Entrevista Especial

A letra diz tudo
sobre as almas

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/06/2003

Uma frase escrita em um pedaço de papel pode significar atalho de muitos anos no caminho do auto-conhecimento. Sob o olhar dissecador de um grafólogo bem preparado, um bilhete ou manuscrito fornece informações valiosas sobre a qualidade do relacionamento amoroso, a estrutura dos negócios, o estado de saúde e tudo mais que se queira saber sobre a vida afetiva, profissional e social. Quem garante é o grafólogo Alexandre Santos, autodidata e há 18 anos estudioso dessa ciência que consiste em analisar características pessoais refletidas em frases e assinaturas. "Assim como a impressão digital e a íris, não existe uma letra igual a outra porque a escrita expressa a individualidade interior" -- explica.

Além de se dedicar a consultas e palestras, Alexandre Santos lê dois livros por semana por entender que a formação cultural do profissional é tão importante quanto os conhecimentos técnicos em grafologia.  "Quanto mais o grafólogo conhecer sobre a essência do ser humano, melhor e mais preciso será seu trabalho de avaliador e orientador" -- afirma o especialista de 38 anos, que atende na clínica Portal do Sol, em São Bernardo, e no bar holístico Taberna da Bruxa, em Santo André. 

Não é apenas dos livros que Alexandre Santos sorve informações que servem de combustível ao trabalho. Em fins de março ele se entregou a uma experiência cortante: depois de deixar a barba crescer, viveu sete dias largado nas ruas de Santos, no Litoral, a fim de concluir um livro sobre drogas, exclusão e indigência. "Tinha muitos relatos colhidos em oito meses de entrevistas com viciados em clínicas de recuperação, mas era preciso estabelecer contato com pessoas que fazem parte desse universo a fim de compreender a experiência das ruas e conferir realismo ao trabalho" -- conta.

Com a mesma veemência com que defende as possibilidades ilimitadas da grafologia, Alexandre Santos critica a qualidade da técnica utilizada por grafólogos em departamentos de recrutamento de candidatos a emprego. Segundo ele, o despreparo desses profissionais é obstáculo adicional à luta pelo emprego, ao lado de variáveis conhecidas como estagnação econômica e postos de trabalho em queda.   

O que é grafologia?

Alexandre Santos -- Grafologia é uma ciência com indícios de existir há mais de 500 anos e foi oficializada pelo abade francês Jean Hyppolite Mitchon por volta de 1850. Trata-se de uma ferramenta de auto-conhecimento cujo ponto de análise são as informações que a pessoa traz dentro de si. A letra é só uma forma de expressar as informações contidas dentro dela, e que dizem respeito ao comportamento nos campos social, afetivo, sexual, político, religioso, profissional e familiar.  

O papel do grafólogo é detectar os traços de personalidade e orientar dentro de um padrão socialmente aceito. A abordagem consiste em ajudar a desenvolver as potencialidades e a minimizar as fragilidades por meio da conscientização. Pode-se atuar no sentido de orientar as pessoas a não desenvolver determinados centros emocionais que são como calcanhares-de-Aquiles, como a ira e a competitividade e ambição exacerbadas. É por lidar com as profundezas do ser humano que a vivência do grafólogo se faz fundamental.  

Que avaliação você faz da grafologia no Brasil? 

Alexandre Santos -- Departamentos de recrutamento e seleção de empregados utilizam maciçamente a grafologia para saber se o candidato reúne características adequadas ao cargo. Mas a qualidade da grafologia utilizada nas empresas deixa muito a desejar e o resultado é que muita gente deixa de ser admitida por deficiência do grafólogo, que não sabe o que tem nas mãos.

Por que isso acontece?  

Alexandre Santos -- A primeira crítica é que as empresas colocam um fardo muito grande sobre os grafólogos que atuam com seleção de candidatos.  Sobre eles é depositada a enorme responsabilidade de encontrar o candidato certo. O problema é que a grande maioria dos grafólogos não está preparada para fazer análises mais profundas, que não se restrinjam à superficialidade e à rotulagem. É comum desqualificar com base em meia dúzia de características que não parecem favoráveis. Tem muita gente boa na rua porque existem péssimos selecionadores. A escrita fornece material rico para analisar os candidatos, mas o que tenho visto é que a grande maioria dos avaliadores não consegue fazer leitura adequada.  É muito mais fácil lavar as mãos e descartar do que assumir postura mais corajosa de pôr a mão no fogo por alguém que não se conhece. Frequentemente os supostos defeitos detectados são álibis para justificar a não contratação de alguém que pode ser excepcionalmente criativo ou empreendedor. Apostar num profissional é muito mais difícil porque é preciso ter embasamento muito grande para justificar a aprovação. 

