A nova engrenagem que movimentará Santo André chama-se coalizão política, única forma de devolver à cidade a importância que teve economicamente e como líder da integração regional, defende o presidente do Partido Liberal, Raimundo Salles. Embora aposte nessa fórmula testada com sucesso em países como Espanha, Salles reconhece ser difícil costurar um pacto com os principais partidos políticos para as eleições de 2004. A lista de obstáculos é bastante longa, a começar pelo próprio PT. "Se o PT já tem problemas para acomodar seus grupos, certamente terá muito maiores com outros" -- diz esse advogado e militante político de Santo André, que inovou em São Bernardo ao assumir o primeiro cargo no Grande ABC de porta-voz do governo.
Mesmo com pedras no caminho, porém, Raimundo Salles atribui ao governo de Santo André a obrigação de fazer aproximações em nome da governabilidade com oposicionistas como Newton Brandão e Duilio Pisaneschi, mesmo que seja uma aliança de idéias, e não necessariamente eleitoral: "Fico abismado em ver que o Paço de Santo André não tem essa coalizão, por que tendo boas propostas e boas possibilidades, tudo é possível". O presidente do PL cita o problema das perdas econômicas do Grande ABC e retoma a tese do ex-prefeito Celso Daniel de fazer do Município um pólo de terciário avançado. Ele também lamenta a falta de espírito concentrado na regionalidade por parte das lideranças locais e acredita que o prefeito de São Bernardo, William Dib, é o único no campo político atualmente pensando a região. "A impressão que tenho é que vários prefeitos tratam suas prefeituras como empresa privada, como algo deles" -- avalia.
O porta-voz responde a quem acha incoerente William Dib ter se cercado de nomes de fora da região para compor seu staff dizendo que o PT sempre fez isso, buscando cérebros onde estão disponíveis. E garante que Dib vence as municipais de 2004 porque faz em São Bernardo o que falta em Santo André: uma grande aliança política e de idéias. "Dib pensa grande e chora pouco. Vicentinho (Paulo da Silva, do PT) reclama muito e não vejo propostas factíveis de serem colocadas em São Bernardo" -- provoca sobre o adversário número um.
O que seria melhor para Santo André nas eleições municipais do ano que vem: uma disputa multi-acirrada, com muitos partidos e candidatos, ou uma coalizão de expressivas parcelas políticas?
Raimundo Salles -- Santo André sofreu muito com o episódio que vitimou o prefeito Celso Daniel. Do ponto de vista sociológico, uma sociedade que viu seu prefeito ser assassinado deveria ter líderes conscientes de que a união dessas forças políticas seria o melhor nessa oportunidade. Advogo a tese de que deveríamos ter um governo de coalizão, de modo que todas as forças estariam na formação do governo para o bem de Santo André.
Entretanto, vejo isso com dificuldades porque o PT tem problemas internos a ser resolvidos. O prefeito João Avamileno chegou ao governo de forma não planejada e há grupos a serem acomodados, principalmente dos deputados Luizinho Carlos da Silva e Vanderlei Siraque. Se o PT já tem problemas para compor seus grupos, certamente terá muito maiores com outros.
E a oposição, como o senhor define?
Raimundo Salles -- A oposição está dividida em dois grupos. Um grupo que faz oposição raivosa, com o fígado, e outro que faz oposição responsável. Dessa forma, teoricamente seria muito saudável para Santo André um pacto em benefício da própria cidade e da região, que estão encontrando muitas dificuldades econômicas geradas pelo esvaziamento industrial. Principalmente Santo André.
Estaria sugerindo uma espécie de reprodução do modelo que levou Lula da Silva à Presidência da República?
Raimundo Salles -- A coligação PT-PL foi vitoriosa, mas enfrenta dificuldades porque o PT precisa acomodar o seu povo na estrutura do governo federal. Imagine então as dificuldades em dar conta da coalizão que fez com o PL. Assim, podemos observar que o vice-presidente José Alencar começa a fazer críticas porque entende que o modelo econômico pouco mudou, especificamente na política de juros. Na verdade, o que se vê até agora é Lula rezando na cartilha de Fernando Henrique Cardoso, isto é, tem dificuldades de romper com a era do antecessor. O modelo ainda é monetarista, não está priorizando as questões sociais. Quem sabe em função do exemplo da Argentina em relação ao FMI o Brasil consiga mudar de rota.
