Entrevista Especial

Melhor caminho é
Grande ABC legal

VERA GUAZZELLI - 05/11/2003

O assunto metropolização está mais uma vez nas páginas de LivreMercado. Quem fala sobre o tema de vital importância para o Grande ABC, mas que ainda é tratado sob o olhar míope do individualismo e da pontualidade pela maioria dos políticos, é o assessor de Planejamento Regional da Secretaria de Estado de Economia e Planejamento, Mauricio Hoffmann. O mesmo especialista que em 2000 levantou a possibilidade de o Grande ABC tornar-se espécie de submetrópole legalizada da Região Metropolitana de São Paulo garante que as discussões vão se intensificar a partir do próximo ano. Em 2004, a urgente reorganização da Região Metropolitana de São Paulo deve finalmente chegar à pauta dos principais gabinetes públicos.

A novidade sinaliza um amadurecimento do governo estadual em relação às questões que envolvem regionalidade e metropolização e pode levar à formalização jurídico-institucional do Grande ABC. Esse, aliás, é o caminho que Mauricio Hoffmann considera mais eficaz para estabelecer diretrizes de longo prazo e, principalmente, canalizar o voluntarismo das instâncias regionais para mecanismos efetivos de gestão. A Região Metropolitana da Baixada Santista ganhou programa específico no Plano Plurianual 2004/2007 -- principal instrumento de planejamento do governo estadual -- justamente por estar legalmente constituída e com todos os mecanismos institucionais exigidos pela legislação, ao contrário da RM de Campinas. 

Comedido como de costume, Mauricio Hoffmann falou também da importância de o PPA 2004/2007 ter lançado um olhar estratégico sobre a organização territorial do Estado, em vez de privilegiar apenas políticas públicas setoriais. Sobre esse aspecto, lembrou a importância da representação política qualificada diante da escassez de recursos. O recado foi claro: o encaminhamento das reivindicações regionais tem de ser feito com perspectiva de solidariedade política e, principalmente, com competência. 

O Plano Plurianual 2004/2007 -- principal instrumento de planejamento do governo estadual -- contempla o desenvolvimento regional com quatro programas específicos, dois para as regiões metropolitanas legalmente constituídas e mais dois para outras áreas do Estado. O fato sinaliza uma mudança de postura em relação às questões que envolvem regionalidade e metropolização?

Mauricio Hoffmann -- Não se trata de mudança de postura, pois essas questões há muito fazem parte das preocupações do governo do Estado. Com o amadurecimento do processo de planejamento regional, com base na institucionalização de órgãos de gestão e planejamento e diretrizes estratégicas do governo, as sinalizações das ações ganharam maior consistência, contorno e visibilidade. O governo Alckmin concentrou na Secretaria de Economia e Planejamento todos os instrumentos de gestão metropolitana e busca com isso racionalizar e potencializar as ações de planejamento urbano-regional.

A recente criação da Coordenadoria de Planejamento Metropolitano reflete o aumento da preocupação do Estado com as áreas metropolitanas? Os papéis da Coordenadoria e da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano) serão complementares?

Mauricio Hoffmann -- A Coordenadoria de Planejamento Metropolitano está funcionalmente subordinada ao gabinete do secretário de Planejamento e oficiosamente à Assessoria de Planejamento Regional. A preocupação maior, no momento, está na estruturação física, de modo a tornar a CPM operacionalmente apta a exercer o efetivo papel de coordenar os assuntos de caráter metropolitano. A CPM e a Emplasa atuarão de forma interativa, mas com funções distintas. A CPM deverá manter atualizadas as preocupações da administração direta com a problemática metropolitana, dando maior dinamismo ao relacionamento com os organismos que tratam do assunto. Já a Emplasa é o braço operacional da Secretaria de Economia e Planejamento, responsável pela formulação, acompanhamento e avaliação da gestão metropolitana. Naturalmente, todas essas ações refletem o aumento da preocupação do Estado com as áreas metropolitanas, tanto no que se refere à organização territorial quanto à potencialização da economia regional para melhorar a estruturação das políticas públicas.

Dos quatro programas específicos do Plano Plurianual, dois se referem às áreas metropolitanas legalmente constituídas e um é específico para a Baixada Santista. Quais os critérios utilizados para essa divisão?

Mauricio Hoffmann -- A Região Metropolitana da Baixada Santista já tem todos os mecanismos institucionais -- Conselho de Desenvolvimento, Agência de Desenvolvimento e Fundo Metropolitano -- em plena operação. A quantidade menor de municípios participantes facilitou a operacionalização e permitiu a estruturação do planejamento estratégico. A Região Metropolitana de Campinas, embora já constituída, só recentemente teve o Conselho de Desenvolvimento efetivamente instalado. Contudo, os demais mecanismos institucionais estão em fase de instalação e estruturação. Acredito que esse processo deva amadurecer rapidamente, dinamizando a implementação do planejamento estratégico. Com isso, como a Baixada Santista, a Região Metropolitana de Campinas deverá ser contemplada com programa específico por ocasião da elaboração do próximo projeto de lei de diretrizes orçamentárias. Já a Grande São Paulo, cuja constituição é mais antiga e ainda está sob a égide de lei federal, necessita de reorganização e atualização da estrutura institucional para adquirir modelo semelhante ao das regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas. 

