Administração Pública

Mauá entre tijolos,
cimento e asfalto

VERA GUAZZELLI - 05/12/2003

A um ano de complementar o cinquentenário, Mauá vive a expectativa de uma transformação urbanística planejada para resgatar o brilho de uma jovem maltratada pelas condições adversas de vida. Depois de efetivar políticas públicas para impulsionar o Pólo Industrial do Sertãozinho e lançar mão de ações localizadas no combate à criminalidade, a cidade espera projetar imagem totalmente nova no espelho. A cirurgia plástica deve consumir R$ 15 milhões em obras viárias e de infra-estrutura e vai colocar à prova a capacidade de driblar a fragilidade financeira do Município, que deve R$ 1 bilhão e detém uma das maiores dívidas per capita do País.

Mauá está disposta a inverter a lógica de que beleza não se coloca na mesa, sem esquecer-se de que estética e conteúdo precisam caminhar juntos. Por isso, o conjunto de obras programadas para 2004 está conectado a uma história recente de reconstrução que tomou como base duas características fundamentais. A primeira é encontrar alternativas de crescimento que invertam o quadro explícito de pobreza agravado pelo cenário nacional de desacelaração econômica e regional de perdas industriais. A segunda está diretamente ligada ao resgate da auto-estima de uma cidade ainda considerada um dos patinhos feios do Grande ABC, com mais de 360 mil habitantes.

"Quem acha que a cidade já mudou de cara, vai se surpreender mais até o final de 2004" -- garante o prefeito Oswaldo Dias. O tempo é curto e a determinação não poderia ser mais precisa. O petista Oswaldo Dias acredita na capacidade da equipe de executar o que está planejado, mas tem consciência de que não entregará a cidade de seus sonhos ao sucessor. Mesmo assim, faz avaliação positiva das conquistas iniciadas há sete anos e aponta a importância do planejamento proporcionado pela continuidade administrativa, principalmente quando os recursos para investimentos limitam-se a magros 5% do orçamento anual.

Tanto que os R$ 15 milhões que a Prefeitura de Mauá estima investir no pacote de obras correspondem quase que exatamente a esse limite percentual em relação aos R$ 305 milhões previstos no orçamento de 2004. O valor já está quase todo empenhado, termo utilizado para designar o dinheiro separado para pagamento de determinada conta, e a maioria das obras também está em processo licitatório. Como os trâmites burocráticos determinam os prazos legais de cada etapa, a Prefeitura estabeleceu cronograma com margem de flexibilidade quase zero e, portanto, com pouca capacidade de resistir a contratempos mais complicados. 

Quase todas as obras devem estar entregues entre outubro e dezembro de 2004. Mais que questão de honra, o prazo precisa ser cumprido à risca porque a Lei de Responsabilidade Fiscal acabou com a farra de deixar obras inacabadas para o sucessor. O prefeito que começa tem de terminar e principalmente de pagar a conta, senão corre o risco de acabar na cadeia. "Sei que estamos sendo ousados, mas a possibilidade de executar 100% do planejado é grande" -- calcula a secretária de Obras, Maryluce Rossi Santa Roza.

Por enquanto, a Prefeitura iniciou a primeira fase da intervenção na área central. A etapa prevê o rebaixamento da Avenida Capitão João e é fruto de parceria com as concessionárias do transporte público local em sistema batizado de Operação Urbana. Os R$ 1,8 milhão que as empresas vão investir na obra é a contrapartida pelo aumento das passagens de ônibus autorizada pela Administração há dois anos. A segunda fase vai consumir R$ 7 milhões de recursos próprios para efetivar passagem aérea em estilo boulevard que liga a Praça 22 de Novembro à Avenida Capitão João e elimina a divisão causada pela ferrovia. Estão previstos também uma biblioteca e um calçadão entre seis e oito metros de largura, também na Capitão João. O vencedor da licitação desse segundo trecho deve ser conhecido nos próximos dias.

