Administração Pública

Diadema além
do esparadrapo

MALU MARCOCCIA - 05/12/2003

Neste 8 de dezembro uma máquina começa a terraplenagem para reformas no Pronto-Socorro Central de Diadema. Se tudo correr dentro do cronograma, em 18 meses a cidade ganhará não um PS renovado, mas o que o prefeito José de Filippi Júnior chama de novo conceito em atendimento médico público a partir do que já foi batizado de Quarteirão da Saúde. O antigo PS Central, que por enquanto passa a funcionar perto dali, no ex-privado Hospital Diadema, dará lugar a um complexo mais moderno para urgências, emergências e vários serviços centralizados. Mais do que obra há muito demandada por um Município que já conta os moradores na casa dos 360 mil, o Quarteirão da Saúde marca uma área encarada como grande desafio neste último ano de mandato do prefeito Filippi, engenheiro licenciado do IPT que há quatro meses assumiu pessoalmente a Secretaria Municipal de Saúde.

"Diadema registrou 2,5 milhões de procedimentos médicos na rede pública em 1996. Neste ano serão cinco milhões entre consultas, vacinas e cirurgias, e com 100 médicos a menos. Não há como ter qualidade" -- confessa o prefeito petista sobre uma área tomada pelo mesmo dilema que devora outros serviços públicos: a explosão da demanda causada pelo desemprego e pelo empobrecimento da população, uma ferida potencializada na operária Diadema, onde 30% moram em favelas. 

Desde que assumiu esta segunda gestão, Filippi encontrou a saúde no fio da navalha. Corte de horas extras, demissão de médicos nas UBS (Unidades Básicas de Saúde), suspensão de jornada suplementar de trabalho de 40 para 20 horas, fechamento de quatro leitos na UTI do Hospital Municipal e dos 30 leitos da maternidade fizeram da saúde pública um barril de pólvora e derrubaram dois secretários. Houve época em que o próprio prefeito conferiu a sobrecarga no HM e no PS, contando de 60 a 80 pessoas por dia indo embora sem atendimento. Só no PS são 800 usuários por dia. Em setembro último, o pote transbordou: 100 médicos da cidade se demitiram e 400 funcionários largaram o expediente alegando falta de estrutura para trabalhar e ameaças de violência por parte da revoltada população, além de baixos salários, cortes no convênio-médico e no vale-transporte. "Me propus a não ser o salvador da pátria, mas a consolidar o coletivo da saúde e deixar a equipe preparada, para daqui algum tempo escolher o novo secretário" -- afirma o prefeito.

A origem do turbilhão na rede médica é a mesma que exigiu de Diadema e outros municípios brasileiros guilhotinar os gastos públicos: a Lei de Responsabilidade Fiscal. José de Filippi cita que encontrou a folha de pagamentos batendo em 68% das receitas municipais, contra 54% permitidos pela LRF, mais 6% da Câmara de Vereadores. Para trazer a folha dos servidores aos níveis atuais entre 48% e 50%, não restou alternativa senão cortar e a saúde foi atingida por estar entre os maiores orçamentos. "Sempre investimos em saúde mais do que manda a lei. Este ano serão 22% dos recursos municipais com impostos, contra 15% obrigatórios. No orçamento geral da cidade, serão 31,8% para a saúde em 2003" -- enumera o prefeito.

O problema com a saúde pública é mais de planejamento e menos de recursos e infra-estrutura, segundo Filippi. A cidade, que tem a segunda maior densidade demográfica do Brasil, conta com 15 UBS, um Hospital Municipal e um Hospital Estadual de especialidades, um Hospital Infantil e um PS, além de atendimentos exclusivos para crianças deficientes e dependentes químicos, como o Espaço Fernando Ramos. "A questão é que o dinheiro foi aplicado sem planejamento de médio prazo. A informatização para marcar consultas pelo 0800, por exemplo, é uma inovação que reduz o custeio e facilita o deslocamento do morador" -- exemplifica.

