Administração Pública

Mais eficiência,
mais dinheiro

VERA GUAZZELLI - 05/09/2003

A mensagem de representantes da Caixa Econômica Federal, do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento que falaram sobre Limites e Possibilidades para o Financiamento Local na Urbis 2003 (Feira e Congresso Internacional de Cidades) foi bem clara e reafirmou a regra básica utilizada entre agentes financeiros e tomadores de empréstimos. Cada vez mais os municípios terão de ser eficientes na gestão do dinheiro público se quiserem conseguir recursos além do próprio orçamento e do incômodo aumento da carga tributária para custear melhorias nas cidades. Os três bancos têm tradição em financiar obras de habitação, saneamento e urbanismo, mas os cofres só se abrem para municípios que conseguem dosar capacidade de gerenciamento com habilidade de articulação política.  

Como a maioria dos recursos dessas instituições só chega às cidades por meio do governo federal, gravitar na órbita da esfera central é importante componente na hora de formalizar pedidos ou submeter projetos à apreciação. Mas a aproximação política, isoladamente, não resolve. Apesar da inegável importância social, o mercado financeiro institucional utiliza mecanismos similares aos dos bancos comerciais na hora de avaliar pedidos de empréstimo. Cidades com saúde financeira e capacidade de fazer muito com pouco ganham preciosos pontos na difícil empreitada de engordar o caixa.    

"O governo central tem importante papel em tudo que diz respeito ao desenvolvimento local, mas o superávit operacional dos municípios é peça fundamental para se obter financiamento. É muito difícil imaginar que uma cidade sem fluxo de caixa possa recorrer a empréstimos" -- foi explícita a chefe do setor de Desenvolvimento Urbano para a América Latina e Caribe do Bird (Banco Mundial), Maria Emilia Freire. A executiva reforça a lógica do mercado e em nenhum momento menciona atalhos ou facilidades para se ter acesso ao dinheiro que o banco destina ao desenvolvimento local.   

Pelo contrário. Durante toda a exposição que fez sobre o Bird, Maria Emilia Freire sempre condicionou o acesso ao crédito a uma conjugação de fatores que começa na capacidade de endividamento das prefeituras, passa pelo histórico de honra dos compromissos financeiros e chega às condições macroeconômicas do País. O Banco Mundial reserva entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões anuais para América Latina e Caribe aplicarem principalmente em obras de infra-estrutura. O Brasil está entre os países beneficiados, mas Maria Emilia não detalhou o montante dos investimentos em território nacional nem quantas cidades beneficiam-se da verba. Santo André acaba de firmar parceria com o governo federal e está prestes a receber do Bird R$ 1,2 milhão para obras de saneamento e infra-estrutura no Jardim Irene. 

O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) também costuma utilizar o governo central como ponte para chegar aos municípios. A instituição financiou 120 projetos na América Latina nos últimos três anos, 49 dos quais no Brasil. O número é significativo porque consumiu 48% de todos os recursos que a instituição destinou aos latinos. A maioria dos projetos se refere a grandes obras de infra-estrutura inseridas em contexto de crescimento econômico e geração de renda. "O primeiro desafio é obter o recurso. O segundo, melhorar a gestão desse dinheiro para, automaticamente, tornar-se candidato a novos empréstimos" -- explica o diretor do BID para a América Latina, Waldemar Wirsig. 

A declaração fornece pista consistente sobre o rigor na fiscalização do dinheiro liberado. Waldemar Wirsig não revelou os critérios usados pela instituição para checar a eficiência das administrações públicas, mas deixou claro que o processo é criterioso em todas as etapas, desde a apresentação do projeto até o término da obra. São Bernardo solicitou empréstimo de US$ 165 milhões para construir o Anel Viário Periférico de ligação dos bairros da cidade aos principais corredores de circulação e às rodovias Anchieta e Imigrantes e aguarda liberação da verba. Desde dezembro do ano passado, data do anúncio do projeto, várias missões do BID já estiveram no Município para tratar do assunto e averiguar a viabilidade da obra.

Todo esse rigor pode, à primeira vista, ser associado ao excesso de burocracia. Mas no caso das cidades há a agravante de os dados disponíveis nem sempre refletirem a realidade local. Exemplo de como os números podem levar a interpretações equivocadas está em São Caetano. O Município coleciona indicadores positivos de qualidade de vida, ganhou por dois anos consecutivos o título de Gestão Fiscal Responsável por enquadrar-se nos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas gasta com o funcionalismo muito mais que cidades como Rio Claro, com padrão similar de serviços públicos. A comparação foi extraída de recente pesquisa com 55 cidades paulistas responsáveis por 70% do PIB do Estado e realizada pelo IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos). O indicador é um dos componentes do IEM (Índice de Eficiência Municipal), que o instituto está construindo para disponibilizar como ferramenta analítica dos gastos públicos municipais. "A melhor forma de garantir a responsabilidade fiscal é o acesso da sociedade aos dados e a constante vigilância" -- entende Waldemar Wirsig. 


Áreas metropolitanas -- Da mesma forma que o painel da Urbis não trouxe novidades sobre viabilidade financeira dos municípios, também deixou de aprofundar o debate sobre o atual sistema de repasses de impostos e os sucessivos aumentos dos tributos próprios, temas intrinsecamente ligados à falta de recursos. No papel de mediador, o secretário de Finanças de São Paulo, Luis Carlos Fernandes Afonso, limitou-se a dizer que é necessário ampliar a discussão dos tributos para além dos limites territoriais. Em nenhum momento, entretanto, o guardião do caixa da maior cidade da América Latina referiu-se mais enfaticamente à necessidade de se criarem modelos mais eficazes de gestão para as áreas metropolitanas. 

Quem levantou o tema foi o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. "O Brasil precisa entender as dificuldades do fenômeno metropolitano e atentar para a criação de instâncias administrativas e fiscais que facilitem o gerenciamento dessas áreas adensadas" -- alertou. O recado, apesar de jogado em meio à enxurrada de informações institucionais, fez conexão direta com o árido assunto da reforma tributária, especialmente no que diz respeito à distribuição do ICMS. 

Estudos de LivreMercado mostram que a criação do Fundo das Regiões Metropolitanas Paulistas ajudaria a amenizar a distorção criada pelo critério de repasse do ICMS, que enfatiza o Valor Adicionado -- medidor da atividade produtiva -- em detrimento da população e que privilegia cidades com atividades altamente geradoras de impostos e pouco populosas. Uma das propostas é utilizar 5% dos 75% que o Estado retém de ICMS e 10% ou 15% dos 25% restantes que cabem aos municípios, para serem distribuídos de acordo com a participação relativa das regiões metropolitanas de fato ou de direito, em igual combinação de VA e população. O VA pesa 76% e a população apenas 13% no cálculo de repasse do ICMS.

Apesar de não se ter aprofundado sobre o tema, a exposição de Jorge Mattoso também ajudou a dimensionar a dependência que a maioria das cidades brasileiras tem do governo federal. Mattoso explicou que os recursos injetados pela Caixa Econômica Federal, principalmente nas pequenas localidades, atinge a equivalência de 100% do orçamento próprio. A maioria provém do pagamento de benefícios e programas sociais custeados pela União e atingiu R$ 14 bilhões somente nos cinco primeiros meses deste ano.                                             



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