Administração Pública

Quando se cria,
tudo se aproveita

WALTER VENTURINI - 05/08/2003

Criatividade e parceria são os ingredientes da pioneira iniciativa de tratar o esgoto de bairros às margens da Represa Billings, em São Bernardo. A experiência começou no Jardim dos Pinheiros, onde uma pequena ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) foi construída com recursos da Prefeitura e da comunidade, inovação que superou as formas previstas em lei. Outros dois bairros da área de mananciais negociam a implantação de uma segunda estação, cujo funcionamento significará tratar 5% do esgoto domiciliar da cidade despejado na represa.

Durante anos, Prefeitura, Ministério Público e ambientalistas quebraram a cabeça na tentativa de enfrentar a contaminação da Represa Billings pelo despejo do esgoto domiciliar. A ocupação desordenada e irregular em muitas áreas às margens do reservatório está na origem da poluição de uma das mais importantes reservas de água doce da Grande São Paulo. Um primeiro passo para solução do problema foi dado quando moradores do Jardim dos Pinheiros sugeriram que eles próprios custeassem a construção de uma mini-estação de tratamento do esgoto dos cerca de 3,4 mil habitantes do bairro.

A nova Lei de Proteção aos Mananciais prevê obras de infra-estrutura e saneamento para despoluir a represa. Os moradores devem, pela legislação, adquirir terreno correspondente a 35% da área do bairro para preservação da vegetação natural, a título de compensação pela ocupação irregular. "Achamos ridícula a proposta para compra de área de preservação porque, na verdade, não iríamos ter qualquer ganho ambiental" -- afirma o presidente da Associação Amigos do Jardim dos Pinheiros, José Oliveira, que participou da discussão para solução do problema. Ao invés de adquirir um terreno, conforme prevê a lei, a entidade presidida por Oliveira ousou e assumiu o custo de R$ 430 mil junto à construtora Emparsanco, que fez a primeira ETE em área de proteção aos mananciais do Brasil.

O acordo foi firmado por meio de um Termo de Ajuste de Conduta negociado entre comunidade, Ministério Público e Prefeitura de São Bernardo, cuja contrapartida foi a construção de 4,4 mil metros de rede coletora de esgoto, guias e sarjetas e realização de melhorias como o ajardinamento das margens da represa, onde antes era um capinzal. Cada uma das 816 famílias vai pagar 20 parcelas de R$ 28. Para os estabelecimentos comerciais e proprietários de casas de aluguel, o valor é de R$ 35. Ao final, a ETE será doada ao DAE (Departamento de Águas e Esgoto), que assumirá a manutenção e operação da estação. "A compra de terreno como compensação não resolveria todos os problemas porque os moradores continuariam a lançar o esgoto na represa" -- avalia a diretora de Meio Ambiente da Prefeitura, Sônia Lima.


Baixo custo -- São Bernardo coleta 97% do esgoto e trata apenas 2%. O restante vai para o rio Tamanduateí. Na periferia o tratamento sanitário de pequenas populações é solução de baixo custo, não exige mão-de-obra especializada para concepção, execução e manutenção, além de poder ser implantado em uma pequena área. Com o amparo da nova lei, foi possível a construção da ETE em área de manancial, já que antes a única solução era bombear o esgoto das localidades de mananciais para a bacia do Tamanduateí e daí para a ETE ABC, situada na divisa entre São Paulo e São Caetano. "O mais caro é transportar o esgoto para fora da bacia" -- explica a diretora de Meio Ambiente. O custo estimado para cada litro de esgoto bombeado para fora dos mananciais fica em torno de R$ 0,50 e, no caso dos bairros da Billings em São Bernardo, pressupõe obras caras como a construção de grandes estações de bombeamento e redes coletoras de grande porte.

Foram as soluções simples e baratas e a parceria inédita da comunidade do Jardim dos Pinheiros que serviram de base para outra negociação, ainda em curso, entre Prefeitura, Ministério Público e moradores para erguer nova ETE que processará o esgoto dos cerca de sete mil habitantes do Jardim Canaã e Parque Los Angeles, próximos ao Jardim dos Pinheiros. A proposta é que as duas ETEs tratem o esgoto de 5% dos aproximadamente 200 mil moradores de bairros situados à margem da Billings.

A segunda ETE, no entanto, contará com participação de novos parceiros. Ex-proprietários e loteadores das duas áreas, também responsáveis pela ocupação irregular, vão ter de contribuir para sanear a represa. A rede de esgoto será custeada pelos ex-proprietários das glebas, enquanto o loteador fará a arborização. O MDV (Movimento de Defesa da Vida), organização não-governamental, vai implantar projeto de educação ambiental nos dois bairros, com os custos pagos pelos ex-proprietários da gleba do Jardim Nova Canaã.