Mas entendo que Lula está procurando evitar graves erros e a figura institucional do presidente da República está sendo preservada. Tanto que não vi nada na imprensa de críticas do PL ao presidente. Há restrições do PL à política econômica, aos juros altos, à área social, mas a figura de Luiz Inácio Lula da Silva deve ser preservada. No plano nacional entendo que o PL deve dar sustentação ao governo, porque é responsável pela vitória de Lula. Não podemos ser irresponsáveis e desestabilizar o governo.
Voltando à coalizão em Santo André, o que significa essa dificuldade de interlocução do Paço?
Raimundo Salles -- Estão deixando as coisas muito soltas. Isso é um equívoco, pela importância de Santo André, pelos problemas que a população passou. Eles deveriam ter interlocutores que dialogassem com o centro, inclusive com os liberais. Basta dizer que temos no plano federal o PP de Paulo Maluf apoiando Lula, entre tantos partidos. Não podemos ser sectários. Temos que pensar no bem de Santo André, até porque o governo Lula não é do PT, é de uma coalizão de partidos que o elegeu no segundo turno.
O senhor acha possível que a coalizão em Santo André seja ampla e irrestrita, inclusive com a participação do grupo de Duilio Pisaneschi, notório adversário petista?
Raimundo Salles -- O governo municipal tem obrigação de fazer aproximações em nome da governabilidade. Se vai dar certo ou não é outra história. Entendo que muitas vezes não há condições de compor com todo mundo, porque a unanimidade é burra. Mas o que a gente chama de consenso mínimo deveria existir. Só o fato de políticos ligados ao governo municipal saírem a campo para uma composição levaria as pessoas a fazer oposição menos raivosa.
Como presidente do Partido Liberal, o senhor estaria pronto para sentar no Paço e discutir essa proposta de compartilhamento de gestão?
Raimundo Salles -- A questão não é especificamente de cargos e de participação no governo, mas de idéias. Pelas dificuldades que enfrenta, pela queda na arrecadação, pelos problemas de logística, por tudo isso e por outros problemas, Santo André precisa passar necessariamente por um consenso mínimo. E para esse consenso mínimo todos deveriam ser chamados. Quem tem que chamar é o governo legalmente constituído, para discutir uma agenda mínima.
Nessa discussão, mesmo que o resultado não fosse uma aliança partidária, sobraria pelo menos uma aliança de propósitos que, no fundo, é mais importante que a eleitoral. Tem que chamar todo mundo, inclusive Duilio Pisaneschi. Por que a presunção de que ele não possa ter alguma idéia interessante?
O senhor acredita que a recíproca seria verdadeira, isto é, que partidos de oposição teriam a grandeza de entender o gesto de união? Estamos preparados para compreender que, dentro do Grande ABC, Santo André foi a cidade mais atingida pela desindustrialização, com o acúmulo de problemas sociais decorrentes disso?
Raimundo Salles -- Temos de tentar. Há experiências internacionais de pactos que funcionaram muito bem, como na Espanha. No campo das idéias tudo é válido. Somente pessoas vazias de idéias vão negar proposta como essa. As divergências que tenho são no campo político. Não faço oposição com o fígado, e sim com o cérebro. O PT tem muitas idéias boas, mas várias das quais não são postas em prática. Aliás, gostaria de abraçar e tocar muitas idéias do PT.
E a oposição em Santo André, tem idéias boas?
Raimundo Salles -- Sim, há pessoas bem-intencionadas e competentes. Figuras como o doutor Newton Brandão, que tem serviços prestados para Santo André. Ele fez muitas obras e tem uma característica interessante no campo político: não tem nenhum interesse empresarial. Desconheço que o doutor Brandão seja dono de qualquer conglomerado econômico e financeiro em Santo André. É evidente que o tipo de política que ele faz alguns entendem que é ultrapassada, mas essa é uma boa discussão, uma discussão no campo das idéias e que merece ser levada em consideração. Ele representa os sociais-democratas, o centro e os liberais, e acredita em suas idéias. Vejo que ele tem muito a contribuir. O que não podemos aceitar é um tipo de política pequena, que inclusive o PT pratica em alguns momentos, como mudando o nome do Parque Maria Brandão para Parque da Juventude. Isso é mesquinharia, não tem sentido. Até porque o Estádio Bruno Daniel foi dado no governo do doutor Brandão, que não mudou o nome quando assumiu de novo a Prefeitura depois de Celso Daniel.