E os grafólogos em geral não têm esse embasamento?

Alexandre Santos -- Afirmo com certeza que a maioria dos grafólogos que atua nas empresas não tem preparo suficiente. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro grande problema está na formação. Grafologia não é matéria de faculdade, de modo que o psicólogo ou administrador de empresas que quer se especializar encontra como opção um curso de 30 horas na Vila Mariana, em São Paulo. E em 30 horas não dá para ver nada. Aprende-se apenas a rotular.

Além disso, geralmente os grafólogos de recursos humanos nem conhecem as empresas ou os departamentos das empresas para as quais selecionam. Essa é uma deficiência gravíssima. Como avaliar uma pessoa na íntegra sem saber para o que se está avaliando? Digo mais: é impossível avaliar uma pessoa de forma satisfatória sem ter dimensão das nuances que fazem parte do universo humano. Por isso é indispensável que o grafólogo esteja sempre atento à necessidade de aperfeiçoar-se como ser humano. Da mesma forma que uma pessoa mais sensível e inteligente tem compreensão muito mais ampla ao ler um texto, o grafólogo mais maduro e experimentado consegue colher maior riqueza de significados ao analisar uma letra.  

Isso quer dizer que a avaliação do grafólogo também dependeria do arcabouço experimental construído ao longo do tempo? Quanto maior a maturidade humana, maior a capacidade para interpretar o conteúdo transmitido pela letra? 

Alexandre Santos -- Exatamente isso.

É possível detectar problemas de saúde por meio da grafologia?

Alexandre Santos -- Com absoluta certeza. A sensibilidade que o ser humano possui em todo o organismo é muito grande. Muito maior do que possamos imaginar. Quando existe fragilidade em um órgão, o corpo reage tentando eliminar o problema ainda que essa fragilidade não tenha intensidade suficiente para causar um incômodo, uma dor. Mesmo que a pessoa não sinta, o cérebro já registrou essa disfunção em nível inconsciente. No ato neuromuscular de escrever, o cérebro manda um comando para o braço informando que o processo já começou. 

Foram vários os casos em que eu disse: olha, cuide bem do seu coração, tome cuidado com seu fígado ou preste mais atenção no seu trato gastrointestinal. Mas muitas pessoas tendem a não levar muito a sério pelo fato de não estarem sentindo nada. Infelizmente a letra não mente e o aparecimento dos primeiros sintomas é apenas questão de tempo.

Ainda em relação à saúde física, que tem ligação estreitíssima com as emoções, comento um absurdo que acontece até entre cardiologistas. A industrialização do atendimento médico obriga pacientes a tratamentos puramente à base de remédios. Se a abordagem médica na terceira idade fosse de tratamento mais humano, voltado à elevação da auto-estima e da felicidade, automaticamente o coração dos idosos reagiria como nenhum medicamento é capaz de fazer. Mas, no contexto da medicina industrializada, o idoso sai do consultório como se ninguém tivesse dado grande valor à vida dele.

A pessoa à beira da morte também emite sinais pela letra?

Alexandre Santos -- Sim. Tristeza profunda, depressão e completa instabilidade emocional são características que indicam predisposição de tirar a própria vida. Além de suicidas, pessoas acamadas e doentes que estejam próximas da morte também expressam a fragilidade da saúde física pela forma como escrevem. Mas a percepção disso tudo depende muito do nível de conhecimento e da sensibilidade do profissional. Por isso leio dois livros por semana.

Livros sobre grafologia?

Alexandre Santos -- Não. Há anos não leio sobre grafologia. Hoje me comprometo a ler muito sobre filosofia, comportamento pessoal e medicina. No momento, me dedico muito a estudar a migrania, mais conhecida como cefaléia ou enxaqueca, mal que acomete 40% da população e tem merecido pouco destaque.

Aliás, a leitura é coadjuvante poderoso nas orientações que presto aos que me consultam. Recomendo determinados livros de acordo com o que as pessoas mais precisam, o que chamo de culturaterapia.  O conhecimento liberta tanto na esfera pessoal quanto na coletiva, de sociedade. A maior falência do nosso País não é financeira, mas moral e cultural. Tem muita gente que foi cara pintada na época do Collor, mas até hoje não sabe por que pintou o rosto. Até hoje não se deram conta de que foram manipulados por meia dúzia de políticos. Estamos nos revoltando com coisas irreais, fictícias, enquanto para os verdadeiros motivos de revolta não damos bola.

