O governo de Santo André trocou abruptamente de comandante, mas a rota pré-estabelecida foi seguida com determinação pelo ex-sindicalista João Avamileno. Por isso, o Paço de Santo André não sofreu os sobressaltos comuns às alternâncias de controle. Nesta entrevista João Avamileno conta como foi assumir a Prefeitura num contexto tão indesejável, lembra de algumas lições do prefeito assassinado, fala sobre o que espera dos aliados e dos adversários e dá algumas pistas de como pretende liquidar no primeiro turno a eleição de 2004.
O que mudou na vida familiar depois que o senhor assumiu a Prefeitura?
João Avamileno -- Devido às circunstâncias traumáticas em que assumi o governo, logo após o assassinato do companheiro Celso Daniel, a preocupação com minha segurança passou a ser muito cobrada pela família. Tivemos que mudar da casa onde moramos por 32 anos, na Vila Lutécia, para um apartamento. Não foi decisão fácil deixar a casa que construímos em família e onde passei a maior parte da vida. Mas minha esposa e meus filhos compreendem que o cargo exige alguns cuidados.
Já a rotina de trabalho não mudou muito porque minha vida nunca foi tranquila. Fui dirigente sindical no período duro da ditadura militar, participei da fundação da Central Única dos Trabalhadores e do Partido dos Trabalhadores, fui vereador em Santo André, além de vice-prefeito nas duas últimas gestões de Celso Daniel. Sempre tive uma vida muito ocupada, assim como minha esposa (Ana Maria Meireles Avamileno, com quem é casado há 39 anos), que é proprietária de uma confecção de roupas. Por isso procuro aproveitar ao máximo o tempo com ela, quatro filhos (um adotivo) e cinco netos.
A lição do futebol de que o entrosamento vale ouro nas conquistas também é válida para a administração pública?
João Avamileno -- Claro que sim. Como líder sindical e político, sempre tive a sistemática de trabalhar no coletivo, de trabalhar em equipe, de confiar nas pessoas que me rodeiam. Dentro da fábrica, como funcionário da Pirelli Pneus, sempre procurei unificar os trabalhadores. Em qualquer ambiente há transtornos, discussões, ciúmes e brigas. Isso é humano. E dentro da fábrica sempre procurava amenizar essas situações, buscar a conciliação interna com foco nas negociações. Foi essa postura que me conduziu à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, além de dirigente da CUT.
Como sempre me acostumei a tomar decisões, e não a ficar fiscalizando o Executivo, não me identifiquei no papel de vereador (exercido de 1993 a 1996, na gestão do ex-prefeito Newton Brandão). Por isso ingressei como vice na chapa de Celso Daniel, de quem já era amigo há muitos anos e com quem atuei na fundação do PT.
Sobre que lições deixadas por Celso Daniel o senhor se detém com maior zelo?
João Avamileno -- Uma das maiores foi o amor pela cidade. Tudo o que Celso fazia era pensando na cidade. Esse legado combina com minha história de vida porque Santo André me acolheu em 1960, quando tinha 16 anos e vim de Itapuí, perto de Jaú, no Interior de São Paulo, em busca de melhores condições de trabalho na região que era vista como a potência industrial da época. Também assimilei de Celso Daniel aspectos importantes da administração pública, como a transparência nas ações, o zelo pelo bem público, os esforços pela inclusão social, o respeito pelos cidadãos e o planejamento da ação municipal.
Coragem é outro traço de Celso Daniel que procuramos seguir. Quando assumimos a Prefeitura em 1997, precisamos cortar na carne, enxugar pessoal e reduzir salários e jornadas de trabalho para amenizar a situação financeira da Prefeitura. O Celso sempre foi corajoso nas atitudes, seja para reverter situações difíceis, seja para implantar programas e projetos.
O senhor acredita que a sucessão eleitoral se dará em alto nível ou haverá novas tentativas de atingir o Paço Municipal com denúncias?
João Avamileno -- Na disputa eleitoral sempre existem adversários que procuram criar fatos políticos. O PT sempre foi vítima dessa forma inadequada de fazer política. Verificamos isso na eleição federal passada, quando Santo André foi alvo de denúncia até hoje não comprovada.
É bom lembrar que meu nome nunca esteve relacionado a nenhuma denúncia. O alvo prioritário era a campanha nacional do PT. Os ataques à honra de nossa cidade são lamentáveis, mas compreensíveis no contexto político-eleitoral. Santo André é uma das melhores vitrines do PT porque é um grande município, que se tornou referência em administração pública com políticas e projetos premiados nacional e internacionalmente.
O PT de Santo André vai repetir o PT nacional ao costurar alianças com partidos à direita do espectro político para dar sustentabilidade eleitoral e administrativa ao seu eventual novo mandato?