Também têm início neste começo de dezembro as obras do ginásio poliesportivo ao lado do Paço. O equipamento público orçado em R$ 4 milhões contará com três mil lugares, piscinas recreativas e esportiva, salas multiuso e auditório para cursos. Dentro do pacote está prevista ainda a construção das Emeis da Vila Vitória, do Jardim Zaíra e do bairro Itaussu, essa última perto de obter licença ambiental porque está localizada em área de manancial. Há ainda os complexos esportivos e culturais do Parque das Américas, Vila Vitória e Jardim Zaíra, além da reforma dos campos distritais da Vila São João, Vila Mercedes e Vila Assis, cuja conclusão está programada ainda para 2003. "As intervenções simultâneas mostram que toda obra é importante, independente da dimensão e do custo" -- entende a secretária Maryluce Rossi, que assumiu a pasta há dois meses, mas coordenou durante três anos a equipe que se debruçou sobre o projeto das intervenções urbanísticas em andamento.


Prioridade zero -- A determinação do prefeito Oswaldo Dias em assumir tantos compromissos no último ano de mandato é referendada pelos próprios acontecimentos. Apesar do aperto orçamentário e das recentes dificuldades financeiras com o sequestro de R$ 20 milhões para pagamento de dois precatórios, não foi retirado um tostão sequer do valor previsto para obras no orçamento de 2004. A atitude conduz a várias interpretações, entre as quais a de que a Prefeitura aposta na lentidão da Justiça, o que protelaria o pagamento de outros R$ 200 milhões que a administração ainda deve em precatórios para além de 12 meses. A interpretação mais latente, no entanto, é que obras são indiscutível chamariz eleitoral.

"A associação é inevitável, mas não tem sentido deixar de fazer por causa da eleição. A administração pública não pode ser feita de mandatos" -- enfatiza Oswaldo Dias. O recado do prefeito tem endereço certo e está, de certa forma, subsidiado pelo histórico recente de realizações. A remodelação prevista em toda a cidade complementa um conjunto de obras iniciado em 1997 -- primeiro ano do primeiro mandato do petista -- com a transformação de parte da Avenida Barão de Mauá em calçadão, a cobertura entre as estações ferroviária e rodoviária, a construção do Mauá Plaza Shopping e mais recentemente o viaduto Mário Covas. "A Prefeitura tem entregue obras todos os anos" -- despolitiza a secretária Maryluce Rossi, ao lembrar que somente em 2003 foram concluídas três Emeis e uma escola de educação especial. 

Maryluce Rossi também procura descaracterizar o caráter eleitoreiro normalmente conferido às obras públicas sob a argumentação de que o trabalho de sua secretaria está inserido em contexto de crescimento que extrapola o conceito de cartão-postal que as intervenções urbanísticas costumam conferir às cidades. "Quando bem planejada, a arquitetura também é uma ferramenta de desenvolvimento econômico" -- acredita a arquiteta por formação, ao exemplificar que a remodelação da área central vai estimular o comércio instalado do lado de cima da estação ferroviária. Maryluce Rossi raciocina sob a lógica de que sem a necessidade de transpor a linha férrea, o fluxo de pedestres do calçadão da Barão de Mauá desloca-se naturalmente para o outro lado. Os comerciantes, que já amargam queda no movimento por causa das obras, ainda se mostram céticos quanto ao argumento oficial.

De qualquer forma, o exemplo contextualiza a política de atração de investimentos privados utilizada desde 1997. Mauá sempre abriu mão da guerra fiscal e só ofereceu isenção de impostos municipais por 10 anos ao Mauá Plaza Shopping porque o empreendimento executou melhorias no sistema viário central. Para outros investidores a cidade propagandeou atrativos naturais como os cinco milhões de metros quadrados disponíveis no Pólo de Sertãozinho e a reformulação do zoneamento industrial que permitiu fracionar esses lotes a partir de 500 metros quadrados. "A idéia de que somente a reserva de áreas seria suficiente para impulsionar o crescimento é equivocada. O mercado nem sempre resolve as coisas sozinho. Por isso o poder público tem de ser prospectivo, tem de saber onde e quando intervir" -- entende o prefeito Oswaldo Dias. 

