Discípulo de ouro do prefeito Celso Daniel, ex-secretário municipal, arquiteto, mestre em Administração pela Fundação Getúlio Vargas, urbanista e professor universitário, o vereador petista Klinger Sousa decidiu quebrar o silêncio que cerca o PT na administração João Avamileno. Nesta entrevista, o vereador mais votado do partido nas últimas eleições — e segundo entre os 21 que ocupam o Legislativo — chama a atenção para um aparente paradoxo que cerca o substituto do líder regional assassinado em janeiro do ano passado: é preciso mudança de rota na estratégia adotada pelo Paço Municipal, retirando da pauta projetos de grande visibilidade externa em favor de pequenas obras de impacto interno nos bairros.
Klinger Sousa é formulador de teoria ainda não compreendida pelo núcleo duro do Paço de Santo André, que tem João Avamileno e o secretário de Governo, Mário Maurici, como dois dos maiores expoentes. O que o vereador sugere como um dos interlocutores favoritos nos seis anos seguidos que o prefeito assassinado comandou Santo André é que o governo de João Avamileno seja o governo Celso Daniel do primeiro mandato, de 1989 a 1992, e não o governo Celso Daniel do terceiro mandato interrompido pelo destino. Ou seja: um administrador voltado para o território de Santo André, não com os olhos postos em Brasília ou no comando do Estado.
Embora faça sérias restrições ao que chama de anestesiamento do governo municipal de Santo André, Klinger Sousa não tem dúvidas sobre os resultados eleitorais do ano que vem, mesmo com eventual insistência de rota do Paço Municipal: não há alternativa capaz de superar o Partido dos Trabalhadores na reestruturação do Município.
O que mudou na gestão da Prefeitura de Santo André depois da morte de Celso Daniel?
Klinger Sousa — O que pudemos perceber e constatar entre as principais mudanças foi uma certa falta de sintonia do governo em relação aos objetivos anteriormente definidos. O governo Celso Daniel sempre teve muita clareza sobre onde pretendia chegar. Essa objetividade dava inclusive a interpretação equivocada de que se tratava de um governo arrogante, que marchava com velocidade muito intensa, que dialogava pouco com alguns setores. O partido, inclusive, fez essa crítica em alguns momentos. Tudo isso ocorria porque o governo Celso Daniel tinha muita clareza dos pontos que deveria alcançar.
Essa posição era fruto de um planejamento estratégico do qual você era um dos estrategistas, não é verdade?
Klinger Sousa — Exatamente. O governo Celso Daniel sempre se pautou por preocupação muito grande do prefeito de trabalhar com planejamento. Especialmente o que chamamos de planejamento estratégico situacional, nosso carro-chefe em termos de metodologia de estruturação de governo, e também uma experiência que o Celso tinha de discutir, de esgotar a discussão conceitual de alguns pontos com um grupo de secretários antes de colocar o assunto em âmbito de análise de um fórum mais amplo, o fórum do próprio secretariado como um todo, e às vezes até da executiva e da bancada do partido. Tudo isso sempre pautado pelo planejamento estratégico.
O que mudou então?
Klinger Sousa — Talvez diante das dificuldades terríveis com que o prefeito João Avamileno se deparou ao ter que assumir a Prefeitura inesperadamente logo depois da morte do prefeito Celso Daniel, combinado com a avalanche de denúncias que assolou Santo André e que tiveram o condão de desarticular todo um esforço de governo que marchava em determinada direção, e também com a saída de pessoas importantes do secretariado tanto para reforçar o governo do presidente Lula da Silva como em consequência da onda denuncista, tudo isso afetou o núcleo do governo.
É exatamente essa a equipe de comando do Paço ao lado do prefeito Celso Daniel, não é verdade?
Klinger Sousa — Sim, a saída do grupo mais próximo do prefeito Celso Daniel, que dividia com ele a experiência desse método de governar, acabou por desarticular o governo. Com isso, evidentemente, um novo método teve de ser colocado em prática. Esse novo método, combinado com essas dificuldades todas, gerou uma situação que não tínhamos vivido desde 1997, quando Celso assumiu a Prefeitura pela segunda vez.
O governo municipal está paralisado ou desestabilizado?
Klinger Sousa — Sinto que o governo desestabilizou. E em decorrência dessa desestabilização, está anestesiado. Não diria paralisado porque várias coisas estão acontecendo. Agora mesmo no aniversário da cidade o prefeito João Avamileno fez a entrega de várias obras, anunciou outras tantas. Entretanto, o governo municipal está andando num ritmo que é, sem sombra de dúvida, bastante diferente do ritmo pelo qual caminhou até 2002. Isso não podemos negar. Seria tapar o sol com a peneira.
Esse ritmo mais vagaroso pode estabelecer situação eleitoral em 2004 diferente do que Celso Daniel imaginava?