O que a grafologia pode oferecer ao mundo dos negócios?  

Alexandre Santos -- Especialmente para pequenos empreendedores, a grafologia pode ser ferramenta bastante útil baseada no princípio de que uma empresa é o reflexo do dono ou da soma dos donos. Ao analisar a letra dos sócios é possível saber se a empresa está no caminho certo ou se é necessário fazer mudanças de rota para evitar sobressaltos no futuro. 

Uma coisa muito fácil de ser levantada é se existe complementaridade estratégica entre os sócios. Se as virtudes de um cobrem as deficiências do outro e vice-versa.  Exemplifico: temos um presidente da República que é um líder carismático. Mas lá no começo de sua jornada, como metalúrgico, ele teve um mentor intelectual que foi o Frei Beto. Para alguns, subir num carro de som e inflamar toda uma platéia é mais fácil. No entanto, é preciso falar coisas coerentes; por isso é preciso que haja alguém na retaguarda para preparar o discurso. Muitas vezes o orador nato não tem a melhor coerência. Em uma empresa é a mesma coisa. Existe o sujeito que é visionário, empreendedor. Ele percebe que num determinado local dá para fazer um shopping center, que falta um cinema, um restaurante. Mas muitas vezes ele não tem capacidade de passar tudo para o papel, de controlar um cronograma de obras, de fazer um cálculo preciso de custos. O ideal é unir prospecção e controle na empresa assim como na vida pessoal busca-se o equilíbrio entre razão e emoção. A grafologia permite detectar essas características e orientar com base nas deficiências.

O desequilíbrio pode levar uma empresa ao buraco?

Alexandre Santos -- Certamente. Tem muita empresa que no momento está indo relativamente bem porque o empresário à frente dos negócios tem energia e leva na raça, no dinamismo, na luta, apesar de não ser e nem contar com um grande administrador. Mas se esse empresário é acometido de depressão, desânimo ou doença, vai tudo afundar porque ele não construiu nada sólido. Tudo depende muito da energia dele. Se essa energia diminui, a empresa se verá muito sensível aos problemas de mercado escondidos atrás dessa energia. 

Há casos em que é possível detectar desvios graves. Certa vez fui apresentado aos sócios de uma empresa e pela assinatura soube dizer que um deles estava doente. Logo em seguida fiquei sabendo que foi internado por alcoolismo. Além disso, as assinaturas apresentavam que a empresa era totalmente desorganizada, porque nenhum dos dois tinha estilo de organização.  

Num outro caso, ficou claro que a proprietária não havia definido seu pró-labore e retirava tudo o que a empresa lucrava para gastar na vida pessoal. Começou a acontecer algo muito comum no Brasil: pessoa física rica, pessoa jurídica pobre. Mas essa pessoa adoeceu, a empresa não tinha base sólida e ambos ruíram. 

Dá para reverter uma trajetória negativa apontada pelo estudo da letra?

Alexandre Santos -- O fato de constatar, com os dados do momento, que a empresa pode vir a se dar mal não significa necessariamente que a empresa vá se dar mal se as devidas precauções forem tomadas a tempo.  Um médico avisa que o paciente vai morrer logo se não deixar de fumar e adotar estilo de vida mais saudável. 

Outra solicitação constante diz respeito à necessidade de melhor compreender relacionamentos afetivos. Muita gente me procura para saber se a relação amorosa tem probabilidade de dar certo ou não.

E a grafologia contribui nesse caso?

Alexandre Santos -- Claro.  A grafologia pode ser utilizada para avaliação e orientação em todos os tipos de relacionamento humano. No caso das sociedades empresariais, os objetivos são a eficiência e o lucro. Nos relacionamento afetivos, as metas são a felicidade e o bem-estar. Recentemente aconteceram dois casos muito interessantes. Ao pegar as letras de um casal cujo relacionamento estava em fase de amadurecimento, ficou claro que a moça carecia demais de segurança ao passo que o rapaz era muito sonhador, futurista. Ele vivia de sonhos, de promessas, de ilusões, enquanto a namorada necessitada de estabilidade. Isso estava desgastando demais o relacionamento, que não se solidificava. Expus as diferenças, orientei no que julguei necessário e o casal aceitou numa boa.

Mas tem conserto uma relação na qual os protagonistas divergem sobre valores profundos? 