O PT comete erros e deve se penitenciar por isso, como a direita também comete erros. Veja o caso do IPTU, uma discussão absolutamente vazia. O IPTU do Guarujá é muito mais caro que o de Santo André e o governo não é de esquerda. O fato é que no Brasil existe hipocrisia em relação ao IPTU. Existem distorções no IPTU? É claro que existe, mas tem muita gente com imóveis subavaliados. Proprietários que na hora de vender pedem R$ 600 mil, R$ 700 mil, mas no IPTU o valor venal não passa de R$ 300 mil.
Por outro lado, acho que o setor produtivo deve ser desonerado. Uma empresa não pode pagar IPTU como um apartamento porque tem a função social de trazer benefícios à comunidade, como a geração de empregos e arrecadação de impostos. Agora, quem tem patrimônio tem de pagar pelo patrimônio. O imposto é sobre o patrimônio. Quem não quer pagar imposto, que venda o patrimônio e tudo bem. É claro que se tem um fator que altera e distorce o valor do IPTU para cima, é preciso corrigir. Para tanto, existe o Poder Judiciário. Se falta sensibilidade administrativa, o Poder Judiciário está aí para corrigir.
Poderemos ter de fato uma disputa fratricida em Santo André?
Raimundo Salles -- Não vejo que alguns desses extratos oposicionistas façam campanha virulenta, como são os casos de eventuais candidaturas do PDT e do PMDB, porque seria a negação de tudo que ajudaram a construir, pois fazem parte do governo atual. No caso do doutor Brandão, é uma candidatura histórica. Negar o direito de Brandão ser candidato é querer sonegar o contraditório.
Então essa oposição raivosa o senhor identifica em quem?
Raimundo Salles -- Pode estar no campo da direita, da centro-direita, mas também pode estar no próprio PT. Dentro do PT há oposição ao PT.
Vai depender muito de quem ocupará o posto de vice de João Avamileno?
Raimundo Salles -- O vice é um problema para o Partido dos Trabalhadores na medida em que precisa compor com várias correntes do próprio partido. O fato é que se a gente pensa em coalizão, em governo de maioria, em um governo de consenso, essa discussão deveria partir de dentro para fora do PT. Inclusive com aliados históricos do partido. Por exemplo, vejo o José Batista Gusmão, hoje no PV, com todas as condições de ocupar essa posição. O que o PT precisa entender é que não pode fazer chapa pura e depois pedir que lhe dêem apoio. É preciso ter um mínimo de sensibilidade para o que está acontecendo na sociedade.
Traduzindo em miúdos: quem está no governo em Santo André não pode fazer chapa pura, totalmente petista, e depois sair à cata de apoio da sociedade?
Raimundo Salles -- Até porque o governo são várias facções. O governo não é só PT puro. É PT e suas facções. O problema todo é que o político brasileiro tem imensa dificuldade de entender que precisa ampliar. O PT ampliou na disputa presidencial com José Alencar e ganhou a eleição. O Fernando Henrique Cardoso ampliou com o Marcos Maciel e ganhou a eleição.
O ambiente traumático vivido por Santo André assemelha-se à crise econômica que permeou as eleições presidenciais, por isso é importante essa proposta de governo compartilhado?
Raimundo Salles -- O problema de Santo André é mais grave. O drama de Santo André passa por uma questão clara, chamada logística. A cidade não está mais vocacionada para grandes indústrias. Para produzir uma peça de grande porte é preciso passar pela Avenida dos Estados, que é uma vergonha, ou trafegar pela Via Anchieta em São Bernardo. Dessa forma, Santo André está ilhada. E mais uma vez o Rodoanel não a beneficia. O esvaziamento industrial de Santo André é irreversível sob o ponto de vista de grandes plantas industriais. Vocacionar Santo André para tornar-se o grande centro do terciário regional, um grande centro tecnológico, essa seria a saída.