Mauá captou R$ 50 milhões em investimentos nos últimos sete meses para ampliação e instalação de 14 indústrias. Foram 70 novas empresas desde 1997, o que dá relevância ao componente formado pela combinação de terrenos fartos e zoneamento atualizado. O movimento, no entanto, ainda é insuficiente para reverter o quadro de perdas econômicas que se arrasta há duas décadas no Grande ABC. Apesar da chegada de novas empresas, Mauá registra queda de 20,1% no Valor Adicionado -- principal indicador de riqueza industrial de uma cidade -- entre dezembro de 1995 e dezembro de 2002.  Os números não deixam dúvidas e são patrocinados pelo fato de que as empresas novatas -- a maioria veio de outras cidades do Grande ABC -- ainda não dão conta de compensar as que fecharam, se evadiram ou permaneceram produzindo em quantidade menor.  

"O caminho é longo, por isso temos de ser cada vez mais realistas" -- reconhece o secretário de Desenvolvimento Econômico, Paulo Suares.  O executivo público evita traçar diagnósticos apenas com base nos dados quantitativos que mostram acréscimo de 550 para 746 indústrias de janeiro de 1996 até setembro de 2003. De calculadora em punho e munido de diversas planilhas oficiais, tenta prospectar cenário mais alentador para os próximos anos. Ele acredita que se o aumento de produção do Pólo Petroquímico de Capuava -- recentemente beneficiado com mudança de legislação -- realmente se concretizar, haverá gradual desaceleração no quadro de perdas, já que quase metade da arrecadação de ICMS de Mauá é proveniente do setor.


Riqueza e renda -- Paulo Suares, no entanto, sabe que não adianta apostar todas as fichas na pontualidade. As novas empresas trouxeram apenas 500 empregos diretos, número que ajudou o Município a manter o melhor desempenho do Grande ABC na criação de postos de trabalho formal no primeiro semestre de 2003, mas pouco contribui para amenizar as taxas de desemprego que insistem em ultrapassar os 20%. "É preciso estar sempre atento à relação entre riqueza e renda. Não adianta crescer em arrecadação se não formos capazes de estancar os focos de pobreza. Bons indicadores precisam se reverter em qualidade de vida" -- contextualiza Paulo Suares.

A constatação está diretamente ligada ao fato de que o marketing positivo patrocinado por boas colocações nos diferentes rankings que medem o desempenho econômico e social dos municípios pode facilmente sucumbir à realidade das ruas. Mauá conseguiu diminuir os índices de criminalidade depois que aprovou a Lei Fecha-Bar e estabeleceu sinergia entre as ações da Guarda Municipal e das polícias civil e militar. A diminuição da violência conta como mais um fator de atratividade, mas não pode ser superdimensionada. "Tudo tem de convergir para o desenvolvimento" -- reforça Oswaldo Dias.

Sob essa lógica, a Prefeitura vive a expectativa de ver concretizadas três promessas dos governos federal e estadual. As duas primeiras se referem às obras do trecho sul do Rodoanel e da ligação Jacu-Pêssego. As intervenções viárias colocariam Mauá em posição estratégica entre o Porto de Santos e o Aeroporto Internacional de Guarulhos e ajudariam a fixar a cidade no mapa industrial da Grande São Paulo. Como logística é um dos fatores determinantes para investimento industrial, as empresas e consequentemente os terrenos localizados no Pólo de Sertãozinho agregariam forte componente de competitividade se as estradas realmente saírem do papel.

A Prefeitura também espera fechar outro acordo com os governos federal e estadual para a instalação do Centro de Apoio e Difusão Tecnológica do Setor Plástico. Essa espécie de central de inteligência atenderia a toda a cadeia produtiva do setor da região em desenvolvimento de pesquisas e assessoramento de gestão de processos e produtos. A idéia é instalar o Centro em Capuava, próximo das petroquímicas e das produtoras de resinas termoplásticas. A Prefeitura garante que já reservou recurso que lhe cabe na parceria com total estimado em R$ 2 milhões e só aguarda sinal verde das outras esferas de governo para definir o local. O centro também é disputado por Diadema, cidade do Grande ABC mais parecida social e economicamente com Mauá. Diadema, no entanto, tem concentrado a atenção no setor de cosméticos. "Em seis meses haverá novidades positivas sobre o assunto" -- arrisca Paulo Suares. 


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