Administração Pública

Futuro ainda
é sobre rodas

WALTER VENTURINI - 05/06/2003

São Bernardo, 2009, talvez já em 2008. As ruas centrais estão desimpedidas no final da tarde, com poucos veículos. A população prefere o transporte coletivo que utiliza corredores expressos de trólebus e ônibus para ir a bairros e cidades vizinhas. Caminhões pesados e carretas circulam em vias apropriadas, afastadas do Centro. Ir do Paço Municipal ao Rudge Ramos ou da Paulicéia ao Bairro Baeta Neves não leva mais do que 10 minutos. 

Cenas assim, impossíveis nos dias de hoje, estão sendo discutidas e planejadas por técnicos da Prefeitura de São Bernardo a fim de provar ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que há uma relação custo-benefício extremamente favorável no investimento de nada menos que US$ 275 milhões (quase um orçamento anual do Município) para reformular totalmente o sistema viário da cidade. Circulação rápida é condição básica para melhorar a qualidade de vida numa metrópole com estimados 730 mil habitantes e que quer voltar a ser competitiva aos investimentos da novíssima economia do século XXI. Estão previstas pelo menos 25 obras e intervenções urbanas nos próximos cinco anos, sem falar no megaviário representado pelo Rodoanel Metropolitano, que vai cortar São Bernardo pelo trecho sul.

Eliminar o caos das ruas de São Bernardo, incentivar a economia e principalmente melhorar a qualidade de locomoção de quem mora ou trabalha na cidade são condições impostas pelo BID para liberar empréstimo de US$ 165 milhões, que representa 60% do total do projeto. O restante, US$ 110 milhões, será custeado pelos cofres municipais. Nos últimos meses, técnicos da Prefeitura se debruçaram sobre calculadoras e pranchetas para mapear quanto e onde estariam as melhorias no transporte municipal. "O BID não financia a obra se não provar o retorno social. Temos localização privilegiada para a comunicação com o resto da Região Metropolitana de São Paulo. O que é necessário é velocidade de escoamento de produtos" -- explica Paulo Guidetti, ex-secretário de Administração e agora consultor da Secretaria de Projetos Especiais, criada especialmente para o empreendimento. 

Representantes do BID analisaram os estudos da Prefeitura nas últimas semanas. Na fase de execução do projeto estão previstas auditorias diárias da execução das metas. Uma equipe técnica do banco já avalia as propostas dos 10 consórcios que participam da pré-qualificação do processo de licitação do conjunto de obras e intervenções urbanas.

O ex-secretário de Finanças e agora secretário de Projetos Especiais de São Bernardo, Eurico Leite, que coordena o projeto, considera que a cidade tem rara oportunidade de mostrar a capacidade de sair do marasmo para potenciais investidores. "Nos encontramos próximos da maior estagnação que o Grande ABC já passou. Estamos num beco sem saída. A região deixou de ser interessante. As administrações anteriores não prepararam o Grande ABC para investimentos futuros. Temos de sair da inércia e investir na infra-estrutura municipal" -- considera Eurico Leite. O retorno é garantido, conforme afirma o secretário. Técnicos do BID estimam a taxa interna de retorno do investimento entre 12% e 15% ao ano.

O projeto viário em parceria com o BID será exposto pessoalmente pelo prefeito William Dib em Washington, no Latin American Leadership Forum (Forum de Liderança para a América Latina), dias 11 e 12 deste mês. Entre mais de 100 projetos latinos de infra-estrutura, 10 são do Brasil. Dib se diz otimista com a oportunidade de falar a investidores estrangeiros sobre caminhos que o Município procura para voltar a ser economicamente atraente.


Velocidade comercial -- Um dos principais componentes da equação para obter retorno financeiro e social é a velocidade comercial, um conjunto de números e conceitos que garante o escoamento rápido de cargas e passageiros em vias amplas, bem sinalizadas, seguras e, principalmente, livres de congestionamento -- praga que contamina o trânsito urbano em São Bernardo. "Quando se cria um semáforo de quatro fases, se retarda a velocidade comercial. O inverso é ganhar mais tempo para o trabalho, para o descanso e menos custo com combustível, além da redução dos indicadores de poluição" - resume o consultor Paulo Guidetti. 

Para calcular os nós do sistema viário, o setor de engenharia do projeto produz uma montanha de números e gráficos, entre os quais a pesquisa origem-destino, que levanta estatisticamente de onde sai e para onde vai quem circula pela cidade. Mesmo sem a finalização dos cálculos, os técnicos já mediram a lentidão dos principais pontos de congestionamento da cidade. As medições feitas até agora foram no horário de pico da manhã, entre 7h e 8h. Na Estrada das Lágrimas, uma curta via que liga São Caetano à Avenida Doutor Rudge Ramos, a velocidade de deslocamento dos veículos é de seis quilômetros por hora, enquanto que o ideal seria 30 quilômetros por hora. Outra via estratégica não só para a cidade mas para todo o Grande ABC e a Capital, o Anel Viário Metropolitano, no trecho entre a Avenida Lauro Gomes e a divisa com Diadema, registra velocidade média no pico da manhã de oito quilômetros por hora. Uma tragédia para uma região que pretende retomar a atratividade e o desenvolvimento econômico.