O prefeito Celso Daniel já defendia essa estrutura econômica, que chamava de terciário avançado.
Raimundo Salles -- É verdade. Afora alguns senões que poderia ter a respeito de Celso Daniel sob o ponto de vista de condução de Santo André, o fato é que ele era um gênio. E gênio não nos cabe explicar. Ele era um grande gestor da administração pública que pensava a região. Vejo agora William Dib como a única pessoa no campo político pensando a região.
Qual a diferença no modelo de pensar a região entre o legado de Celso Daniel e a administração William Dib?
Raimundo Salles -- Dib não aplica um modelo acadêmico, e sim prático. Ele é um homem prático, de concepções práticas, que não olha para o próprio umbigo. Pensa grande. Pensa em nível regional. Vejo as outras prefeituras e percebo que seus administradores, lamentavelmente, olham para seus umbigos. Vejo cada um cuidando do próprio quintal, sem a menor articulação regional. Alguns querem inclusive destruir o que temos de melhor na história da região, que são a Agência de Desenvolvimento, a Câmara Regional e o Consórcio de Prefeitos, únicas organizações que podem nos levar a soluções conjuntas de nossos problemas gerados pelo esvaziamento econômico.
Sob esse ângulo, não vejo o prefeito João Avamileno com esse perfil. Santo André perdeu muito em regionalidade. Talvez em outra ocasião Avamileno possa recuperar essa condição, mas agora não o vejo com capacidade de articulação regional. Até porque Celso Daniel tinha liderança em relação aos demais petistas da região. O fato é que Celso Daniel era brilhante acadêmico e colocou a inteligência à disposição de Santo André. Certamente seria ministro do governo Lula da Silva. Perdemos o primeiro ministro da história do Grande ABC. Vejo, dentro das proporções, William Dib ocupando esse espaço num futuro próximo.
Qual sua interpretação sobre a morte de Celso Daniel, que, como se sabe, suscitou diferentes especulações?
Raimundo Salles -- É irrelevante discutir se houve ou não conteúdo político e tenho a tendência de acreditar na versão dos órgãos policiais, mas gostaria de citar um trecho do discurso enunciado por Mário Covas em 12 de dezembro de 1968: "Desejo morrer réu do crime da boa-fé, antes que portador do pecado da desconfiança".
Qual sua avaliação sobre o ex-deputado Duilio Pisaneschi?
Raimundo Salles -- Lamento profundamente sua derrota. Ele foi um bom deputado para a região e sua vitória representaria o equilíbrio das forças políticas locais, principalmente em Santo André.
E sua análise sobre Klinger Sousa, ex-secretário de Serviços Municipais de Santo André e uma das vítimas na esteira da morte de Celso Daniel?
Raimundo Salles -- O PT perdeu com a saída de Klinger do governo, sem dúvida seu melhor quadro. Entendo que ele foi queimado no fogo da santa inquisição instaurada após a morte de Celso Daniel. O fato é que ele foi afastado e julgado pelos pares petistas e ficou a dúvida para a sociedade se era realmente culpado, e consequentemente deveria ser expulso do PT, ou era inocente e, assim, deveria ter a solidariedade de companheiros de partido e mantido prestigiado no governo.
Como analisa sua participação no governo de São Bernardo num momento de visibilidade do prefeito William Dib, algo que jamais tivemos na história da região. Como se sabe, Dib passou a ter expressão estadual, simbolicamente marcada no programa eleitoral do PSB, quando ocupou rede de TV e rádio durante 18 minutos, além de articular-se com várias expressões estaduais e nacionais.
Raimundo Salles -- Essa oportunidade dada pelo Dib é única. William Dib tem três características marcantes. Primeiro, não é rancoroso como a maioria das lideranças políticas da região. Ele não trata as pessoas com ódio. Dib trata as pessoas por igual e tem sido reconhecido por isso. Segundo, gosta do que faz, ou seja, política. A impressão que tenho é de que vários prefeitos da região tratam suas prefeituras como empresa privada, como algo deles. William Dib é diferente, gosta de articulações. Terceiro, pensa grande. Pensa regionalmente. Tanto que já no início de sua administração trouxe para o governo municipal pessoas expressivas do cenário nacional, como Marcos Cintra na Secretaria de Finanças, Airton Soares na articulação política, Chico Malfitani como secretário de Comunicação. São pessoas testadas e aprovadas.
