Administração Pública

Irmão mente sobre
origem do crime

DANIEL LIMA - 05/01/2004

Contrariamente ao que anunciou o Ministério Público Estadual com base em depoimento de um membro da família Daniel, o prefeito Celso Daniel não foi morto porque iria desmontar suposto esquema de corrupção que teria tomado conta de setores da Prefeitura de Santo André. A família Daniel, por estar afastada durante vários anos do cotidiano pessoal e político do prefeito assassinado, não conseguiu repassar as informações com a distância emocional necessária ao enriquecimento das investigações e tornou a conclusão central do MPE divorciada dos fatos. 

Segundo o MPE, a morte do homem que o PT havia escolhido para coordenar a campanha de Lula à Presidência da República foi planejada -- e decretada -- quando ele deu início ao que os promotores chamaram de processo de desarticulação do vasto esquema de corrupção que tomou conta de setores da Prefeitura de Santo André.  Garantem os jornais que os promotores de Justiça que investigam o sequestro e a execução de Celso Daniel trabalham nessa linha com muita convicção. Eles suspeitam que o prefeito ameaçou interesses de empresários envolvidos em contratos irregulares, dezenas de negócios realizados por meio de licitações dirigidas no período entre 1997 e 2002. A primeira medida concreta de Celso Daniel para desmontar as bases do grupo, sustentam os promotores, foi impedir a candidatura a deputado estadual de seu secretário de Serviços Municipais, o vereador Klinger Luiz de Oliveira Sousa. Com tal gesto, teria tido a intenção de barrar a evolução política de Klinger, eminência do PT em Santo André. 

Klinger é acusado pelo Ministério Público Estadual de integrar o esquema. Ele já foi denunciado formalmente, perante a Justiça, por formação de quadrilha e concussão (extorsão praticada por servidor). Os promotores o consideram peça-chave na trama. Pediram sua prisão em julho de 2002 -- afirmaram os jornais. 

"Não temos provas de que Klinger tenha participação na morte do prefeito, mas é público que o Celso Daniel impediu que ele saísse candidato a deputado" -- disse Roberto Wider em matéria do Estadão. "As medidas de Celso Daniel visavam a reduzir a força da quadrilha" -- endossa Amaro Thomé, companheiro de Wider, segundo a mesma reportagem do Estadão. 

Diferentemente do que declara João Francisco Daniel ao MPE, a retirada da candidatura de Klinger Sousa à Assembléia Legislativa aumentou sua influência na estrutura política e técnica da Prefeitura. A explicação é tão simples quanto verdadeira: Celso Daniel pretendia ver Klinger Sousa seu substituto à frente da Prefeitura, nas eleições de 2004. Entretanto, democrático e preocupado em costurar a unidade partidária, Celso Daniel recomendava a Klinger Sousa que se viabilizasse eleitoralmente junto aos correligionários do Partido dos Trabalhadores, já que o então vice-prefeito João Avamileno e o deputado federal Luizinho Carlos da Silva, detentores de importantes nacos de votos do diretório municipal, também estavam na disputa pela conquista dos filiados. 

A candidatura de Klinger Sousa à Assembléia Legislativa aumentaria o nível de resistência de alas menos moderadas de petistas ao discípulo preferido de Celso Daniel, vereador mais votado do partido nas eleições de 2000. A explicação é evidente: a disputa acirraria a luta por votos. Permanecendo como secretário -- na verdade, um supersecretário --, Klinger Sousa teria o controle estratégico das candidaturas petistas à Assembléia Legislativa e, com isso, plantaria as sementes de composições internas que muito o auxiliariam nas eleições à Prefeitura em 2004.  

O fato é que a família Daniel está maliciosamente ou não equivocada sobre o que seria a raiz do sequestro e do assassinato do prefeito porque Klinger Sousa teve atuação ampliada e fortalecida a partir da oficialização de Celso Daniel como coordenador do programa de governo do então candidato Lula da Silva. Ou seja: a idéia de que o desbaratamento da suposta quadrilha que atuaria no Paço Municipal de Santo André e que teria em Klinger Sousa o pivô dos movimentos é um caminhão imenso que não cabe no estreito espaço de uma ruela de fatos documentalmente contrários. 

 Na tarde de 21 de novembro de 2001 -- portanto a menos de dois meses do sequestro de Celso Daniel --, almocei com o então secretário municipal Klinger Sousa. Fui convidado para dividir uma mesa de um restaurante de Santo André com aquele que todos diziam que seria o próximo prefeito do Município dado o prestígio de que gozava como um dos principais membros da cúpula que comandava o Paço Municipal tendo à frente Celso Daniel. Poucas vezes sentamos para conversar. Ele queria saber minha opinião sobre a possibilidade de lançar candidatura ou não à Assembléia Legislativa. Justificou que minha opinião, como jornalista independente, era muito importante para o Paço. Respondi que no dia seguinte, 22 de novembro, escreveria a newsletter Capital Social Online sobre o assunto. Que não mencionaria especificamente seu nome, porque os conceitos que ofereceria valeriam para todos os secretários municipais efetivamente fortes nos respectivos Paços e que, como ele, curtiam a mesma dúvida. 

No dia seguinte, 22 de novembro, conforme material anexado aos promotores e ao juiz de Itapecerica da Serra, emiti para perto de 10 mil cadastrados da newsletter Capital Social Online texto relativamente curto sob o título Por que é preciso ser deputado para disputar eleições para prefeito?. 

 Quatro dias depois -- 26 de novembro de 2001 -- da publicação do artigo em que estimulava Klinger Sousa e tantos outros secretários eventualmente interessados nas eleições de 2004 a esquecer a Assembléia Legislativa, os jornais publicaram notícia há muito aguardada: "Celso é confirmado para coordenar programa do PT", manchetou à página 5 do caderno Nacional o Diário do Grande ABC, único jornal diário da região. "O diretório nacional do PT nomeou ontem o prefeito de Santo André, Celso Daniel, como presidente da comissão -- composta por 22 nomes do partido -- que cuidará da elaboração do programa de governo para as eleições presidenciais" -- escreveu o jornal num dos parágrafos. O recorte está anexo a este processo.

 No dia seguinte, 27 de novembro de 2001 -- portanto, cinco dias depois do artigo em que eu considerava a Assembléia Legislativa menos importante do que tanto se apregoava -- o Diário do Grande ABC apresentou a seguinte manchete à página 3 do caderno Política Grande ABC: "Celso faz Klinger desistir da AL", seguida do seguinte subtítulo: "Prefeito aceita coordenadoria do programa do PT, mas quer manter secretariado na cidade". 

 No mesmo 27 de novembro em que o Diário do Grande ABC publicava a decisão do prefeito Celso Daniel de reforçar a estrutura do Paço Municipal para poder trabalhar na campanha de Lula da Silva em 2002, a newsletter Capital Social Online publicou editorial sob o título "Já estamos vivendo ambiente de República do Grande ABC". Numa retranca sob o título "O que significa a retirada da candidatura de Klinger", escrevi perto de 2,5 mil caracteres. Alguns trechos: "O vereador licenciado e secretário municipal Klinger Sousa abriu mão de uma eleição praticamente certa a deputado estadual para reforçar o quadro gerencial da Prefeitura de Santo André e o programa nacional do Partido dos Trabalhadores. 

 No dia seguinte, 28 de novembro, o jornal Diário do Grande ABC, à página 3 do caderno Política Grande ABC, afirmava em manchete: "Klinger fica mais perto de Celso", com o subtítulo: "Secretário de Serviços Municipais abre mão de sonho e aumenta seus poderes na Prefeitura". Alguns trechos da matéria. "O secretário de Serviços Municipais de Santo André, Klinger Luiz de Oliveira Souza, confirmou ontem que não será mais candidato a deputado estadual para poder permanecer na Prefeitura. A decisão de Klinger foi tomada em uma reunião com o prefeito Celso Daniel (PT), que fez o pedido para que ele não seja candidato. Celso quer manter o secretariado completo no próximo ano, pois fará a coordenação do programa de governo do partido à Presidência da República e terá de dividir sua agenda com a duas funções. Klinger afirmou que a candidatura a uma cadeira na Assembléia Legislativa era um sonho de crescimento político, mas que não teve como rejeitar o pedido feito pelo prefeito. 

 Na edição de 3 de dezembro de 2001 -- 45 dias antes do sequestro --, o Diário do Grande ABC dava a seguinte manchete à página 3 do caderno Política Grande ABC: "Desistência de Klinger beneficia os petistas", com o seguinte subtítulo: "Decisão ajuda alguns e prejudica quem contava com o político". 

 Uma bomba sempre em explosão na política partidária em Santo André -- o eterno ajuste dos valores de cobrança do IPTU -- antecipou na prática as funções de primeiro-ministro ou supersecretário que Klinger Sousa deveria exercer somente a partir de 2002, quando Celso Daniel estaria mais próximo da campanha de Lula da Silva. A newsletter Capital Social Online registrou em 5 de dezembro de 2001 -- portanto, a 43 dias do sequestro do prefeito -- um jantar em que estive com Klinger Sousa e o empresário Sérgio De Nadai, filiado ao PSDB e então um dos maiores contestadores da política de reajustes do IPTU. O jantar na noite de 4 de dezembro comprova uma das novas missões de Klinger Sousa para aliviar as funções executivas do prefeito Celso Daniel: aproximar-se do empresariado regional. Klinger Sousa foi ao encontro de Sérgio De Nadai preocupado com a ameaça do empresário de retirar sua indústria -- uma das 20 maiores contribuintes de ISS do Município -- de uma cidade já arrasada pela desindustrialização nos últimos 30 anos.

 No mesmo 6 de dezembro, a newsletter Capital Social Online voltava ao assunto sob o título "Empreendedores tomam caminho errado contra aumento do IPTU". Um dos trechos do editorial: "A ruptura nos entendimentos entre agentes públicos e representantes de empreendedores que culminou com a aprovação das novas alíquotas do IPTU na calada da noite de segunda-feira coloca os protagonistas em cantos diferentes do ringue institucional. A indispensável aproximação agora deverá ter uma costura muito especial, da qual, segundo informações, vai dar conta o secretário municipal Klinger Sousa, um petista de linha mais que moderada dentro de uma Administração Municipal que longe está do modelo sectário de parte desse partido que é uma espécie de ônibus que só reconhece sinais de convergência à esquerda".

 Na edição de 7 de dezembro de 2001, o Diário do Grande ABC voltou ao assunto sob o título "Klinger busca a harmonia na guerra do IPTU". Seguindo à risca suas novas atribuições, Klinger Sousa procurou amenizar os estragos da aprovação do aumento pela Câmara Municipal. 

 No dia 7 de dezembro de 2001, de novo a newsletter Capital Social Online tratava do assunto IPTU, sob o título "Klinger vira agente da paz, mas o caso é complicado". Alguns trechos do editorial: "O forrobodó processual do Caso IPTU em Santo André precipitou a antecipação das novas funções institucionais e técnicas do secretário municipal Klinger Sousa, inicialmente previstas para o ano que vem, quando o prefeito Celso Daniel vai comandar o programa do candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva. Provável concorrente do Partido dos Trabalhadores à Prefeitura de Santo André na sucessão de Celso Daniel, o secretário municipal foi lançado ou se lançou numa fogueira de contratempos gerados pela precipitada aprovação da progressividade do IPTU. 

 Na edição de 9 de dezembro do Diário do Grande ABC, à página 4, uma reportagem de página inteira sobre as controvérsias geradas pelo IPTU em Santo André abarcou uma avaliação da situação em cada Município do Grande ABC. Um trecho da retranca Celso adota progressividade, que trata especificamente de Santo André: "No caso das indústrias, as alíquotas variam de 0,5% a 1,2% e já provocaram a reação de alguns empresários, como Sérgio De Nadai, e da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André). A ameaça de deixar a região fez com que o secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Souza, entrasse em ação na tentativa de promover o diálogo". 

 A newsletter Capital Social Online retomou o assunto em 17 de dezembro de 2001 -- depois só voltaria a ser enviada aos emeiados na segunda semana de janeiro -- com uma retranca sob o título "Novidades sobre o IPTU em Santo André? Esperamos". 

 No dia 2 de janeiro de 2002 -- portanto, duas semanas antes do sequestro seguido de assassinato --, o então secretário de Governo de Santo André, Gilberto Carvalho, hoje secretário particular do presidente Lula da Silva, concedeu entrevista ao Diário do Grande ABC, à página 2 do caderno Política Grande ABC. Referindo-se à ausência do prefeito durante o período em que comandaria o programa de governo do PT à Presidência da República, Gilberto Carvalho afirmou: "Celso tomou extremo cuidado nessa questão, tanto que fez todo esse empenho para a manutenção do secretário de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Sousa, e também planeja afastar-se o menor tempo possível, algo em torno de três meses. Não há a menor hipótese de desconfiança em torno da capacidade do vice João Avamileno, apenas um compromisso forte com a proposta de governar a cidade até o fim do mandato. Os últimos acontecimentos já mostram o que vai significar para a vida política de Celso a função. Ele teve um brilhante desempenho no encontro nacional do partido em Recife, onde foram aprovadas diretrizes do programa. O próprio Lula já manifestou ter feito excelente escolha".  

 No dia 15 de janeiro de 2002 -- portanto, três dias antes do sequestro seguido de morte do prefeito Celso Daniel --, a newsletter Capital Social Online voltava à Internet com uma pequena nota, em retranca, sobre o caso IPTU, sob o título IPTU de Santo André agora sob controle?. Alguns trechos do artigo: “Um dos negociadores da Prefeitura de Santo André do explosivo aumento e progressividade do IPTU, o secretário municipal Klinger Sousa afirma que acabou de sair do forno a conciliação entre a Administração Municipal e a Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) . A entidade de classe desistiu de patrocinar qualquer ação judicial e a Prefeitura aceitará analisar todos os pedidos de revisão de valores que forem cadastrados pela Acisa". 


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