Klinger Sousa — A população de Santo André acostumou-se com um modelo de gestão pública muito ousado, de inovações constantes, que produz sempre novas idéias, um modelo que estava preparando de fato a Santo André do futuro. Esse nível de exigência da população é muito alto. Minha preocupação como militante do Partido dos Trabalhadores comandado pelo prefeito João Avamileno — não só porque ele é presidente do partido mas também porque é a figura pública da maior notoriedade da agremiação na cidade — é que o partido apresente visão de que não tenha mais essa possibilidade de inovação permanente, que implica novidades de construção e reestruturação de um futuro para Santo André.
É por essa razão que nos últimos tempos você tem reagido no Legislativo?
Klinger Sousa — Sim, é nesse sentido que venho contribuindo no âmbito da bancada do partido tentando apresentar alternativas que considero fundamentais aos projetos que o governo vem oferecendo à bancada do Partido dos Trabalhadores.
O governo João Avamileno tem ouvido com a mesma acuidade integrantes do staff de Celso Daniel que não foram reforçar o governo Lula da Silva?
Klinger Sousa — Não posso assegurar quais são as pessoas que têm sido ouvidas e quais têm tido maior influência nas decisões desde janeiro de 2002. Posso assegurar de forma franca, porque já o fiz pessoalmente tanto para a bancada do meu partido como para o comando do governo municipal, que durante sete anos estive ao lado do prefeito Celso Daniel, com outros companheiros, contribuindo diretamente para a origem e a construção dos projetos. Com outros colegas secretários fiz um esforço de continuar oferecendo essas idéias e não encontrei nenhuma ressonância.
Acho que continuo criativo, produzindo idéias, apresentando alternativas, e nada disso voltou a ser aceito pelo governo. Não reclamo porque sejam idéias minhas, mas porque traduzem uma certa assinatura, uma certa história, têm uma tradição, sinalizam para um caminho que já estava iniciado. Por isso as considero importantes.
Diante dessas circunstâncias, seria incorreto afirmar que o macrolegado do prefeito Celso Daniel, formatado pelo grupo ao qual você se refere, estaria sendo atomizado no governo João Avamileno?
Klinger Sousa — Não posso dizer qual legado de projetos, de sementes e de idéias que o prefeito Celso Daniel deixou está sendo colocado de lado porque muito do que ainda está em andamento é produto dessa história. A rigor, nenhum projeto novo foi apresentado para a cidade.
O que mudou então?
Klinger Sousa — O que posso assegurar de forma bastante convicta é que o ritmo mudou muito. Já está passando da hora de apresentar inovações. Respeitar o legado do prefeito Celso Daniel é mais do que seguir o que ele deixou projetado; é seguir os seus princípios. É inovar sempre, é não necessariamente executar todos os projetos que deixou. Seguir o legado do prefeito Celso Daniel é adaptar, inovar e produzir nova alternativa de governo face a nova conjuntura.
A crítica que faço é que procura-se reproduzir pura e simplesmente as idéias que o prefeito Celso Daniel plantou, sem considerar que a conjuntura mudou. Tenho certeza de que, se estivesse entre nós, Celso Daniel teria reformulado idéias do passado por causa da conjuntura do presente.
Que exemplo prático você daria para consubstanciar a possível mudança de legado do Celso Daniel?
Klinger Sousa — A situação política atual. Celso Daniel fez uma viagem muito importante do ponto de vista pessoal no final de 2001, entrando em 2002; portanto, pouco antes de sua morte. Ele retornou dessa viagem com um conjunto muito sólido de idéias que vinha discutindo no âmbito do secretariado. Eram idéias que marcariam essa nova gestão e que consolidariam o governo segundo o ponto de vista dele.
Essas idéias incluíam a construção de um grande equipamento de natureza cultural em Santo André na área do Eixo Tamanduatehy, o grande macroprojeto da administração. A área é a sede da Garagem Municipal. Esse projeto comporia espécie de Museu de Ciência Viva, a exemplo do que existe na Europa e nos Estados Unidos, e acoplaria outros equipamentos de lazer, entretenimento e turismo de negócios, como um centro de convenções. Enfim, havia várias idéias em fermentação.
Por que esse projeto era tão importante?
Klinger Sousa — Porque significava o fechamento fundamental de uma terceira administração do prefeito Celso Daniel, que se preparava para dar um salto além do Grande ABC. Ou seja: os objetivos políticos e estratégicos de Celso Daniel, fundamentais para Santo André e para o Grande ABC, eram também voltados para projetar seu modelo de administração para fora do Grande ABC e assegurar a perspectiva de uma participação mais ampla no governo federal, de uma disputa futura no âmbito do governo do Estado. Enfim, significava um salto de dentro para fora. Isso também era importante para Santo André porque seria um orgulho muito grande para toda a população, que traria não só prestígio mas também recursos para a cidade.