São Bernardo e o Grande ABC deixaram o provincianismo político com a extroversão da imagem do prefeito Dib além das fronteiras da região?
Raimundo Salles -- Na verdade, esses profissionais foram convocados por William Dib porque eram do seu relacionamento. Componho esse mosaico que o prefeito quer montar, que é formado por pessoas que pensam regionalmente. O PT sempre fez muito bem isso, ao buscar cérebros onde tinha de buscar. Jamais fui contrário a essa forma de governar. Até porque governo é isso: tem de dispor do que se tem de melhor. Por isso vejo William Dib pensando grande, pensando numa São Bernardo do futuro. E não vejo em Vicentinho (Paulo da Silva) um adversário à altura para São Bernardo. Dib pensa grande e chora pouco. Vicentinho é um pouco chorão. Reclama muito e não vejo propostas factíveis de serem colocadas em São Bernardo.
Qual é o caminho das pedras para manter o comando do Paço de São Bernardo? Qual é a possibilidade de o PT surpreender nas próximas eleições?
Raimundo Salles -- Não acredito que o presidente da República possa descer da liturgia do cargo para fazer campanha do Vicentinho. Seria temeridade fazer isso. É claro que Lula vai ter de dizer alguma coisa, porque é da cidade, vota aqui. Mas não acredito que a eleição será nacionalizada. Acredito que as eleições continuem sendo municipais. O PT é sistematicamente derrotado aqui. Na primeira vez que ganhou, perdeu o prefeito no meio do mandato.
É certo que São Bernardo representa o terceiro maior orçamento do Estado, mas as eleições aqui serão municipalizadas. Os eleitores farão o julgamento do que foi feito em São Bernardo. A cidade tem muito o que mudar, é certo, mas muito foi feito. Tivemos algumas gestões medíocres, que deixaram São Bernardo em grandes dificuldades, com grandes problemas, e tivemos gestões vitoriosas a partir de Maurício Soares. Por isso, as eleições caminham para uma vitória de William Dib, pela simples razão de que o grupo está absolutamente coeso.
Maurício Soares está no governo através da esposa e do filho. Mais do que isso: a sociedade civil está com William Dib. Quase todos os representantes de organismos municipais estão comprometidos com o prefeito sob o ponto de vista de propostas. Somado a isso, a política é constituída de três itens fundamentais. Primeiro é a construção partidária. Segundo, estrutura material para a campanha. Terceiro, tem que ter voto. Acho que o prefeito preenche os três quesitos.
Além disso, há que se considerar que Vicentinho tem dificuldades para fazer coalizões. O PT de São Bernardo é diferente do PT do Brasil porque é mais fechado, com dificuldades inclusive de controlar a própria bancada de vereadores. E tem dificuldades em compor com outras forças. Veja o caso do próprio PL, que tem coligação com o PT em nível nacional mas não reproduziu isso em São Bernardo. William Dib está numa agremiação de esquerda, o Partido Socialista Brasileiro, e conta com respaldo de uma coligação de 22 partidos que estão no governo.
Quer dizer que a coalizão que o senhor está sugerindo para Santo André já existe em São Bernardo?
Raimundo Salles -- Fico abismado em ver que o Paço de Santo André não tem essa coalizão, porque tendo boas propostas e boas possibilidades, tudo é possível. Tenho convicção de que tudo se encaminha em São Bernardo para a vitória de Dib, que tem propostas interessantíssimas como a valorização da questão logística. Isso é fundamental, porque São Bernardo seria a porta de entrada e de saída de produtos que se dirigem ao Porto de Santos.
O senhor não acredita que o presidente Lula possa vir a engajar-se na campanha de Vicentinho, mas o prefeito William Dib tem contado com alguns figurões da política nacional, caso mais recente de Miguel Arraes, para reforçar sua imagem. Essa estratégia vai prosseguir?
