Administração Pública

Somos mesmo
todos iguais?

MALU MARCOCCIA - 05/09/2003

Pode dar errado um programa que, em vez de ações isoladas, ataca a exclusão social nas suas várias faces negras, como submoradias, baixa renda, crianças fora da escola e nenhum acesso a serviços públicos? "Não, não pode dar errado" -- responde de pronto a secretária de Inclusão Social e Habitação de Santo André, Rosana Denaldi, sobre o Programa Mais Igual, um ovo de Colombo que a cidade pôs de pé ao juntar numa única força-tarefa todas as políticas públicas de combate à pobreza e, mais do que isso, ao dinamitar os muros das várias secretarias envolvidas e acabar com as divergências de agendas. Obras, ações de saúde, educação de crianças e adultos, combate à violência, geração de emprego e renda, entre outras iniciativas, falam agora a mesma linguagem do resgate de uma população há décadas à margem da cidadania. "A proposta técnica de gestão municipal integrada é um achado. Se cada secretaria faz seu trabalho sozinha, fica muito difícil enfrentar as diversas dimensões da exclusão" -- diz Rosana.

O Mais Igual tem dado tão certo que em seis anos coleciona seis prêmios, inclusive internacionais, e não teme entrar na segunda fase com desafios anabolizados: ao mesmo tempo em que mais quatro favelas passaram a receber intervenções como asfalto, luz e saneamento básico, os quatro núcleos piloto trabalham para estruturar o gran finale da experiência, que é a Unidade de Negócios. Trata-se de um centro comercial e de serviços contendo posto bancário, restaurante, livraria, casa lotérica e outros empreendimentos úteis aos bairros, já que é exatamente essa a proposta do programa: transformar em bairros as favelas que vincam a face urbana das cidades com habitações e vidas precárias. 

A Unidade de Negócios Sacadura Cabral está praticamente pronta, com 17 lojas sob comando dos próprios moradores treinados para serem empreendedores, e agora se preparam para esse retoque econômico final os núcleos Tamarutaca, Quilombo 2 e Capuava. São 17 mil pessoas que passaram a se sentir, de fato, moradoras de Santo André. Com a inserção ao Mais Igual das favelas Espírito Santo, Maurício de Medeiros, Gonçalo Zarco e Gregorio de Matos, outros 9,5 mil habitantes passam a ser beneficiados pelas políticas de inclusão. A urbanização já começou na Espírito Santo e o programa Renda Mínima está sendo implementado na Maurício e na Gonçalo. Santo André tem 139 favelas, onde estão 120 mil dos 650 mil habitantes da cidade. Esta gestão promete estar beneficiando um quarto desse contingente até 2004.  

Para isso, o segundo desafio que a secretária Rosana Denaldi se colocou ao lado de consolidar os centros comerciais nos quatro núcleos pioneiros é estabelecer o que chama de Indicadores de Gestão e Resultados. Trata-se de um acompanhamento detalhado dos números e avanços qualitativos do Mais Igual, a fim de catalogar o que vem dando certo e corrigir os erros para as futuras experiências. "A urbanização de ruas é algo visível. Queremos agora medir outras iniciativas. Será que a criança evoluiu na escola com a complementação de renda que damos à família para tirá-la das ruas, será que a violência doméstica diminuiu com os trabalhos de cidadania e de gênero que desenvolvemos nos grupos de bairros, quantos ganham mais depois de terem passado por programas de emprego e renda, como está a vacinação após as visitas dos agentes do Saúde da Família?" -- dispara cheia de curiosidade a secretária. Um questionário de 12 páginas percorreu vários núcleos coletando dados, que estão tabulados e diagnosticados. A comparação com o primeiro cadastro das famílias não é possível porque a base de informações é limitada. Algo que Rosana Denaldi já detectou para análise, entretanto, é que há limites para financiamentos internacionais e isso é um ponto de fragilidade do programa. A primeira fase consumiu R$ 31,7 milhões, metade dos quais custeados pela Comunidade Européia, ONU e BID. A segunda etapa, por enquanto, só tem recursos municipais.