E o que tem a ver esse projeto com a atual administração do Paço?
Klinger Sousa — Ora, após a morte de Celso Daniel e com a nova conjuntura política de um vice-prefeito que assume com a obrigação de se consolidar como liderança política para disputar uma reeleição e tentar manter o projeto de um partido num quadro totalmente diverso, fica para mim óbvio que o legado do prefeito Celso Daniel se mantém na medida em que se modificam e se inovam as idéias originais à luz de uma nova conjuntura.
E a conjuntura atual é outra.
Klinger Sousa — A conjuntura atual exige um projeto que consolide a liderança do prefeito João Avamileno dentro de Santo André, e não para fora de Santo André. Ele precisa ainda e, muito, ser reconhecido como liderança na cidade, como bom administrador, como conhecedor profundo da cidade, como alguém efetivamente preocupado com os bairros de Santo André.
Enfim, o prefeito João Avamileno precisa construir em Santo André alguma coisa parecida com o que Celso Daniel construiu na administração de 1989 a 1992. Ou seja, a marca de um administrador público preocupado com a cidade. Essa visão estratégica foi uma das contribuições que levei ao governo logo depois da morte de Celso Daniel, na perspectiva de sensibilizar o novo grupo dirigente da necessidade de mudança de rota que consolidasse a liderança do prefeito João Avamileno dentro dos muros da cidade, ou seja, para o eleitorado local.
Qual seria o desdobramento estratégico dessa proposta caso o novo grupo dirigente o tivesse ouvido?
Klinger Sousa — Aí sim o prefeito João Avamileno teria mandato com a sua cara, seu estilo de governo. Aí sim, se pudesse, poderia se transformar numa liderança regional, quem sabe até estadual e nacional porque tem perfil para isso.
No entanto, o que percebemos é que o governo insiste em dedicar parcela incomensurável de recursos na elaboração de um projeto de grande porte, como o Museu de Ciência Viva, inclusive retirando-o da área do Eixo Tamanduatehy e passando-o para o Parque Central, o que modifica a idéia da construção de nova polarização urbana na área metropolitana, desviando o conjunto de investimentos que já estavam concentrados naquela região para fazê-lo no Parque Central.
Isso, na verdade, quebra o próprio espírito urbanístico e econômico com que foi concebido o Eixo Tamanduatehy.
Klinger Sousa — Exatamente. Mas, acima de tudo, insiste num projeto que na atual conjuntura política não tem mais o propósito e a razão estratégica de antes.
O prefeito João Avamileno estaria possuído pela síndrome de Celso Daniel? Ele eventualmente se imagina, no fundo, no fundo, como se fosse Celso Daniel e precisaria mostrar que pode executar o que o antecessor havia planejado?
Klinger Sousa — Tenho certeza que não.
Então, como se explica o quadro atual?
Klinger Sousa — Conheço o prefeito João Avamileno há vários anos. A rigor, o conheci em 1991, na disputa das prévias internas do PT. De 1996 para cá temos tido relacionamento muito cotidiano. Não posso dizer que sou amigo dele como era do prefeito Celso Daniel porque não tive a liberdade e o privilégio de gozar de sua confiança. Mas posso dizer que acompanhei sua carreira política durante todos esses anos e aprendi a respeitá-lo e a admirá-lo. O prefeito João Avamileno não é um homem vaidoso. Em hipótese alguma é um homem vaidoso e que se arvora poderes que não tem. É um homem humilde, que tem consciência de suas possibilidades, de caráter muito firme.
Quando utilizamos uma expressão do campo psicológico para tentar desvendar a administração João Avamileno não a relacionamos com qualquer conotação comportamental menos nobre, mas de certa insegurança natural para quem assumiu a Prefeitura em circunstâncias conhecidas de todos.
Klinger Sousa — O momento em que o prefeito João Avamileno assumiu foi realmente difícil e qualquer um teria dificuldades de conduzir o governo. Acho até que ele se saiu muito bem nesse caso. Minha explicação é que o grupo dirigente, seja qual for e eu o desconheço, mas que está constituído em torno do prefeito João Avamileno, não consegue perceber o novo momento político. E nessa perspectiva, na impossibilidade de construir um projeto alternativo, esse grupo se apega ao projeto que existia como se fosse a única possibilidade viável. O prefeito João Avamileno, que sempre foi um homem de partido, que sempre esteve à disposição e seguindo diretrizes de grupo, não consegue, não quer ou não se sente à vontade de reagir a isso, muito embora eu acredite em sua sensibilidade política.
Parece que para essa situação cabe até a analogia de que havia um ônibus ocupado por um motorista e vários passageiros e, de repente, esse pessoal todo deixou o coletivo e os que passaram a ocupar os assentos estão achando que podem cumprir o mesmo roteiro anteriormente planejado.