Essa reorganização privilegiaria apenas questões territoriais ou o enfoque será mais estratégico? 

Mauricio Hoffmann -- Sob o ponto de vista legal, a reorganização da RMSP busca atender aos preceitos constitucionais vigentes e ao que preconiza a lei complementar 760, que trata da organização territorial do Estado. Sob o aspecto estratégico, a reorganização pretende racionalizar a ação do Estado e dos municípios no espaço territorial metropolitano. Nesse contexto, pela importância da Região Metropolitana de São Paulo e intensidade dos problemas presentes, foi contemplada no Plano Plurianual com ações nos mais variados setores de governo. Aliás, há um capítulo que aprofunda as análises sobre a metrópole e sinaliza o esforço para romper a visão setorial que orienta as políticas públicas.

O fato de a Baixada Santista ter programa específico significa mais garantias de receber recursos?

Mauricio Hoffmann -- Os recursos sempre dependerão das prioridades de governo e, naturalmente, da disponibilidade orçamentária. O fato de a Baixada Santista ter programa específico significa que a região tem planejamento estratégico mais avançado, o que sem dúvida conta pontos a favor. No fundo, a regra básica será sempre a de considerar a prioridade regional associada às prioridades do governo do Estado, considerando-se as restrições orçamentárias. Vale lembrar, porém, que independente de terem sido agrupadas em programa específico, as ações de governo no espaço metropolitano da Grande São Paulo e de Campinas estão garantidas em outros programas. 

As audiências públicas foram um dos mecanismos utilizados para a elaboração do PPA. Até que ponto as demandas da sociedade civil influíram no Plano Plurianual do Estado e como o senhor avalia o grau de participação do Grande ABC nesses encontros? 

Mauricio Hoffmann -- O que o governo espera com as audiências é que a sociedade, conhecedora das suas necessidades, possa expressar carências e principalmente a forma de entender os problemas regionais. Deseja-se também colher subsídios para estruturar as ações estratégicas em interação com o conhecimento local-regional. Em outras palavras, pretende-se que o Plano Plurianual conte com o máximo de participação da comunidade e seja significativamente caracterizado como um planejamento de baixo para cima. O Grande ABC, por possuir organismos como a Câmara Regional e o Consórcio de Prefeitos, pode naturalmente utilizar outros canais que não apenas a audiência pública. É usual receber solicitações estruturadas documentalmente, cujo conteúdo, sempre que possível e viável, é incorporado em alguma medida no PPA.

Sob esse aspecto, o Grande ABC estaria correto quando insiste em negociar com o governo estadual em um contexto mais informal, por meio das instâncias voluntárias? Ou o caminho mais seguro e eficiente seria buscar a formalização jurídico-institucional do ABC seguindo os exemplos da Grande Campinas e da Baixada Santista? Mauricio Hoffmann -- Em primeiro lugar, não podemos deixar de reconhecer a importância desses organismos informais no processo de discussão e de planejamento estratégico do Grande ABC, como bem demonstrado pelas contribuições em estudos, pesquisas e proposições para o desenvolvimento da região. A informalidade se faz presente exatamente pelo fato de inexistir um mecanismo oficial específico que canalize de forma sistemática e estruturada todas as discussões sobre os problemas comuns existentes e carentes de solução. Um órgão que possibilite a interação efetiva entre os governos federal, estadual e municipal, os diversos setores dos Poder Executivo, o Poder Legislativo, a iniciativa privada e a sociedade civil concretizaria o canal adequado ao atendimento desses propósitos.

Então o senhor acredita que a metropolização de direito é condição indispensável para a garantia de recursos estáveis e estabelecimento de diretrizes de longo prazo que transcendam interesses dos prefeitos da vez?

Mauricio Hoffmann -- Considero, sim, que a formalização jurídico-institucional, nos moldes das regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas, seria o caminho mais adequado ao estabelecimento de diretrizes de longo prazo, canalizando o voluntarismo e os contatos informais para os novos mecanismos de gestão.

Em 2000, o senhor acreditava que o Grande ABC pudesse tornar-se uma submetrópole dentro da Grande São Paulo. Esse propósito continua? Já existe alguma sugestão para formalizar o mecanismo operacional da submetrópole Grande ABC?

Mauricio Hoffmann -- Efetivamente já houve alguma elaboração a esse respeito, não exatamente com essa nomenclatura. Faltou, por circunstâncias diversas, a oportunidade de discussão mais objetiva da questão. Acredito que a tendência seja a de acelerar a discussão em torno de alguns pontos iniciais já conhecidos e tomar as regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas como modelos para as subdivisões regionais. Obviamente com ajustes requeridos pelos grandiosos desafios de planejamento e gestão.