Raimundo Salles -- Dib tem um arco de aliança poderoso que vai da esquerda à direita. E todas as pessoas estão ligadas não por laços ideológicos, mas de projetos. Elas reconheceram em William Dib um projeto vitorioso. É exatamente isso que acho que Santo André deveria perseguir. Esquecer questões ideológicas e ir para as questões programáticas. Dib tem tanto o apoio do Arraes quanto do Fernando Henrique Cardoso. Do Leonel Brizola e do Cláudio Lembo. Isso não é incoerência, como alguns podem supor, porque ele trabalha em cima de um programa de governo, de idéias.
Quer dizer que ideologia já era?
Raimundo Salles -- O campo ideológico da forma como conhecemos está absolutamente superado. O que tem de ser respeitado são idéias pré-estabelecidas. Lembro de um político que certa vez disse que não tinha programa de governo. Isso significa a negação da política. É claro que acabou não se elegendo em São Paulo. Na realização dos programas é que se identifica se o político é progressista ou retrógrado.
Teses antes consideradas progressistas hoje são retrógradas. E teses que eram consideradas retrógradas hoje são progressistas. É o caso do PT. Quando se poderia imaginar que o PT faria uma reforma previdenciária nos termos realizados e que fulminou principalmente o funcionalismo público? Não acho que isso seja errado, afora a contribuição dos inativos, um equívoco porque penaliza quem já contribuiu. Tem de punir aquele que não paga, que sonega. Acho que nesse caso o PT mudou, mas mudou para melhor.
Ao valorizar programas de governo, o prefeito conseguiu aglutinar essas forças em torno dos interesses de São Bernardo. E sem mentir. Tanto que Dib declarou ainda outro dia para LivreMercado que São Bernardo tem graves problemas econômicos e financeiros sob o ponto de vista de arrecadação. São Bernardo arrecadava quase US$ 750 milhões e hoje não chega a US$ 300 milhões. É preciso não só ser dito, como explicado. Esse é o resultado de uma política ruim do presidente Fernando Henrique Cardoso em relação ao Grande ABC, não vocacionando a região para outras atividades.
É certo que a crise é nacional, mas o fato é que o Grande ABC sofreu muito mais que o restante do País. A falta de um terciário avançado preconizado por Celso Daniel e o Complexo de Gata Borralheira tão bem explicado em livro contribuíram para a região entrar em profunda decadência. Esperamos, entretanto, que a recuperação nos recoloque na fase áurea. Além disso, pessoas que trabalham contra a Agência de Desenvolvimento, contra o Consórcio de Prefeitos, contra a união, devem ser expurgadas do cenário político do Grande ABC.
Tanto quanto aqueles que mitificam esses organismos sem lhes prestar colaboração alguma?
Raimundo Salles -- Sim, esses estão trabalhando contra. Considero idéias geniais como a do Fórum da Cidadania, que depois acabou melancolicamente, porque as pessoas que criaram também trataram de destruir um sonho. Tínhamos a proposta de constituir uma sociedade aberta, de diálogo, de discussão com todas as forças políticas e sociais da região, mas, infelizmente, acabou virando um sonho.
O desemprego é um problema nacional mas com matrizes locais, principalmente no Grande ABC. E mais especificamente em São Bernardo, cujo vetor sindical é sempre colocado como elemento de ampliação das dores de quem não consegue colocação. Esse assunto terá tratamento eleitoral?
Raimundo Salles -- O fato de o adversário de William Dib ser um sindicalista dá essa dimensão ao problema, inclusive porque ele é o presidente da Comissão de Trabalho da Câmara Federal. Entretanto, o desemprego é muito mais complexo do que meramente eleitoral. Passa por uma questão estrutural de mercado, passa pelo descaso do governo Fernando Henrique Cardoso, que causou muito mais prejuízos ao mercado de trabalho da região do que os sindicalistas. Não se pode esquecer que Fernando Henrique acabou provocando uma desaceleração de quase 40% no PIB industrial da região.