Klinger Sousa — Penso isso. Quem continuou na condução do projeto não teve ainda a sensibilidade de entender que a conjuntura política é outra, que o momento é outro e que, por isso, exige alterações. E, nesse sentido, marchando no mesmo trajeto — para respeitar sua analogia — que antes estava definido, com a mesma estratégia, as mesmas paradas, o mesmo roteiro previamente marcado, enquanto a conjuntura exige estratégia nova, paradas novas, roteiro novo. O combustível já não dá mais. É preciso pegar um atalho, revezar o motorista, enfim, é preciso outro plano.
Ainda por analogia, você acha que esse ônibus corre o risco de cair no precipício, ou seja, chegar lá na frente sem combustível para dar sequência a outros roteiros como ganhar as eleições?
Klinger Sousa — Esse é um risco que, como militante do Partido dos Trabalhadores, pretendo evitar. Por isso que continuo crítico. Deixei de fazer as críticas no âmbito interno e passei a levá-las ao âmbito externo não porque tenha tido qualquer interesse contrariado, como quiseram vender algumas versões jornalísticas mais apressadas e menos críticas, mas porque o debate se tornou público.
Você foi chamado para a luta?
Klinger Sousa — Exatamente. Aquilo que antes era discutido comigo como intenção ainda não decidida, que era debatido e que eu contrapunha com argumentos, agora aparece publicamente como um projeto do governo.
O que era prioridade com Celso Daniel não necessariamente é prioridade com João Avamileno?
Klinger Sousa — Insisto em dizer que nas atuais circunstâncias políticas o prefeito Celso Daniel não apostaria no projeto em que apostava em janeiro de 2001.
Se Celso Daniel fosse vivo e conselheiro de João Avamileno, ele não estimularia a obra do museu?
Klinger Sousa — Não, não aconselharia. Tenho plena convicção. O pensamento do prefeito Celso Daniel levaria a uma mudança da estrutura de governo e inclusive do próprio projeto de governo para que pudéssemos chegar a bom termo ao final de 2004.
O que você quer dizer é que o governo está fazendo o planejamento de grandes obras quando a necessidade é de pequenas e médias obras na periferia da cidade?
Klinger Sousa — Exatamente. Esse é o ponto principal. A cidade clama por um conjunto de variadas intervenções nos bairros que possam demonstrar de forma cabal e inconteste que o governo de Santo André está ativo, que fez uma necessária — inclusive com meu apoio ideológico e político — reformulação nas suas receitas e que esses recursos vão ser aplicados na melhoria da qualidade de vida de cada um dos 635 mil munícipes no seu local de habitabilidade.
Esse momento clama por melhoria no sistema de transporte, por implantação do sistema de integração temporal do transporte público, por construção de mais creches, por melhorias e reformas em todas as escolas, por melhorias nos bairros, pavimentação de ruas, urbanização. Enfim, um conjunto mais amplo de intervenções e não apenas uma ou duas grandes intervenções muito importantes, que trazem orgulho a Santo André, que projetam ações para fora do Município, mas que não terão esse condão de afirmar a presença do governo em cada um dos quatro cantos da cidade.
Qual a diferença entre o staff de Celso Daniel e o staff de João Avamileno? Já que o prefeito é um homem de boa índole, trabalhador, humilde, o que está emperrando a máquina da Prefeitura?
Klinger Sousa — Não são as pessoas, é a estrutura. A estrutura que o prefeito Celso Daniel montou em sua volta resumia a sua cara, o seu perfil e seu projeto de governo. Celso Daniel era um homem que se bastava do ponto de vista político em Santo André. Ele em si traduzia a persona política de maior expressão da cidade. Não pela envergadura do cargo, mas pela qualidade pessoal, pelo discernimento, pela maneira com que se comunicava com todos os segmentos da sociedade. Celso Daniel nunca precisou de um secretariado político. Por isso, montou uma estrutura eminentemente técnica. Não é sem razão que Celso Daniel nunca fez um governo com a mesma estrutura.
No primeiro governo ele promoveu uma reforma administrativa, abandonando a estrutura anterior do prefeito Newton Brandão. Essa estrutura foi mantida durante o governo seguinte de Newton Brandão, de 1992 a 1996. Celso Daniel reassumiu a Prefeitura em 1997, implementou nova reforma administrativa e construiu outra estrutura de governo. Fundiu secretarias que ele próprio havia desmembrado no passado, desmontou empresas públicas que também construiu no passado. Tudo isso para gerar uma estrutura que tivesse a cara de um novo governo, conectada com a nova realidade social e econômica.
Quando Celso Daniel se reelegeu em 2000, quando os incautos poderiam dizer que ele seguiria a mesma estrutura, de novo ele reformou o governo, desmontou secretarias, desfez núcleos, refez tudo de modo que tivesse a cara de um novo governo.
Foram gestões, diríamos, completamente diferentes mas, paradoxalmente, complementares.
Klinger Sousa — Exatamente. E essas diferenças se traduziam na estrutura, modificando-a de modo a ser condizente com o projeto que ele implantaria. O aprendizado dessas idéias levaria obviamente à conclusão de que, ao assumir o governo, o prefeito João Avamileno teria a necessidade de conduzir um novo projeto porque, insisto, a conjuntura política é nova. Isso não significa negar o legado do Celso Daniel, mas adaptar-se às mudanças. O prefeito João Avamileno teria de fazer reforma estrutural no governo. Ficamos durante todo o ano passado na expectativa dessa reforma anunciada e nos frustramos. Pessoalmente sugeri ao secretário de Governo nova estrutura que enxugasse a máquina administrativa.
Na minha opinião, o prefeito João Avamileno precisaria de um número menor de secretários, reduzindo de 18 para 12 secretarias e também com perfil diferente. Penso que o prefeito João Avamileno precisaria de um secretariado mais político, que lhe desse liberdade de estar mais tempo fora do Paço de Santo André. O prefeito João Avamileno é refém do Paço. As pessoas querem vê-lo nas ruas. O melhor do perfil do prefeito João Avamileno é a amabilidade, a afagabilidade, a facilidade com que fala com o povo, porque ele é um homem do povo, um homem simples, que se comunica com facilidade esplendorosa com a população. Ele tem de estar nas ruas, nas feiras livres, nas portas das escolas, nos centros comunitários, com jovens, com idosos, com as mães, com os pais.
O que o impede disso?
Klinger Sousa — A atual estrutura de governo, montada de forma tecnocrática por um prefeito que se bastava politicamente e que podia dedicar percentual enorme de seu tempo à organização, discussão e gerenciamento de uma equipe técnica.
Isso quer dizer que a vestimenta político-institucional que servia para Celso Daniel não cabe em João Avamileno?
Klinger Sousa — Perfeitamente. A vestimenta institucional que servia para um governo com os objetivos que o prefeito Celso Daniel pretendia alcançar se transforma numa vestimenta mortuária para os objetivos políticos e a nova conjuntura que o prefeito João Avamileno precisa conduzir.
Deveríamos ter pelo menos dois vereadores do PT como secretários. Insisti nessa proposta por uma razão: como já tive minha oportunidade de, sendo parlamentar, virar secretário e produzir contribuições, outros colegas vereadores também poderiam produzir. O vereador Carlinhos Augusto é um exemplo. Mostrou enorme competência à frente da Câmara Municipal e foi, sem sombra de dúvidas, um dos melhores presidentes que o Legislativo já teve. Mostrou competência não apenas política, mas principalmente na área administrativa.
A bancada do PT na Câmara Municipal pensa como você?
Klinger Sousa — Não posso falar em nome de colegas de bancada, mas quero acreditar que existam outros petistas pensando como eu. Não só filiados, mas militantes e simpatizantes do partido. Além de pessoas da nossa comunidade que não querem ver o atraso da cidade, que não querem ver a cidade retroagir, que querem ver a cidade se reerguer, que querem ver a cidade sair desse ambiente de letargia, de marasmo.
Essas pessoas precisam saber que existe um projeto alternativo em Santo André, no campo da esquerda. Na medida em que o governo expõe projetos à sociedade, me sinto no direito de também tornar pública minha insatisfação e de oferecer essas alternativas para que sejam discutidas no âmbito do partido e entre simpatizantes, apoiadores, parceiros da nossa administração que estão preocupados.
Como você analisa a correção de valores do IPTU em Santo André?
Klinger Sousa — É importante ressaltar a lealdade e a solidariedade com que toda a bancada de sustentação do governo no Legislativo atuou nessa questão não só para aprovação do projeto, mas também assumindo todo o desgaste público. No que se refere a mim, gostaria de ressaltar que tive a ousadia de defender o IPTU antes mesmo dos protestos populares. Fui a um veículo de comunicação local e escrevi um artigo defendendo a posição favorável ao aumento do IPTU porque acredito efetivamente que Santo André precisa ter uma contribuição de receitas compatível com a infra-estrutura e a qualidade de vida que a própria população exige.
Como acredito que os recursos são gastos de forma absolutamente parcimoniosa e competente, acredito também que para manter nossa estrutura de serviços e de infra-estrutura é necessário um novo patamar de contribuição. E acredito também que o IPTU de Santo André não é e nunca foi escorchante. Ao contrário: comparado de forma per capita com o IPTU de cidades de nossa região, observamos que estava de fato defasado e que precisava de reajuste real.
