados. A densidade demográfica é superior a 100 mil pessoas por quilômetro quadrado, quando a média da cidade é de oito mil habitantes por quilômetro quadrado. Nesse universo de demandas públicas é que Prefeitura, organismos internacionais, organizações não-governamentais e a própria comunidade combinaram suas atividades. A integração de várias secretarias foi benéfica para a própria Administração Municipal, já que a sinergia entre as ações potencializou os resultados. 

A implementação do programa de forma integrada exigiu esforço de reorganização interna para uma gestão matricial, que origina operações nas áreas escolhidas. “O problema do serviço público é que cada secretaria é uma caixinha que não se completa com outra secretaria. Essa divisão fazia com que tivéssemos uma visão setorializada da população” — analisa a coordenadora Magdalena Alves. Se o Poder Público nutre tendência a burocratizar demandas sociais, o problema da população é que está habituada a se comportar mais como usuária do que como participante. O programa Santo André Mais Igual busca quebrar a cultura da passividade e os moradores passam a assumir papel fundamental na ação. “Aprendemos com os moradores soluções que o Poder Público não teria como descobrir” — conta Magdalena.

O que tirou a poeira das estruturas municipais e do comodismo popular foi um mix de projetos e iniciativas. Um dos destaques é o Programa de Urbanização Qualificada, que planeja a recuperação física e ambiental de áreas degradadas com melhorias habitacionais por meio de microcrédito e assessoria técnica para autoconstrução. Prevê também implantação de saneamento básico, obras de infra-estrutura e introdução de equipamentos e serviços urbanos como creches, centros comunitários, praças e quadras esportivas. A Prefeitura misturou no coquetel outros quatro programas da área econômica: Garantia de Renda Familiar Mínima, Banco do Povo, Incubadora de Cooperativas e Ensino Profissionalizante. Da área social entraram na mistura o Saúde da Família e o Alfabetização de Jovens e Adultos. 

Foram introduzidos ainda dois novos programas de dimensão econômica, o Empreendedor Popular, de treinamento, apoio e orientação a pequenos negócios, e o Trabalhador Cidadão, que executa ações profissionalizantes. Na dimensão social surgiram quatro novos programas. Um é o Criança Cidadã, de atividades culturais e esportivas no período complementar à escola, para crianças e jovens de sete a 17 anos. Outro programa é o Criança Comunitária, que orienta famílias com crianças entre zero e seis anos. Surgiram ainda o Gênero e Cidadania, oficinas de sensibilização sobre as relações de gênero como forma de enfrentar a crescente feminização da pobreza, e o programa Reabilitação Baseada na Comunidade, cuja meta é sensibilizar a população das áreas carentes para o uso de tecnologia simplificada no atendimento a portadores de deficiência e orientação de serviços públicos e outros atendimentos específicos.


Resultados — Os resultados não tardaram a aparecer. O mais visível é o de natureza urbanística, com famílias transferidas para conjuntos habitacionais e a transformação das submoradias e áreas degradadas em bairros com infra-estrutura. Mas as ações de caráter econômico também já emergem. “O programa conseguiu avançar na integração das ações. Os primeiros resultados mostram que a performance dos programas é melhor quando são desenvolvidos juntos” — ressalta Rosana Denaldi, secretária de Inclusão Social e Habitação. 

O Programa Trabalhador Cidadão, por exemplo, já capacitou mais de 2,5 mil pessoas desses núcleos. O Criança Cidadã teve 700 jovens e crianças atendidas. A Prefeitura implantou o programa Saúde da Família em 11 áreas da cidade, além das comunidades atendidas pelo Santo André Mais Igual. Fora das áreas da atuação integrada, o Saúde da Família acompanha 81% das gestantes, enquanto que nas comunidades do Santo André Mais Igual esse índice salta para 96%.

Desde janeiro de 2003 o Santo André Mais Igual foi expandido para as favelas Espírito Santo, Maurício de Medeiros, Gregório de Matos e Gonçalo Zarco. Com a segunda fase do programa pretende-se atingir 40% da população favelada da cidade.

A melhoria dos indicadores sociais, desde o atendimento de gestantes até cursos de formação profissional, desencadeia um processo de integração da favela à cidade. A meta é cada vez mais esses locais deixarem de ser precários para se transformarem em bairros. A Unidade de Negócios da Sacadura Cabral é um dos toques finais desse processo. São 24 lojas com cerca de 21 metros quadrados cada. Entre as entidades que financiam o prédio da Unidade de Negócios está a União Européia. A idéia é fazer com que agência bancária, fast-food, livraria, casa lotérica, salão de cabeleireiro e chaveiro criem um ambiente de serviços e de circulação urbana que dilua a fronteira entre bairro e favela. 

Não apenas moradores do núcleo serão beneficiados pelo centro comercial. Um motorista que passa pelo Anel Viário pode parar para lanchar no fast-food da mesma forma que um estudante do Centro Universitário Fundação Santo André, nas imediações, pode ir até a livraria procurar um autor recomendado pelo professor. “Com a unidade de negócios busca-se tanto a integração física como a possibilidade de gerar oportunidades de trabalho e renda. Os consumidores não serão somente os moradores da favela, mas os moradores da cidade como um todo” — explica a coordenadora Magdalena Alves. 

Até mesmo uma espécie de escritório virtual atenderá os moradores da favela. É a Central de Trabalhadores Autônomos, montada em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional da Prefeitura e o Imes (Centro Universitário Municipal de São Caetano). A parceria produziu um cadastro de trabalhadores da Sacadura Cabral que podem oferecer serviços por meio da Central. Os recursos com pagamento das concessões ou permissões de uso das lojas serão revertidos a um fundo utilizado para manutenção dos espaços e dos equipamentos públicos da área beneficiada, tais como praças, centro comunitário e creches, além de patrocinar atividades socioeducativas com crianças e adolescentes, compromete-se a Prefeitura. 


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