Pelo projeto, o Quarteirão da Saúde terá instalações de ponta para urgências e emergências, com PS adulto e infantil. Também disporá de núcleo de especialidades médicas, centro de apoio e diagnóstico com consultas e equipamentos, atendimento mais humanizado no setor de doenças mentais e um centro de fisioterapia e reabilitação. "Assim o presidente Lula poderá se exercitar aqui quando luxar o pé ou o joelho" -- brinca o prefeito. Só de construção o complexo demandará R$ 13 milhões. Diadema espera obter R$ 10 milhões do Ministério da Saúde e oferecer R$ 3 milhões em recursos próprios. Mais R$ 5 milhões estão sendo pleiteados ao BNDES para equipamentos. 

"A informatização será um ponto alto, porque vamos integrar todo o sistema ao HM, ao Hospital Estadual e às UBSs. As Unidades Básicas, por sua vez, trabalharão mais redondas com prevenção, pré-Natal, consultas e o programa Saúde em Casa" -- planeja Filippi, cujo programa de humanização da saúde inclui ouvidorias em todas as UBSs, equipes de voluntários da terceira idade no atendimento a usuários e formação permanente de pessoal. Cursos de emergência e enfermagem foram recém-fechados com o Hospital Albert Einstein, na Capital. Consta ainda a extensão do Hospital Infantil dentro do HM, com uma enfermaria especial para crianças. Por não ter podido fazer contratações nem aumentos salariais devido às restrições orçamentárias, a Prefeitura manteve o convênio com a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) só para o programa Saúde da Família. Emergências, atenção básica e o Saúde em Casa passaram às atribuições municipais, o que reduziu as despesas de R$ 1,2 milhão para R$ 480 mil mensais, calcula o prefeito. 


Sair da UTI -- Se tudo der certo, Diadema não estará retirando apenas a saúde da UTI. O prefeito José de Filippi agenda-se para um 2004 com menos solavancos depois dos fortes ajustes fiscais em 2001 e 2002, cujos símbolos mais marcantes foram a demissão de 110 servidores assim que assumiu e a ameaça de privatizar a sempre cambaleante empresa pública de transportes ETCD, sem falar nos bloqueios de receita este ano por conta de precatórios e retenção para o Fundão da educação. 

Por ter colocado as contas públicas relativamente em dia, a cidade voltou a ter crédito e a poder contratar. A Prefeitura fechou empréstimo de R$ 7,8 milhões com a Caixa Econômica Federal para pôr em andamento a informatização e reforma da máquina pública, orçadas em R$ 11,4 milhões, e está abrindo concurso público para 80 áreas, entre as quais a médica com 100 vagas.  "Quero usufruir dos melhores anos do governo Lula, que serão 2005 e 2006" -- desafia-se Filippi, pondo fé que os indicadores econômicos do Brasil vão começar a sorrir no próximo ano e apostando na sua reeleição à Prefeitura. 

O drama de Diadema neste início de milênio, como de todo o Grande ABC, começou na verdade há pelo menos duas décadas. O ajuste das administrações públicas à LRF está sendo dramático por causa dos orçamentos há anos desidratados com a economia brasileira em recesso e a desindustrialização que moeu o Grande ABC sobretudo nos anos 90. Para se ter idéia das perdas de riqueza industrial da região, Diadema viu sua participação no mapa estadual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) tombar de 1,62% em 1990 para 1,31% em 2000, 1,13% este ano e 1,09% em 2004. Apenas em Valor Adicionado, principal componente do ICMS e medidor da transformação de riquezas em uma cidade, Diadema perdeu 27,1% nos últimos cinco anos em valores deflacionados, segundo o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), da Editora Livre Mercado. O ICMS chegou a representar 70% do caixa da cidade no início dos anos 90 e neste exercício, até outubro, significa apenas 39%.

"Como todo prefeito acuado, tive que buscar recursos na própria cidade" -- não esconde José de Filippi Júnior sobre a força-tarefa que montou para compensar o vazamento da arrecadação com o emagrecimento do parque industrial. Para recolocar Diadema em movimento e ir além dos esparadrapos nos problemas, Filippi criou o Comitê de Recuperação de Receita e lançou pacote com 21 ações, que previam desde nova planta genérica para atualização do IPTU e fim de isenções fiscais para autônomos e construções até aumento para 10% como ISS dos bancos. O prefeito fez visitas pessoais aos 50 grandes devedores da cidade, responsáveis por 80% dos então R$ 100 milhões da dívida ativa, e pôs o secretário de Desenvolvimento Econômico para ouvir e tentar demover empreendedores que estavam indo embora com seus impostos e empregos. 