Alexandre Santos -- Na maioria dos casos não. Entretanto, se no momento toda a energia deles estiver concentrada para viver aquele relacionamento, por mais difícil que seja, não serei eu que vou dizer para não viverem. Procuro mostrar que existem incompatibilidades sérias para que as pessoas não vivam enganadas e sofram muito no futuro. Entretanto, a decisão final é sempre de quem vive a situação. 

E o outro caso?

Alexandre Santos -- A moça tinha bloqueios sexuais devido a traumas de educação; o que é muito comum. A impaciência apresentada pelo rapaz começou a gerar desgaste numa área fundamental. A sexualidade é fonte de energia vital da qual dependem todas as demais áreas. Um bloqueio no campo da sexualidade gera travamentos em vários outros campos. O sexo para os animais irracionais tem o fundamento da reprodução. Para os animais racionais também tem a função de trazer equilíbrio emocional. A energia vital reprimida alimenta centros traumáticos como a amargura, a depressão e a frustração.

Uma pessoa não realizada sexual e emocionalmente não rende profissionalmente tudo o que poderia render e pode até se tornar hetero-agressiva, isto é, aquela que repudia o sexo oposto como se estivesse combatendo tudo o que ela sofreu com as frustrações dos sonhos não realizados. É um comportamento muito comum que está embutido no ditado popular quem desdenha quer comprar. 

Num espaço holístico onde estava dando palestra, peguei a letra de uma moça que denotava impedimento para maiores realizações na vida. Essas consultas informais são muito comuns. Nas palestras, avalio de 50 a 80 caligrafias em duas ou três horas, com taxa de acerto de 100%. Reservadamente, pois o caso era delicado, disse à moça que ela tinha um grave bloqueio emocional adquirido na infância. Além disso, a letra transmitia rejeição pela figura paterna. Assim, deduzi que ela tinha sido abusada pelo pai. Depois de ganhar confiança, ela contou que havia sofrido violência sexual por parte do padrasto.

A grafologia permite descer a essa riqueza de detalhes?

Alexandre Santos -- Mostre-me um filme mas não me mostre uma letra...  É muito claro quando as pessoas estão procurando um parceiro ou uma parceira, quando as pessoas não se realizam sexualmente, quando as pessoas sofrem de anorexia sexual ou social, que é não ter vontade de fazer sexo ou se relacionar com a sociedade.  

Também é possível detectar quando a pessoa apresenta distorções no comportamento sexual e quando há interesse muito grande por sexo fora dos padrões normais. Até a aberração da pedofilia é facilmente identificável. Dá para detectar, inclusive, o quanto preparada uma pessoa está para ouvir suas próprias verdades, com base na avaliação do grau de maturidade. 

Você tem outros projetos além de orientar pessoas, empreendedores e casais com o suporte da grafologia?

Alexandre Santos -- Um dos meus objetivos é transformar a grafologia em instrumento de melhoria social. Desenvolvi um projeto pelo qual professores podem detectar problemas nos alunos antes que venham a utilizar drogas ou resvalem para a criminalidade. Ao identificar desequilíbrios emocionais e propensões negativas na letra, pode-se fazer trabalho preventivo para evitar o pior. 

Também quero realizar um congresso sobre grafologia no Grande ABC, para mostrar a vasta aplicação dessa ciência. Atualmente grafologia no Brasil é como água potável para lavar calçada, isto é, está sendo mal e porcamente utilizada quando poderia ter aplicação fabulosa.

Além disso, pretendo continuar com as investidas experimentais que servem de alicerce ao meu trabalho. A fim de concluir um livro sobre drogas e delinquência, passei a última semana de março travestido de louco varrido pela ruas de Santos. Fiquei uma semana sem escovar os dentes e três dias sem comer, mas voltei com um material valioso que só a convivência com o mundo real das ruas poderia proporcionar. Além deste, tenho cinco livros escritos porém não publicados, sobre comportamento sexual, análise grafológica de presidentes da República e a maior pesquisa sobre grafologia já realizada no Brasil. Passei seis meses isolado no Rio de Janeiro para produzir 2,5 mil folhas de manuscritos. 

Para escrever o livro sobre comportamento sexual fui buscar parte da matéria-prima nos prostíbulos. Descobri que as prostitutas não denotavam erotismo ou promiscuidade na letra por enquadrar as relações num contexto estritamente profissional. Já com os homens era diferente. A letra de muitos frequentadores apresentava sérios distúrbios emocionais supridos por aquelas mulheres. Para ter acesso à letra dos clientes obtive autorização do gerente da boate sob o pretexto de fazer um concurso de poesias, cujo prêmio foi o pagamento de um programa e das demais despesas do vencedor.



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