João Avamileno -- O PT de Santo André sempre acompanhou as definições do PT nacional. E o PT local está aberto a essa discussão. Tivemos em 2000 uma coligação grande com nove partidos. Esses partidos, que ainda nos acompanham no governo, ajudaram a construir uma cidade melhor. Não há razão para não continuar com esse apoio nem para desprezar a possibilidade de expandir o leque. Estamos abertos a discutir com todos os partidos dentro do campo decisório do PT nacional para que possamos dar continuidade ao nosso governo. Gostaria de caminhar com partidos da importância do PMDB, PDT e PSB, além dos que já estão conosco como PC do B, PV, PHS, PCB e PMN.
Mas existe a perspectiva de alguns desses partidos lançarem candidatos próprios, não é?
João Avamileno -- São especulações pré-eleitorais. Lógico que os partidos têm autonomia e isso pode acontecer. No momento eu considero especulação. Estamos conversando com todos os partidos que incorporam as decisões do PT nacional para que possamos ampliar o leque para 2004.
O IPTU vai ser um entrave nas próximas eleições ou o senhor entende que, por ter atingido residualmente o universo de contribuintes e também depois de medidas corretivas, não terá mais influência na avaliação do governo?
João Avamileno -- A polêmica foi passageira e não terá grandes efeitos. Tenho realizado reuniões em toda a cidade, nos centros comerciais e na periferia no âmbito do orçamento participativo, tenho me reunido com representantes de diversos setores e nessas andanças o questionamento sobre o IPTU tem sido muito pequeno em função do nosso governo e das mudanças que fizemos na cidade. O reajuste do IPTU foi necessário para garantir a manutenção dos serviços à população. Não é segredo que a participação de Santo André na distribuição do ICMS tem caído ao mesmo tempo em que as demandas sociais exigem investimentos. O realinhamento da arrecadação era fundamental.
Qual foi o momento mais delicado desde que o senhor assumiu o Paço?
João Avamileno -- Não dá para citar momentos delicados em especial. O que existe é a responsabilidade pelos rumos de uma das cidades mais importantes do País. Há algum tempo vinha me preparando para o cargo, já que havia a possibilidade de eu assumir a Prefeitura. Com a vitória de Lula, sabíamos que Celso Daniel teria papel de destaque no governo federal -- provavelmente como ministro da Fazenda ou do Planejamento -- e eu teria que sucedê-lo. Obviamente, não pela forma trágica e sob a série de ataques infundados com intuito de interferir no pleito nacional. Esses, sim, dois episódios tristes para citar.
Qual o segredo para o Paço de Santo André não ter sofrido estremecimentos internos que abalaram tanto o PT de Ribeirão Preto como o de Campinas com a troca de prefeitos eleitos em 2000?
João Avamileno -- Não vivi de perto a situação nessas duas cidades. Posso dizer que aqui conseguimos superar essas dificuldades porque mantivemos a estrutura da equipe de governo, os programas, os projetos que já vinham sendo trabalhados. Uma das primeiras providências ao assumir a Prefeitura foi reunir o secretariado e dizer: olha, estamos no mesmo barco, perdemos nosso comandante, agora eu sou o comandante e preciso de vocês para continuar nossos sonhos, que eram os sonhos do Celso.
Mas Santo André perdeu vários profissionais importantes para a estrutura montada por Marta Suplicy na Capital e por Lula em Brasília.
João Avamileno -- Para os andreenses em geral, é motivo de orgulho ter pessoas ligadas ao nosso projeto contribuindo com o governo federal, por exemplo, como o Gilberto Carvalho (ex-secretário de Governo) e Miriam Belchior (ex-secretária de Habitação e Inclusão Social).
Até que ponto a gestão de Lula da Silva vai influenciar as eleições municipais do ano que vem em Santo André? Eleições municipais se decidem com temáticas locais ou são vulneráveis à macroeconomia e seus efeitos sociais?
João Avamileno -- Sem dúvida se Lula melhorar o País, com geração de empregos e distribuição de renda, a influência será grande para Santo André. Mas tem uma coisa importante: a população de Santo André já conhece nosso governo. Em 2000, quando conquistamos 70% dos votos na reeleição, não tínhamos Lula no governo federal e ainda assim a população reconheceu nosso trabalho e as mudanças que fizemos na cidade. A influência não é decisiva, mas pode ajudar.
E se a macroeconomia não for bem em 2004 e adversários utilizarem isso como munição para bombardear o PT local?
João Avamileno -- É natural no processo eleitoral adversários usarem todas as armas. Mesmo assim, teríamos muito a dar à população com base no que fizemos em dois mandatos.
Haverá segundo turno nas eleições do ano que vem?
João Avamileno -- Desde que as eleições passaram a ter dois turnos para cidades com mais de 200 mil habitantes, Santo André nunca teve segundo turno. Estamos preparados para eventual segundo turno, mas nossa vontade e nosso trabalho são para que a tradição da resolução em primeiro turno seja mantida.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira