Administração Pública

Missionários da
música erudita

WALTER VENTURINI - 05/03/2004

Eles são verdadeiros missionários da música erudita. Trabalham sem descanso para requalificar a cultura musical da população de São Bernardo e do Grande ABC, livrando-a dos produtos de péssima qualidade que baixam todos os dias nas gravadoras. Não é nada fácil a missão dos integrantes da Orquestra Filarmônica de São Bernardo. São em média 80 concertos por ano. Todos gratuitos, para resgatar o bom gosto musical. Das favelas aos shoppings centers, o maestro Paulo Rydlewski e 54 músicos querem fazer crianças, jovens e adultos aprenderem a gostar de uma sinfonia com a mesma paixão de quem assiste a uma partida de futebol.

"Queremos desmistificar a visão de que para ver uma orquestra é preciso ter dinheiro, ternos e vestidos de gala. A orquestra é da cidade da mesma forma que o time de futebol de salão, que por sinal é muito bom" -- afirma o maestro Paulo Rydlewski, que participou da criação da Filarmônica de São Bernardo em setembro de 2000. Durante esses anos, maestro e orquestra fizeram o máximo para provar que música erudita não é para ouvidos privilegiados e muito menos algo enfadonho e tedioso. Somente para a temporada de 2004 é que a equipe de Rydlewski deixará de ter a maior agenda de concertos do Brasil. Ficará em segundo lugar, atrás da conceituada Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).

Mesmo assim, pouco muda na rotina da Filarmônica, que orienta ações para três tipos de trabalho -- o educativo, o cultural e o social. Na primeira modalidade, realiza 40 concertos didáticos por ano, cada um com pelo menos 500 crianças e jovens de escolas da cidade e comunidades carentes da periferia. Está na agenda do maestro um concerto para crianças em outubro, com um solista de piano com apenas oito anos de idade. É Kevin Eguchi, americano de mãe brasileira e pai filipino, que pode ser mais um incentivo ao estudo de música. "No concerto didático a criança toma contato com a orquestra e com os instrumentos. A cada ano o repertório muda, de forma que, em quatro anos, o público acumula conhecimento para continuar a gostar de música erudita. Chega-se ao ponto de as crianças levarem os pais às apresentações" -- entusiasma-se o maestro Rydlewski, que começou a estudar Composição e Regência quando São Bernardo ainda abrigava a Faculdade de Música da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Paulo Rydlewski aprimorou a formação em cursos no Brasil e no Exterior. Teve maestros como o brasileiro Eleazar de Carvalho, os húngaros Gyorgy Kurtag e Peter Eotovos, além do norte-americano Leonard Bernstein. Desenvolveu trabalhos de música contemporânea com John Cage, compositor americano de vanguarda.


Favela e shopping -- A Orquestra Filarmônica de São Bernardo também desenvolve trabalho cultural. São mais de 20 concertos de alto nível por ano, com repertório tradicional e solistas brasileiros e estrangeiros. Para 2004 estão nos planos realizar em novembro a apresentação da cantata Carmina Burana, de Karl Orff. A orquestra será acompanhada pela apresentação de um balé e de artistas de circo. Para cumprir média superior a seis concertos mensais, o maestro Rydlewski leva seus músicos a favelas como a do Areião, em praças, empresas, escolas e até mesmo em shoppings. Um verdadeiro trabalho de operários da música erudita que afina os ouvidos populares para o bom gosto. O resultado vale a pena. O maestro conta que há resposta muito positiva nos concertos didáticos e muita gente passa a frequentar outras apresentações da Filarmônica.

"Nosso foco são as camadas menos favorecidas. Tem um senhor da favela do Areião que, depois de nossa apresentação, não perdeu mais nenhum concerto. Um dos meus objetivos nessas idas aos bairros é dar significado às pessoas daquilo que elas estão ouvindo. Converso com o público e explico as músicas para que todos possam apreciá-las" -- conta o maestro, que empolga a platéia falando detalhes da história que existe por trás de cada sinfonia. "Antes de começar a reger, conto a história, os momentos mais sensíveis, as lutas de espadas e o romance" -- relata Rydlewski, que faz parte da nova geração de maestros brasileiros, preocupada em mostrar ao público uma música erudita despojada de casacas e fraques, símbolos do universo de preconceito da atividade.

Para Paulo Rydlewski, o distanciamento do público em relação à música erudita é resultado da extinção das aulas de educação musical. "A ditadura fez o possível para que o povo não tivesse acesso à educação musical e à cultura. E não foi só com a música sinfônica. Há o exemplo do Chico Buarque, entre outros. Hoje, bons músicos brasileiros têm de pintar o cabelo de loiro e rebolar. O resultado é que agora prevalecem músicas de péssima qualidade" -- entende Rydlewski, para quem nem sempre o brasileiro desconhece os encantos das orquestras. Ele conta que cantoras famosas como a soprano Maria Callas se apresentaram para platéias brasileiras lotadas e que mesmo o famoso maestro italiano Arturo Toscanini começou carreira como regente no Brasil, durante exibição no Rio de Janeiro em 1885, aos 19 anos.

Para resgatar o bom gosto musical, Rydlewski reuniu 54 músicos em setembro de 2000, metade dos quais originária do Grande ABC. "Temos músicos que tocavam nas antigas bandas dos bairros Rudge Ramos e Baeta Neves, mas o que interessa é que sejam bons, não importa de onde. Temos gente da Romênia e do Japão, por exemplo. O importante é que a orquestra é formada por músicos profissionais. Nossa agenda só perde para a da Osesp, cujo orçamento é 10 vezes maior" -- aponta o maestro.


Orçamento -- É o orçamento enxuto da Filarmônica de São Bernardo, de R$ 1,4 milhão, que mostra seu lado eficiente. "Nossa relação custo-benefício é a melhor do Brasil. Os patrocinadores devem levar em conta nossa exposição" -- destaca Paulo Rydlewski na tentativa de superar o que talvez seja o único ponto fraco do grupo: a falta de apoio financeiro. A Orquestra Filarmônica já se apresentou para público estimado em 650 mil pessoas. Até agora, somente a Prefeitura de São Bernardo investiu nas atividades da orquestra. Para viabilizar parcerias este ano, o maestro elaborou os projetos de Carmina Burana e do concerto das crianças em busca de apoio da iniciativa privada. O mesmo está planejado em relação à gravação de dois novos CDs da Filarmônica, um de sinfonias e outro de concertos, todos de autores brasileiros. A orquestra já tem um CD no mercado com obras nacionais, entre as quais a primeira gravação do poema sinfônico Werther, de Alexandre Levy, custeado pela Prefeitura.

Além de gravar músicas, Rydlewski pretende restaurar e colocar as partituras à disposição de interessados. A restauração é um trabalho de ourives, verdadeiro resgate da história musical do Brasil, onde a maioria dos copistas de partituras não tem formação musical. Por causa dessa deficiência, boa parte das peças musicais apresenta registros imprecisos. Empresas como Petrobras, Rede Globo e Pão de Açúcar associaram seus nomes a trabalhos de resgate histórico e promoção da cultura brasileira. "Hoje, para obter certificações de qualidade, as empresas precisam estruturar esse lado social, cultural e ambiental. E os empresários não têm noção do que oferece a Lei Rouanet, que permite abater parcela do Imposto de Renda. A empresa traz o capital de volta com marketing de relacionamento e institucional" -- lembra o maestro.


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