Há cerca de três anos o senhor também afirmou à LivreMercado que estudos elaborados com a Fipe/USP e a Unicamp apontaram a necessidade de readequação da Grande São Paulo. Notícias recentes dão conta de que os debates começam já em 2004. Está prevista a participação da sociedade civil também nesse processo? A organização da Conferência Nacional das Cidades, que exigiu mobilização de quase todos os municípios e destacou temas prevalecentemente metropolitanos, pode agilizar esse processo?

Mauricio Hoffmann -- Sem dúvida alguma. O próprio Plano Plurianual do Estado testemunha essa necessidade no capítulo que aprofunda as análises sobre a Região Metropolitana de São Paulo. O processo está em curso, embora com alguma intermitência devido à incorporação de novos instrumentos institucionais e produtos emanados da discussão da Conferência Nacional das Cidades e de outros fóruns pertinentes. A grande complexidade da RMSP, categorizada como metrópole global, é por si só o indicador maior da necessidade de ampla discussão que possa resultar na criação de mecanismos eficientes e eficazes de planejamento. 

Como atingir essa excelência na gestão metropolitana da Grande São Paulo? 

Mauricio Hoffmann -- O primeiro passo, e também o mais objetivo, é estabelecer um documento básico que possa servir de ponto de partida para discussão com toda a sociedade. Os problemas requerem velocidade de concepção compatível com o nível de intensidade e gravidade desses problemas. Vale lembrar, como exemplo das dificuldades de formulação, as eternas discussões de planos diretores municipais. É isso que se quer minimizar.

Dentro do formato atual de metropolização, como o senhor avalia a importância da representatividade política em contraposição à falta de recursos para atender todas as demandas?

Mauricio Hoffmann -- É óbvio que quanto mais forte a representatividade política, maior será a possibilidade de pressões, o que é legítimo dentro do processo democrático. Isso não é novidade, mas a escassez de recursos transcende a representatividade política. A interlocução com a representação política sempre foi e será necessária, já que por definição os parlamentares são os representantes mais próximos da população. É necessário, entretanto, que o encaminhamento de reivindicações regionais seja feito de forma competente e com uma perspectiva de solidariedade.  O perfeito entendimento entre a escassez de recursos e prioridades governamentais é cada vez mais necessário. Por mais desejável e necessária a solução de determinados problemas, nem sempre é possível viabilizar o atendimento dos pedidos.  

Especialistas como Marcos Mendes, consultor do Senado, afirmam que o atual sistema de partilha de impostos carrega forte viés antimetropolitano. O FPM (Fundo de Participação dos Municípios) privilegia micro e pequenas cidades em detrimento dos grandes centros urbanos que concentram problemas sociais e fortes demandas por serviços públicos. Além disso, o critério de repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) fortemente ancorado no Valor Adicionado em detrimento da população desfavorece municípios populosos da Grande São Paulo que perderam indústrias para o Interior do Estado nos últimos anos. O que é possível fazer para corrigir essas distorções numa eventual redefinição do cenário metropolitano?

Mauricio Hoffmann -- O assunto é complexo e politicamente delicado, já que envolve milhares de municípios ditos favorecidos. Veja como é complicado: no rateio do FPM, queixa-se sobre o critério que considera a população como base; no ICMS, reclama-se que a população seja secundariamente considerada. Com relação ao FPM, o posicionamento sobre o que se chama de efeito perverso na distribuição dos recursos fiscais foi analisado no estudo Descentralização Política, Federalismo Fiscal e Criação de Municípios: O que é Mau para o Econômico Nem Sempre é Bom para o Social, dos economistas Gustavo Maia Gomes e Maria Cristina Mac Dowell, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Um dos pontos criticados nesse estudo é a utilização do mesmo coeficiente de rateio de recursos para 2.672 municípios com população inferior a 10.188 habitantes, o que significa quase 50% das cidades brasileiras. 

Com respeito ao ICMS, é exigência constitucional que o Valor Adicionado tenha maior peso de pelo menos 75% na formação dos índices de rateio. Se a industrialização no Interior pode implicar na reprodução de problemas urbanos e sociais semelhantes aos do Grande ABC, não vejo razão, em princípio, para não manter os critérios de distribuição. Por isso, um posicionamento sobre a adequação ou não dos critérios distributivos exigiria aprofundamento de estudos que projetasse principalmente os impactos sobre eventuais alterações.

LivreMercado defende a transformação gerencial da Grande São Paulo em um Estado independente -- proposta também liderada pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial -- com a criação de um fundo específico formado por parte do ICMS e outros tributos destinados a financiar as principais demandas da metrópole. O senhor enxerga viabilidade técnica na proposta?

Mauricio Hoffmann -- Não. Insisto que o melhor caminho seja o de instituir um modelo de gestão e planejamento análogo ao das regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas. Não vislumbro, no meu entender e sensibilidade, qualquer viabilidade política de que tal aspiração separatista possa ser concretizada. Iniciativas semelhantes em relação à subdivisão territorial do Estado de São Paulo não prosperaram. Temo ainda que iniciativas dessa natureza possam deflagrar a pulverização do território paulista em mini-Estados.



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