Também faço restrições ao lugar comum de avaliações que debitam na conta da globalização os dramas do desemprego no Brasil. Mesmo países do Primeiro Mundo que sofreram o impacto da globalização não acusaram nível tão alto de desemprego como o Brasil. Há 22% de desempregados em São Bernardo. É um índice absurdo. Isso gera queda de consumo em alimentação e aumenta a violência, descompasso típico de uma sociedade doente. E a sociedade está doente em função de oito anos de desmandos do governo anterior.
Por isso, quando se verifica no governo Lula da Silva uma profunda frustração, não se trata de algo de mal que ele tenha feito, mas as expectativas geradas. Ou seja: o grande problema do governo Lula e consequentemente da candidatura Vicentinho foi a expectativa que geraram, e não necessariamente do fracasso deles. Imaginávamos que o governo Lula iria aplicar uma série de políticas públicas no Grande ABC e o que vemos é que o BNDES não tem atuado na região. A presença do governo federal no Grande ABC se resume a duas coisas: Receita Federal e INSS, que só traz má notícia.
Temos defendido que o governo deveria ter um representante regional, uma espécie de diplomacia local, na tentativa de reestruturar a economia com reflexos sociais.
Raimundo Salles -- Acho que Lula está muito preocupado com o Congresso Nacional. Ele não está preocupado com políticas públicas voltadas para os municípios. Basta ver o enfraquecimento dos ministérios teoricamente voltados para essas áreas, principalmente os de Olívio Dutra e Ciro Gomes, e o fortalecimento dos ministros políticos, como José Dirceu e a própria posição do Luizinho (Carlos da Silva). É verdade que temos a Miriam Belchior, que é de Santo André, mas ela não disse a que veio ainda. Fala-se que está fortalecida, mas fortalecimento em governo é verba, é presença na região.
Quem está ganhando o jogo no Grande ABC, o governo Geraldo Alckmin ou Lula da Silva?
Raimundo Salles -- Geraldo Alckmin não tem presença de obras neste momento, mas consegue ter presença física, enquanto Lula só se faz presente em fim de semana, o que é um erro. Nem ele nem seus articuladores políticos têm estado na região. Alckmin vez por outra está aqui. Mesmo que ele não inaugure escolas estaduais, que não tenha obras rodoviárias, mesmo com a segurança precária, essa imagem boa de Alckmin dá a idéia de que ele está operando muito. O problema do Lula é que ele está mais preocupado em não errar do que em acertar.
Seu futuro político está em 2004 ou mais adiante?
Raimundo Salles -- A política é construir. É preciso prestar serviços à sociedade para depois postular algo. É muita prepotência alguém que não construiu estrutura partidária, que não tem estrutura financeira nem de votos postular algo. Nesse sentido, acho que estou construindo o caminho, construindo uma alternativa partidária, uma alternativa econômica para viabilizar uma campanha e uma alternativa de voto. Nesse ponto acho que estou no caminho certo.
Trabalho o partido, gosto de trabalhar política, procuro viabilizar minha candidatura, mas sempre a médio e longo prazo. Não acredito em nenhum projeto de curto prazo. O PT é exemplo típico desse processo, depois de perder a eleição inicial com Celso Daniel diante de Newton Brandão.
O que mudou no Salles de dois anos atrás em relação ao Salles de hoje?
Raimundo Salles -- É mais maduro, mais ponderado e só faz crítica construtiva. Não trabalho com a crítica destrutiva. As experiências que vivi com a perda de minha esposa foram fundamentais para a mudança de comportamento, no sentido de ver o mundo de outra forma. A idéia de construir a longo prazo também foi um aprendizado. E quem não aceitar isso está fadado a sofrer derrotas. Somado a isso acho que é essencial ler, ler muito, ter base do ponto de vista intelectual. Aquilo que Celso Daniel tinha: conceitos sólidos sobre as coisas e opinião sobre os temas. Ter propostas, alternativas para o Grande ABC, especialmente para Santo André.
E o salto que o senhor está dando em direção à OAB estadual, na chapa de um dos opositores?
Raimundo Salles -- Para mim é fundamental a militância como advogado. Sou vitorioso na atividade profissional como especialista em radiodifusão. A representação de classe em termos de suas prerrogativas está muito violentada. O advogado perdeu muito pelas dificuldades econômicas que enfrenta.
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10/05/2024 Todas as respostas de Carlos Ferreira