Para desatar o nó do sistema viário de São Bernardo, o projeto do BID, como está sendo chamado, prevê um Anel Viário Periférico que atraia todo o tráfego pesado, e mesmo de veículos, facilitando a ligação entre os bairros. O percurso desse anel inclui a Avenida Lauro Gomes inteiramente concluída, o trecho da Avenida Taboão que passa sob a Via Anchieta, a futura ligação de fundo de vale até a Avenida Robert Kennedy, a Estrada do Alvarenga duplicada até a Rodovia dos Imigrantes e a Estrada da Cama Patente (paralela à rodovia) até a Estrada Galvão Bueno, que será duplicada até a Avenida Maria Servidei Demarchi. A segunda transposição da Via Anchieta se dará por um viaduto até a Avenida Rotary. O trecho final do anel periférico liga a Rotary com as avenidas Luiz Pequini e Pery Rochetti, retornando à Lauro Gomes. O Anel Viário Periférico está planejado para ter duas pistas, poucos semáforos e ser alternativa para o tráfego pesado que congestiona as saturadas Rua Jurubatuba e a Avenida Faria Lima.


Transporte coletivo -- No novo mapa do sistema viário de São Bernardo o tráfego pesado fluirá por vias alternativas como a Avenida Lauro Gomes, deixando a congestionada Avenida Senador Vergueiro prioritariamente ao transporte coletivo. O mesmo deve ocorrer com a também crítica Avenida Humberto de Alencar Castelo Branco, no Bairro Alves Dias, que será aliviada por duas vias: a Avenida Juscelino Kubistchek, duplicada, e uma avenida a ser construída no fundo de vale do córrego da Linha Camargo. Ficará mais fácil, por exemplo, ir de uma empresa na Avenida Piraporinha para outra no vizinho Bairro do Taboão. 

O projeto do BID prevê ainda os mini-anéis, ligações entre os dois lados da cidade separados pela Via Anchieta, além de novos viadutos e trevos de acesso à mesma rodovia. Para melhorar o sistema viário, São Bernardo firmou convênio com a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) e o Metrô para consultas e negociações de novos projetos. Na alça de mira da Prefeitura está o gerenciamento e o melhor aproveitamento da linha do trólebus entre o Terminal Ferrazópolis e o Terminal do Centro para eliminar o intenso tráfego de ônibus na Rua Jurubatuba. No mesmo convênio, o secretário Eurico Leite antecipa um estudo que prevê ônibus circulando em canaletas próprias entre São Bernardo e São Caetano.

Diante de tantos planos, surge a discussão sobre o custo total do projeto. Há quem veja o projeto do BID como uma bomba-relógio financeira que pode estourar nos próximos anos. "É quase um orçamento de São Bernardo, e em dólar. Acho que a Prefeitura não tem esse dinheiro" -- afirma o vereador Tião Mateus, autor de requerimento que convocou o secretário Eurico Leite para detalhar na Câmara a viabilidade do projeto, cujo empréstimo do Banco Interamericano vai custar à cidade 3,5% ao ano.

O orçamento da Prefeitura de São Bernardo para 2003 é de R$ 988 milhões, um pouco acima do custo total do projeto, estimado em R$ 825 milhões com o dólar a R$ 3. A Secretaria do Tesouro Nacional e o Banco Central deram sinal verde ao projeto no final de 2002, mas a aprovação final ainda depende de avaliação técnica do Senado. Atualmente, a Prefeitura de São Bernardo tem condições de comprometer cerca de 15% do orçamento municipal em investimentos, de acordo com Eurico Leite. O secretário prevê que para 2004 e 2005 a capacidade será ampliada para aproximadamente 18%. O vereador Tião Mateus vê os planos de arrecadação do secretário com um pé atrás. "Hoje São Bernardo tem dificuldade até para pagar precatório" -- aponta o parlamentar.

Eurico Leite lembra que a solução para os precatórios começou quando ainda ocupava a Secretaria de Finanças, em 2001, ano em que a administração pagou R$ 55 milhões. Em 2002, foram quitados outros R$ 28 milhões e para 2003 estão previstos aproximadamente R$ 35 milhões. De acordo com o secretário, tanto o atual como o futuro prefeitos só terão mais sete anos para pagar todos os precatórios. "A Prefeitura não tem atrasado o pagamento para nenhum fornecedor, em nenhum dia. Tivemos superávit primário de R$ 48 milhões em 2002. Não existe nenhuma cidade da região que se aproxime de 10% disso" -- desafia o secretário de Projetos Especiais.


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