As ETES são equipamentos simples e eficazes. No caso da estação do Jardim dos Pinheiros, foram 400 metros quadrados de área construída e capacidade de processar 25 metros cúbicos de esgoto por hora. A meta de eficiência é devolver para a represa água com grau de pureza entre 95% e 97%. A primeira etapa do tratamento é feita em duas pequenas caixas de concreto, onde o esgoto é filtrado e decantado para retirada de areia. Em seguida, o esgoto passa pelo reator anaeróbico de fluxo ascendente, onde a água passa por uma camada de lodo que remove cerca de 60% da carga orgânica.

O esgoto passa a seguir por três tanques anóxicos, onde é feita a injeção de oxigênio que alimenta as bactérias que processam o restante da carga orgânica da água. Nova passagem por um decantador ajuda a purificar mais a água, que ainda está escura pelo excesso de fósforo e nitrogênio. Esses elementos químicos serão filtrados naturalmente quando a água passar por um último tanque contendo raízes de plantas como o lírio do brejo, que absorvem o fósforo e o nitrogênio, responsáveis, por exemplo, pela proliferação das algas verdes na represa. O acordo com o Ministério Público não permite que sejam utilizados produtos químicos para a purificação. No entanto, uma água quase transparente sai por um cano diretamente para a Billings. Pelo grau de pureza, poderia, por exemplo, ser usada para irrigação de jardins.


Transformação ambiental -- Não só água tratada e devolvida à represa veio com a nova ETE. Uma operação de transformação ambiental de maior porte está em curso. Além da instalação da rede de esgoto no bairro, a Prefeitura pavimentou as ruas de terra com asfalto ecológico, produto que permite a infiltração de água nas vias e evita enxurradas e erosões. A comunidade se dispôs a construir calçadas ecológicas, com metade da área pavimentada e a outra gramada, também para permitir infiltração de água da chuva. Um subproduto do tratamento do esgoto na ETE, o gás metano, resultado da fermentação orgânica dos detritos, poderá ser aproveitado como combustível na iluminação da própria estação. Estudos de viabilidade para essa utilização estão em curso.

"Vamos fazer agora projetos de geração de emprego e renda que levem em conta talentos e habilidades da comunidade e o perfil ambiental do Jardim dos Pinheiros" -- anuncia a diretora de Meio Ambiente, Sônia Lima. A proposta da Prefeitura é ajudar os moradores a plantarem canteiros com ervas medicinais que seriam vendidas em um entreposto com produtos Billings, com selo de qualidade ambiental. Outro projeto é a instalação de tanques para criação de peixes, com destinação para pesca de lazer ou mesmo para alimentação dos moradores. Também está nos planos a recomposição da mata ciliar das margens da represa com espécies nativas da Mata Atlântica e plantação de quatro mil mudas de árvores de 72 espécies em todo o bairro.

A transformação promete ser radical. De bairro com ruas onde crianças pisavam no esgoto a céu aberto, o Jardim dos Pinheiros pode se tornar um pólo de lazer para a cidade. O visual das casas, a maioria ainda sem reboco, pode melhorar com programa de incentivo para conclusão das residências e pintura das fachadas. "O Poder Público tem de fortalecer a organização, a convivência social e a sustentabilidade dos programas" -- declara Sônia Lima. Moradores também estão satisfeitos com as mudanças. "O bairro está melhor. Antes o terreno era vendido a R$ 5 mil e hoje vale R$ 17 mil. Ficou melhor até para a saúde dos moradores" -- afirma José Oliveira, presidente da Associação Amigos do Jardim dos Pinheiros.

Para a Prefeitura de São Bernardo, a questão é bem mais ampla do que a despoluição da represa. "Avaliamos que a queda da oferta de água mudou a vocação da Billings, que deve estar toda voltada à preservação para consumo humano. Podemos desenvolver o potencial do lazer e turismo não só pela represa, mas também pela Mata Atlântica, que ocupa 18% da área do Município" -- planeja o secretário de Habitação e Meio Ambiente, Osmar Mendonça. No alvo multiplicado do secretário estão estudos para aproveitamento turístico como o da Trilha do Carvão, que faz parte da história econômica de São Bernardo, bem como o incentivo a competições de vela na represa, que depois de 25 anos voltou a abrigar uma regata. Osmar Mendonça lembra que a Billings tem o melhor regime de ventos para disputas a vela no Brasil, superior até que em Angra dos Reis ou mesmo na Baía da Guanabara. 


Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André