Administração Pública

Mercado imobiliário desaba,
mas prefeitos arrecadam mais

DANIEL LIMA - 19/06/2019

Os prefeitos dos sete municípios do Grande ABC que tomaram posse em janeiro de 2017 repetem os prefeitos que os antecederam: especializaram-se em aumentar a carga tributária municipal, independentemente dos sacolejos econômicos.

Nossos prefeitos parecem não estar nem aí com a sociedade regional, que vive a maior crise econômica da história, muito acima do desastre nacional, porque aqui se depende demais da Doença Holandesa Automotiva. Ao invés de Planejamento Econômico Estratégico regional eles se entregam à simplicidade de aumentar a carga tributária.

Fiz novos cálculos e os leitores vão ficar estarrecidos. Entre janeiro de 2014 e dezembro de 2017 (portanto, 48 meses), as prefeituras da região arrecadaram com o IPTU, em termos reais, descontada a inflação, nada menos que um adicional de 24,57%. No mesmo período, os negócios imobiliários, referendados pelo ITBI, caíram 16,50%. Essa dicotomia pode ser chamada de associação de insensibilidade pública e empobrecimento social.

Falta de elementos sociais

Uma sociedade sem cidadania, sem representatividades institucionais (cadê as entidades de classe empresarial, de trabalhadores, cadê a OAB, cadê tantas outras) e que, portanto, não tem nem sombra do que os triunfalistas chamam de sociedade civil organizada, vai ter mesmo que chorar o leite derramado enquanto não se mobilizar. Ou então abandonar o espaço regional, como muitos já o fizeram.

As administrações públicas municipais, em geral e sem exceção dão as cartas da ousadia tributária e jogam de mão de indiferença aos contribuintes. O descompasso da evolução acima da inflação da arrecadação do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e do mergulho do ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis)) é apenas um retrato desse abuso.

Mas o que se pode fazer se, entre outros fatores, a mídia regional só se preocupa com varejismos, muitos dos quais de apoio irrestrito aos governos locais de plantão?

Estabeleci o ano de 2013 como base de comparação até alcançar o ano de 2017. Os dados referentes a 2018 ainda não foram publicados oficialmente por organismos federais. São 48 meses de ponta a ponta, entre janeiro de 2014 e dezembro de 2017. Nesse período, o PIB Nacional sofreu duras quedas.

Processo acelerado

A recessão econômica iniciou-se no primeiro trimestre de 2014 e ainda não pode ser considerada debelada porque o País cresceu quase nada nas duas últimas temporadas, depois de um 2015 e 2016 devastadores. No Grande ABC a situação é muito pior. Aqui é sempre pior quando a vaca nacional vai para o brejo. Nossa velocidade de infortúnio corre na mesma raia das montadoras e autopeças.

O IPTU arrecadado pelos sete municípios da região em 2013 chegou a R$ 642.575.006 milhões, contra R$ 167.141.039 milhões do ITBI. Em 2017, o IPTU rendeu aos cofres municipais R$ 1.029.271.412 bilhão, ante R$ 179.451.536 milhões e ITBI.

O crescimento nominal (sem considerar a inflação do período) alcançou 60,18% no IPTU e 7,36% no ITBI. Quando aplicada a inflação de 28,59% do IPCA (Índice de Preços ao Consumo Ampliado) da IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), têm-se os dados reais: crescimento da carga tributária do IPTU de 24,57% e queda do ITBI de 16,50%%.

Desequilíbrio total

Um dos sintomas de que um Município ou uma região como um todo entrou ou continua em processo de depauperação econômica e social (há tantos outros sobre os quais já fiz dezenas de abordagens) é o cruzamento do quanto as prefeituras metem nos cofres em termos de impostos e quanto a dinâmica dos negócios está em movimento.

A velocidade pantagruélica do IPTU e o recuo preocupante do ITBI do Grande ABC nestes anos de recessão que arrasa a sociedade brasileira são emblemáticos. Os negócios imobiliários (casas, apartamentos, terrenos) desabaram enquanto a gulodice dos prefeitos segue frenética. A baixa visibilidade na gestão de impostos municipais permite que os prefeitos de plantão deitem e rolem. Eles estão indiferentes aos desassossegos sociais.

Não existe a menor possibilidade lógica de haver sintonia de justiça tributária e fiscal quando o IPTU é flagrado em delito num enfrentamento com o ITBI. É abuso administrativo escandaloso.

Fragilidade industrial

Movido cada vez menos a emprego industrial, núcleo da mobilidade social ao longo dos anos, o Grande ABC conhece a cada nova temporada mais reveses econômicos. Neste século, como mostramos recentemente, o PIB Regional praticamente ficou congelado, em contraste com outras regiões, inclusive na Grande São Paulo. Se o resultado cruzar a linha mais elucidativa, do PIB per capita, o desastre será dramático.

Os números de emprego industrial nos últimos 33 anos são tenebrosos. Em fevereiro deste ano mostrei que em 396 meses, desde dezembro de 1985, o Grande ABC perdeu o equivalente a 18,7 fábricas da General Motores de São Caetano. A cada 30 dias em média, nesse longo período, a região perdeu 375 profissionais do setor industrial.

O empobrecimento regional é tão visível que é preciso enfiar uma viseira de irresponsabilidade social na cara para contestar os números que brotam aos olhos de quem se empenha em perscrutar o quanto definhamos.

Santo André é o pior

Por isso, não tem sentido humanitário extrair cada vez mais dinheiro da sociedade para que se more ou se invista numa região decadente. A face oculta do IPTU no confronto com o ITBI deveria ser explorada pelo que supostamente restaria de nichos de cidadania para contestar a política arrecadatória dos atuais prefeitos, semelhante à dos antecessores.

Santo André é o caso mais tenebroso nessa equação, situação que torna a tentativa de aumento cavalar do prefeito Paulinho Serra no ano passado (ele voltou atrás diante da revolta das redes sociais e de manifestações nas ruas) um autêntico atentado ao bolso dos contribuintes.

Em termos nominais (sem considerar a inflação de 28,59% do período analisado), Santo André elevou a arrecadação do IPTU em 47,09%, enquanto o ITBI emagreceu 9,33%. Entre um dado e outro, um buraco de 56,42 pontos percentuais, ou seja, a soma de mais IPTU (47,09%) e de menos ITBI (9,33%).

São Bernardo vai mal

São Bernardo também não escapou da escalada que afronta os contribuintes, porque elevou em termos nominais a receita do IPTU em 34,01% enquanto o ITBI subiu apenas 10,26%. Uma situação menos grave que a de Santo André, com saldo negativo de 23,75 pontos percentuais, resultado dos 34,01% menos 10,26%.

São Caetano tornou-se adversário forte de Santo André: enquanto o IPTU foi elevado sempre em termos nominais em 37,33% nos quatro anos, o ITBI mergulhou 9,75%. Resultado: índice de 47,08 pontos percentuais negativos.

Mauá viveu nesse período desempenho errático, cuja explicação pode ser a construção de muitas torres populares do projeto Minha Casa Minha Vida. Nos quatro anos, o IPTU subiu em termos nominais 23,85%, enquanto o ITBI aumentou 57,53%. Na combinação, saldo positivo de 33,68 pontos percentuais.

Situação diferente viveu Ribeirão Pires, assemelhando-se a Santo André, São Bernardo e São Caetano, com crescimento de 45,85% da carga do IPTU ante 5,14% do ITBI. Um saldo negativo de 45,45 pontos percentuais quando se faz a conta que coloca o crescimento do primeiro em relação ao segundo, ou seja, a gula pública versus a dinâmica imobiliária.

A pequena Rio Grande da Serra aumentou receitas do IPTU e do ITBI em proporções menos distantes. De IPTU foram 32,87% de crescimento em termos nominais, ante 42,08% do ITBI. Como o segundo imposto é maior que o primeiro, a diferença de 9,21 pontos percentuais deve ser considerada positiva.

Diadema é maior exceção

Mas esse não é o único exemplar da região em que o IPTU foi derrotado na luta contra o ITBI. Diadema é um caso excepcional, também provavelmente por causa do aumento populacional em direção a torres construídas para a classe média baixa. Em quatro anos o IPTU de Diadema foi elevado em termos nominais em 57,23%, enquanto o ITBI cresceu volumosos 95,52%. Um resultado positivo de 38,29 pontos, ou seja, a diferença do polo positivo de 95,52% menos o polo negativo de 57,23%.

Guardei no bolso do colete o argumento irrefutável de que os administradores públicos do Grande ABC só querem mesmo faturar impostos sobre contribuintes cada vez mais empobrecidos. Vou expor novos dados na próxima edição.

Garanto que serão mais provas contundentes de que a ausência de cidadania coloca a população do Grande ABC numa encruzilhada cada vez mais preocupante: a baixa mobilidade social que se manifesta mais duramente nas últimas duas décadas seguirá cavando o próprio buraco. Agentes públicos só pensam no que não devem e esquecem o principal: um território de custos tributários elevados vira espantalho ao desenvolvimento econômico.



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