Até um rastreador de veículos foi planejado para identificar e incentivar o emplacamento com objetivo de elevar o repasse de IPVA à cidade, mas o custo tornou o projeto inviável. Uma saída foi instituir as multas de trânsito previstas pelo Fundatran, que só este ano renderão R$ 10 milhões. O resultado é que as receitas próprias da cidade subiram de 10% em média na década de 90 para 31,5% do orçamento deste ano até outubro. José de Filippi ainda impôs teto de 2% para pagamento anual de um bolo de R$ 150 milhões só de precatórios. Pela emenda federal 30, essa rubrica teria de ser de 12%.

A volta dos financiamentos também ajudará a engordar o orçamento público. A previsão orçamentária de R$ 347 milhões para 2004 significa surpreendentes 30% a mais do que este ano, em parte explicados pelo reforço de R$ 40 milhões em captação de empréstimos. No orçamento de 2004, a saúde desponta em primeiro lugar com destinação de R$ 98 milhões, seguida da educação, com cerca de R$ 76 milhões. Filippi atribui o otimismo para 2004 à esperança de o Brasil crescer e à volta dos investimentos à cidade. Pelas contas da Prefeitura, nos últimos dois anos Diadema perdeu 20 grandes indústrias, mas ganhou outro tanto sobretudo com empresas de logística e comércio. 

O movimento é atribuído a duas grandes frentes de atração. A primeira é o programa Mudando de Cara, pelo qual poder público e empresários custeiam a revitalização urbana para melhorar o ambiente de negócios. O Centro e quatro bairros já receberam melhorias. O destaque no viário é a Avenida Paranapanema, próxima do Sesi, que recebeu 600 metros de galerias pluviais, 3,5 quilômetros de guias e sarjetas e completa pavimentação das três pistas em cada direção, além de iluminação de alta pressão. 

Um segundo fator de atratividade que Diadema quer capitalizar é o combate à criminalidade, que já a fez carregar o troféu de cidade mais violenta do Estado. Até o ano 2000, eram 108,8 mortes a cada 100 mil moradores, índice que caiu para 86,8 em 2001 e 53,1 em 2002 após o mapeamento dos locais de maior incidência, a integração das polícias civil e militar e a criação da guarda municipal. Em julho de 2002 Diadema implantou a chamada lei seca, de fechamento dos bares das 23h às 6h, o que resultou em 22% menos homicídios um ano depois, embora as estatísticas indiquem que aumentaram em 40% as tentativas de homicídios e os roubos de carga. Pelos levantamentos do IEME, Diadema está em 47º lugar no Índice Geral de Criminalidade entre os 55 municípios mais importantes do Estado, levando-se em conta homicídios, furtos e roubos gerais e de veículos. Confiante em mais melhorias, o prefeito Filippi faz o sinal da cruz e sussurra: "Até agora só tivemos três homicídios em novembro". Era dia 20, quando recebeu a reportagem de LM na Secretaria da Saúde, onde passou a despachar. Nada mal para quem já chegou a contar mais de 100 cadáveres por mês.


Leia mais matérias desta seção: Administração Pública

Total de 813 matérias | Página 1

15/10/2024 SÃO BERNARDO DÁ UMA SURRA EM SANTO ANDRÉ
30/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (5)
27/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (4)
26/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (3)
25/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (2)
24/09/2024 Quem é o melhor entre prefeitos reeleitos? (1)
19/09/2024 Indicadores implacáveis de uma Santo André real
05/09/2024 Por que estamos tão mal no Ranking de Eficiência?
03/09/2024 São Caetano lidera em Gestão Social
27/08/2024 São Bernardo lidera em Gestão Fiscal na região
26/08/2024 Santo André ainda pior no Ranking Econômico
23/08/2024 Propaganda não segura fracasso de Santo André
22/08/2024 Santo André apanha de novo em competitividade
06/05/2024 Só viaduto é pouco na Avenida dos Estados
30/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (14)
24/04/2024 Paulinho Serra segue com efeitos especiais
22/04/2024 Paulinho Serra, bom de voto e ruim de governo (13)
10/04/2024 Caso André do Viva: MP requer mais três prisões
08/04/2024 Marketing do atraso na festa de Santo André