Ao fechar o cerco da exclusão social em três dimensões (urbana, econômica e social) o Programa Mais Igual tornou-se um símbolo instantâneo de política bem-sucedida num tripé altamente inflamável como falta de moradia--desemprego--pobreza absoluta. Não é à toda que a inclusão social tornou-se a área em que Santo André mais está associada a saltos para frente, cortejada por interessados do Exterior e pelo governo federal. No mês passado o peruano William Marín Vicente, chefe do escritório de projetos especiais de Santiago de Surco, veio conhecer vários projetos da cidade, entre os quais as intervenções na favela Espírito Santo. Recentemente o secretário nacional da Habitação, Jorge Hereda, apontou o programa integrado de reurbanização de favelas como modelo que Brasília vai recomendar a todos os municípios. 

A secretária Rosana Denaldi não consegue enumerar quantas cidades já se interessaram pelo Mais Igual, tantas são, e colocou no papel as distinções que já recebeu e que acredita estarem multiplicando a experiência Santo André afora: em 2000, o Mais Igual ganhou o Prêmio Gestão Pública e Cidadania da Fundação Ford/FGV, em 2001 foi selecionado entre as 16 melhores práticas do mundo pela Conferência das Nações Unidas UN-Habitat Stambul e premiado entre as 10 melhores práticas de gestão local pela Caixa Econômica Federal, em 2002 foi a vez do Prêmio Internacional de Dubai (também o Un-Habitat da ONU) e em 2003 as Nações Unidas o elegeu entre as 20 melhores práticas na Feira Virtual de Governança Local. O Mais Igual ganhou também o título de Destaque do Ano do Prêmio Desempenho de LivreMercado.

Como se vê, no deserto de sensibilidade e criatividade que geralmente caracterizam as políticas governamentais, Santo André está conseguindo resgatar áreas conflagradas com o que se pode chamar de uma sementeira de ações públicas: no Mais Igual florescem, juntas, iniciativas como renda mínima, incubadora de cooperativas, Banco do Povo, recuperação de áreas de risco, alfabetização de adultos, Programa Saúde da Família e Balcão de Direitos, entre outros, o que nas favelas representam a sorte grande de centenas de famílias e, para os já incluídos, são oportunidade de crescer como cidadãos. "A proposta técnica do Mais Igual pode ser reeditada em qualquer cidade, bastante cada uma adaptar à sua escala de demandas" -- afirma Rosana, sugerindo que aí está o mapa da solução para a periferização das metrópoles.

Outra ação social que a cidade diferenciou para ampliar a estreita porta de esperança da população mais pobre é estabelecer critérios socioeconômicos para as Frentes de Trabalho. Há três seleções de candidatos e o requisito não é apenas estar desempregado. Um ranking passou a atribuir pontos ao interessado com base em quantidade de membros na família, renda per capita, condição de moradia e escolaridade, entre outros, inclusive condição racial. "Esse afunilamento é para beneficiar, mesmo, quem precisa" -- enfatiza a secretária de Habitação e Inclusão Social. E são muitos. Na última seleção, 18 mil disputaram 1,5 mil vagas. Além de salário mínimo e cesta básica durante um ano, prorrogável por mais um ano, Santo André procura abrir horizontes para esse batalhão estimulando a formação de cooperativas de trabalho a partir de cursos de qualificação. Mais recentemente, introduziu acompanhamento psico-social junto às famílias. A cada quinzena grupos se reúnem durante meio período com assistentes sociais e psicólogos.


Fome zero -- Da mesma forma como luta para reduzir o fosso entre quem tem casa própria e quem vive em submoradias, entre quem tem alguma renda e quem nada tem, Santo André abriu uma porta para dar comida a quem tem fome. Desde que foi criado, em novembro de 2000, o Banco de Alimentos Municipal arrecadou 1,7 mil toneladas distribuídas para 35 mil famílias e 140 entidades assistenciais. É outro mapa da mina descoberto pela cidade, mas um terreno virgem no Brasil. Tanto que mais uma vez Brasília veio conhecer a experiência para multiplicá-la no âmbito do programa Fome Zero. 

Alimentos que antes iam direto para o lixo porque estavam próximos da data de validade ou com pequenos danos são recolhidos e doados por supermercados, triados, reembalados e distribuídos. São 40 toneladas de solidariedade por mês repassadas 150 empresas. Somente 1,5% das doações vai para o lixo por não ter condições de consumo, informa a Prefeitura.


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