Evidentemente, já esperávamos que causaria problemas a combinação de alteração na Planta Genérica de Valores, com a retirada do teto que vinha represando série de reajustes, e a própria aplicação da progressividade do imposto. Por isso, deixamos na própria legislação um escape que foi a criação de uma comissão revisional, de propositura de novas estratégias tributárias, com a participação da sociedade. Já pressupúnhamos a necessidade de fazer pequenas correções pontuais. Aliás, essas correções pontuais o governo já começou a promover quando fez a lei do uso misto, reduzindo em muito a correção do IPTU para áreas ao mesmo tempo residenciais e comerciais.
Também temos outras correções que a bancada do Partido dos Trabalhadores e a bancada de sustentação no Legislativo vêm insistindo para que o governo faça.
O que os contribuintes podem esperar?
Klinger Sousa — Já apresentamos uma pauta com outras correções que o governo está aplicando para este ano, senão no ano que vem. Por exemplo: queremos permitir que o aposentado que tenha mais de um imóvel goze de desconto no imóvel em que reside. Hoje, se o aposentado tiver mais de um imóvel, perde o direito de desconto em todos, inclusive no que reside.
Também queremos permitir que o inquilino aposentado goze do desconto e não tenha de pagar IPTU cheio só porque o proprietário não é aposentado. Também queremos oferecer desconto oficial por tempo de contribuição. O contribuinte que detenha a mesma casa por mais de 20, 30 anos, passará a ter desconto especial como fator de depreciação do imóvel.
É importante ressaltar que estamos falando de um universo de no máximo 15 mil contribuintes do total de 150 mil, ou seja, 10% dos lançamentos. Não é porque temos 15 mil casos a serem examinados que vamos desqualificar uma proposta para 150 mil contribuintes.
Você acha que paga pouco IPTU?
Klinger Sousa — Acho que sim. Pagarei este ano R$ 170 que, com desconto, dá R$ 135.
E você mora num bairro central, de classe média?
Klinger Sousa — Exatamente. Moro num edifício, meu apartamento não é de luxo como alguns divulgaram. Meu apartamento tem dois quartos, sala, cozinha, banheiro. Não tenho suíte em meu apartamento. O valor venal é estimado em R$ 70 mil, mas estimo estar defasado porque não venderia meu apartamento por menos de R$ 130 mil.
Todos os condôminos do prédio em que você mora estão em situação semelhante?
Klinger Sousa — Todas as pessoas do prédio têm imóveis do mesmo valor porque os apartamentos são iguais.
E a vizinhança estaria na mesma situação?
Klinger Sousa — Não fui conferir o IPTU de ninguém, mas presumo que sim. Como vereador, fiz um requerimento de informações ao Executivo para que me informe os critérios pelos quais fizeram o lançamento de IPTU no meu prédio porque, dada a polêmica em torno do caso, também fiquei curioso.
O vazamento dos valores do IPTU de seu imóvel teria partido de onde?
Klinger Sousa — Não sei. Entreguei o caso à investigação das autoridades. Fiz um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil, que está empenhada em investigar, porque se trata de crime, isto é, de vazamento fiscal não autorizado. Também fiz, como vereador, um requerimento de informações ao Executivo municipal solicitando providências no sentido de averiguar se o vazamento se deu a partir de dentro da Prefeitura. E também entrei com ação na Justiça de Santo André contra o veículo de comunicação que divulgou esse vazamento.
À parte esse suposto benefício de valor reduzido do IPTU, sua exposição pública não teria o lado positivo de provar que o grosso da população de Santo André paga pouco IPTU? Afinal, há milhares de contribuintes na situação em que você se encontra.
Klinger Sousa — Diria que sim, porque não acredito que minha situação seja especial. Até porque em nenhum momento advoguei nesse sentido ou acreditei que o governo se curvasse a qualquer pedido dessa natureza. Quero crer que meu exemplo sirva para mostrar que há distorções em todos os lados. Tanto de imóveis subvalorizados quanto de moradores que já não dispõem de recursos financeiros compatíveis com seus imóveis.
Não é interessante essa mudança de eixo de populismo com o IPTU? Nos tempos de inflação farta e correção monetária, os prefeitos de plantão subestimavam o imposto e agora, tempos difíceis que exigem recuperação dos valores, a oposição age como a situação anteriormente, isto é, de forma extremamente populista.
Klinger Sousa — O que se observa em Santo André é um comportamento pouco responsável da oposição. Em nenhum momento eles se colocam interessados em discutir o financiamento da cidade. Estamos vivendo num Brasil em que o governo federal chama os governos estaduais para discutir novo pacto federativo tributário. A discussão é no sentido de se fazer ampla revisão do lançamento tributário e uma nova redistribuição federativa desses tributos. Duvido que os municípios possam sobreviver apenas de repasses da União e dos Estados se não tiverem a responsabilidade de financiar serviços e obras com impostos de interesse local e cobrados no âmbito do Município, como o ISS e o IPTU.
A discussão hoje é no sentido de que o ISS seja estadualizado. Então, restará aos municípios fundamentalmente como elemento de arrecadação, além dos repasses, os impostos sobre as propriedades urbanas e os derivados do Estatuto da Cidade, vinculados à questão do novo modelo de urbanização.
Isso significa que os municípios vão ter de se preparar muito mais tecnicamente para a arrecadação inteligente e economicamente competitiva dos impostos próprios?
Klinger Sousa — É evidente. Os municípios precisam se preparar para isso e é fundamental que o façam, senão viveremos essa ficção tributária em que todos ficam com o pires na mão, pedindo recursos para o Estado e para o governo federal, e fazendo média no âmbito interno municipal. A oposição que critica o corajoso reajuste do IPTU é uma oposição que não faz essa discussão. É uma oposição oportunista, que está procurando se aproveitar de um sentimento que é absolutamente legítimo do povo brasileiro.
Aliás, é bom que se diga, o povo brasileiro que reage ao aumento de tributos não está reagindo especificamente contra uma questão local, mas contra um País que tem uma das maiores cargas tributárias e um dos piores níveis de prestação de serviços do mundo.
O dinheiro suplementar de receita com o IPTU agrava a necessidade de aplicação orçamentária, não é verdade?
Klinger Sousa — Exatamente. Esse recurso suplementar que o IPTU traz precisa ser investido no conjunto da cidade, não em uma ou duas grandes obras com potencial de projeção além dos limites de Santo André.
O que o PT precisa fazer para ganhar as eleições em Santo André em 2004, pela terceira vez seguida?
Klinger Sousa — O partido precisa cerrar fileiras em torno da liderança do prefeito João Avamileno, mas precisa exercer papel crítico em relação à proposta de governo que está sendo apresentada. Corremos o risco de não ser entendidos de forma adequada pela cidade e de sermos apresentados como um partido que perdeu sua estrela e que, ao perder essa estrela, perdeu o seu brilho.
É muito provável, diante do que já se apresenta como antídoto, que o IPTU não seja o grande tema da oposição na campanha eleitoral. Entretanto, há mais que tendências, uma carga dupla que balizaria o comportamento de quem quer tirar o PT do Paço Municipal: primeiro a conversão dos amigos mais próximos de Celso Daniel em algozes; segundo, eventual novo requentamento de denúncias de irregularidades na gestão do próprio governo Celso Daniel. O PT está preparado para esse enfrentamento?
Klinger Sousa — O Partido dos Trabalhadores designou o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh para acompanhar todas as investigações a respeito da morte do prefeito Celso Daniel e apresentar parecer conclusivo à direção nacional do partido. O deputado acompanhou todos os depoimentos, todo o trabalho da Polícia Civil do Estado de São Paulo, esteve em todos os interrogatórios até a conclusão final do inquérito e ficou convencido de que o resultado encontrado pela Polícia Civil do Estado é o que corresponde à verdade.
Mesmo assim, hoje, dentro desse universo de suspeição que a mídia e a própria oposição trazem em relação à morte do prefeito Celso Daniel, aparecem figuras dentro do próprio Partido dos Trabalhadores, como o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, que ainda suspeitam e tentam bater na tecla de que o crime é político. Não sei, diante dessas circunstâncias, se o Partido dos Trabalhadores está preparado para enfrentar essa situação.
Posso dizer e garantir que eu estou preparado. Eu, que já fui acusado de tudo, desde participar de esquema de tráfico de drogas porque meus telefones foram grampeados pela Polícia Federal sob esse mote, e hoje a própria Justiça Federal, através de despacho de desembargador federal, obrigou a destruição das fitas e desqualificou o juiz, nominando-o como incompetente para executar a autorização do grampo telefônico; eu que já fui acusado de ter participado da quadrilha que matou o prefeito Celso Daniel; eu que já fui acusado de ter participado de quadrilha que faz corrupção e extorsão em Santo André; eu que já fui acusado de fraudar licitações; eu estou me defendendo de todas as acusações e mais: estou partindo para acusar meus detratores.
Estou indo à Justiça contra meus detratores porque não vou aceitar o pacto da mediocridade que leva à impunidade, ou seja, na medida em que cessam as acusações contra mim, me dou por satisfeito. Não, não vou aceitar esse pacto, porque o senso comum é muito sábio. O senso comum diz que se houve um escândalo acusando alguém e se esse alguém é culpado, ele tem de ir preso. Se esse alguém é inocente, ele tem de punir quem o acusou indevidamente. Se eu não sou acusado e não vou preso, é porque sou inocente. Se sou inocente e não atuo contra aqueles que me acusaram indevidamente, estarei contribuindo para esse pacto da impunidade na sociedade na medida em que é criado um clima de impunidade, porque a sociedade sempre fica com a impressão de que os grandes escândalos não são resolvidos.
Já que o assunto é esse, qual sua avaliação sobre a postura do Paço Municipal, incluindo a colocação da placa no Centro Cívico cujos dizeres estimulavam as dúvidas sobre o assassinato de Celso Daniel?
Klinger Sousa — Recebi solidariedade muito grande do governo. O prefeito João Avamileno demonstrou o tempo todo confiança em minha inocência e me ajudou a encontrar advogados que pudessem me defender. Como presidente do PT de Santo André, ele também se mostrou solidário e fez com que o diretório discutisse e aprovasse um método de ajuda não só a mim, mas a todos os servidores que tinham sido envolvidos nas denúncias de irregularidades, no sentido de contribuírem com o pagamento dos advogados.
Por outro lado, no que diz respeito à posição política a ser levada a público, sinto que faltou um pouco de ousadia. Sinto que o governo sentiu não só o baque da morte do prefeito Celso Daniel, mas também o baque das denúncias e não conseguiu tomar uma posição e levá-la a público. Na medida em que há um debate público acerca das razões da morte do prefeito Celso Daniel, na medida em que o partido indica um representante e as conclusões não servem para o governo municipal formar opinião de sua expressão mais pública do próprio prefeito dizendo que o crime contra Celso Daniel está estacionado, na medida em que se mantém uma placa que diz Queremos Justiça, tudo isso contribuiu para a tese de que, de fato, existem coisas ainda a serem investigadas.
Ora, se existem coisas a serem investigadas, que o sejam. O que não posso é aceitar a idéia de que o Ministério Público do Estado de São Paulo vá ficar 50 anos para oferecer uma resposta. Já se passou um ano da morte do prefeito. Todos os envolvidos estão presos. Já ofereceram vários depoimentos. Temos notícias de que o Ministério Público já esteve novamente com eles. Se têm novidades, que sejam apresentadas à sociedade. Se não há novidades, que tenham a humildade de vir a público e dizer: olha pessoal, sabe todas aquelas suspeitas, aquelas ilações que levantamos a respeito do crime do prefeito Celso Daniel, elas são equivocadas, elas não existem. A versão que a polícia apresentou é a versão oficial.
Afinal, se a versão que a polícia apresentou não for a oficial, então a polícia está envolvida também? Então a polícia participou em alguma medida dessa grande trama para poder acobertar o crime. Ora meu Deus do céu, o que não podem é contribuir com esse clima de impunidade no País, de apresentar grandes escândalos e depois não se apresentar nenhuma solução.
Depois de tudo isso, da experiência dolorida de ser personagem de dois acontecimentos de repercussão nacional, qual sua visão sobre a mídia?
Klinger Sousa — Enxergo a mídia de forma crítica. Essa infeliz experiência que estou vivendo ainda me dá a sensação de que a mídia é muito superficial e existe para vender o escândalo do dia. Não tem nenhum compromisso com a verdade de médio e longo prazo, porque as verdades superficiais são muito tênues. As verdades superficiais, as meias-verdades, são passageiras. A verdadeira verdade é a verdade profunda. Precisamos de verdades fundamentadas, não de meias-verdades. Verdades que tenham avaliação crítica, que sejam produto de análise de médio e longo prazo.
Há gente dentro do PT trabalhando contra você, que ajude a colocar fogo nas idiossincrasias?
Klinger Sousa — Acredito que há um grupo no PT que torce contra mim, da mesma forma que há os que torcem contra o João Avamileno, contra o Vanderlei Siraque, contra o Luizinho (Luiz Carlos da Silva). Só não acredito que possa existir no partido um grupo que, por causa dessa torcida contrária, conspire contra os interesses do próprio partido.
Como será a reação do Paço de Santo André e da própria comunidade regional a esse desabafo histórico de um militante de um partido que, por tradição, resolve seus problemas internamente?
Klinger Sousa — Espero que seja uma avaliação que combine com o que estou apresentando, ou seja, com o objetivo de demonstrar internamente, mas principalmente para fora do partido, uma preocupação pela manutenção do Partido dos Trabalhadores à frente do governo municipal, de que temos propostas, de que temos projetos e de que, a despeito dos baques que sofremos, ainda somos a melhor alternativa para preparar a cidade para o futuro.
O PT, mesmo errando na condução do planejamento estratégico de Santo André, ainda assim é a melhor alternativa eleitoral em 2004?
Klinger Sousa — Não tenho dúvida alguma: mesmo errando, o PT é o melhor para Santo André. Não há no quadro sucessório, ainda, nenhum nome que apresente projeto alternativo para a cidade.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira