Administração Pública

Diário do Grande ABC perde e
região ganha. Entenda paradoxo

DANIEL LIMA - 04/07/2019

Se alguém um dia escrever um livro contando a história do Diário do Grande ABC sem se escravizar pelo politicamente correto, como se dá na maioria das vezes em que se apresenta trajetória de veículos de comunicação, no caso do monotrilho tratado como metrô e que virou BRT terá prioridade absoluta a resposta do governador João Doria em forma de pacotaço em favor da mobilidade urbana do Grande ABC. 

O Diário do Grande ABC cometeu provavelmente a maior e mais longeva burrada da história, mas foi graças à teimosia e à prestidigitação editoriais, além de outros pontos igualmente constrangedores, que, finalmente, um mandachuva do governo estadual ofereceu respostas importantes para o futuro da região. Nada mais interessante dentro de um contexto de Região Metropolitana que combina desenvolvimentismo econômico e autofagia social em forma de esquartejamento da qualidade de vida. 

O que os jornais publicam hoje sobre as decisões do governador (inclusive o Diário do Grande ABC que, com correção, não passou recibo raivoso) são informações que mostram a diferença entre uma direção de Redação obsessiva por um único referencial de solução (o monotrilho tratado como metrô que enganou o distinto público) e um gestor político que, após patacoadas dos primeiros tempos de prefeito da Capital, agora como governador do Estado esbanja status de candidato seriíssimo à presidência da República. 

Aliás, um candidato presidencial bem mais à altura do cargo do que o atual ocupante por uma série de razões. Mas isso é outra história. 

Erros retroalimentados 

Os erros capitais que o Diário do Grande ABC cometeu na gestão propagandística do projeto editorial em defesa do monotrilho tratado como metrô e que virou BRT formam uma densa camada de descuidos apoiada por nichos de leitores. Eles, esses leitores, se manifestam quase que diariamente no espaço reservado no jornal. 

Invariavelmente esses leitores oferecem vieses que fogem não à neutralidade burra, mas ao senso crítico dos contestadores fundamentados. Há os fregueses de caderneta tanto críticos quanto em defesa do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo. 

O Diário do Grande ABC é parte de minha vida profissional. Ocupei ali todos os cargos possíveis e, mais que isso, até mesmo a inédita função de ombudsman. Aliás, duas vezes ombudsman. Sem contar a invencionice minha de ser ombudsman não autorizado, como estou sendo agora. 

Tenho um carinho especial pelo jornal. Diria que o sentimento se rivaliza permanentemente com o senso crítico. Esse jogo de pesos e contrapesos de observação me causa dilema constante. Luto bastante e sempre venço a batalha de separar o sentimental do pragmático. 

Não posso consumir o Diário do Grande ABC como leitor comum porque não sou um leitor comum do jornal. Conheço suas entranhas históricas e as veredas imagináveis.

Fantasmas viram fantasias 

Por isso mesmo vim apontando nos últimos tempos a aberração de tratar monotrilho por metrô, eixo sobre o qual girou uma gigantesca sucessão de impropriedades. 

No afã de levar ao governador do Estado a ideia de que o Grande ABC é um território exemplar em senso comunitário e de cidadania, o Diário do Grande ABC criou ou recriou fantasias que de fato são fantasmas sociais.

Frente Parlamentar do Grande ABC, Bancada do Grande ABC, Sociedade Civil Organizada, entidades de classe participativas. Tudo isso não passa de balela. De conversa mole para boi dormir. Alguém deve ter sugerido ao governador do Estado que não levasse nada disso em consideração e que, portanto, deveria reagir com racionalidade. Sem se deixar escapsular por uma onda de industrialização popular e emocional do inexistente. 

Capítulo principal 

Teria pelo menos 10 capítulos especiais para produzir um livro sobre o Diário do Grande ABC e as mancadas históricas que cometeu, mas provavelmente o caso do monotrilho que virou metrô e se derreteu em forma de BRT porque o governador João Doria não é bobo nem nada e as finanças públicas não permitem gastanças certamente seria o mais importante. 

Jamais o Diário do Grande ABC lançou-se de forma tão autodestrutiva, camicase e tudo o mais a uma empreitada como a do monotrilho que virou metrô e acabou BRT. 

Foram três meses de uma narrativa escandalosamente improvável porque eivada por espécie de lobby jornalístico que não admitiu, em nenhum instante, contraposições ao grupo empresarial que ganhou a licitação nos tempos do governador Geraldo Alckmin. Uma licitação, como se sabe nos bastidores, contaria com escandaloso esquema de corrupção nos inicialmente previstos R$ 600 milhões a desapropriações que, corrigidos, virariam R$ 1 bilhão. 

O paradoxo dessa história real com contornos irreais, de aberrações editoriais, é que foram os equívocos intencionais ou de despreparo do Diário do Grande ABC que levaram o governador João Doria a dar uma resposta despejando um caminhão de soluções para a mobilidade urbana do Grande ABC. 

Sepultura econômica 

Nunca é demais lembrar, também, que quanto mais o Grande ABC for competitivo em logística interna no interior da Região Metropolitana de São Paulo, mais estaremos cavoucando a própria sepultura de desindustrialização e esvaziamento econômico diante de uma Capital exuberante e monopolizadora de desenvolvimento mesmo que permeado de deseconomias de escala. 

Isso não significa dizer, claro, e antes que os apressadinhos condenem a contraposição, que o Grande ABC deve seguir a trilha do encalacramento logístico a que está submetido. 

Vai nos custar caro do ponto de vista econômico, de empregabilidade, de investimentos, ficar ainda mais próximos da Capital. O trecho sul do Rodoanel é prova viva disso. Não adianta modernidade logística se gestores públicos locais mantiverem indiferença à execução de planejamento estratégico desenvolvimentista.

Pacotaço contundente 

A resposta em forma de pacotão de João Doria tem tudo a ver com o principal braço político-partidário do governador no Grande ABC, no caso o prefeito Orlando Morando. 

Não se pode esquecer que, após lua de mel que parecia eterna, Orlando Morando passou a receber duras críticas do Diário do Grande ABC (houve uma trégua nas duas últimas semanas) porque se alinhara como todos os prefeitos anteriores de São Bernardo à concessionária de transporte coletivo da cidade -- e também do sistema de trólebus – cujo grupo empresarial é contrário ao traçado e ao modal previsto até então para ligar três municípios da região à Estação do Tamanduateí, na Capital. 

O resumo da ópera neste texto que faço numa correria danada porque o trem de outras obrigações está a me atropelar, é que foi graças a tudo o que o Diário do Grande ABC cometeu de barbaridades editoriais que o governador do Estado se sentiu na obrigação de dar uma resposta planejadamente robusta, impactante, ilustrativa do quanto está de olho no Palácio do Planalto. 

E que resposta! Que cacetada! Entrou na rota do governador até a reconstrução da estação da Pirelli, que procurará impulsionar um empreendimento comercial e imobiliário fracassado nas antigas terras que seria a Cidade Pirelli. 

Doria até exagera 

Mais que isso: levantou-se a bandeira da esperança de esticar um traçado do metrô de verdade que começa na Lapa e segue até o Bairro de Rudge Ramos, algo de que pouco se ouvia falar. Mais que isso: o governador estuda começar a obra na região. 

Sem contar que se deu a oportunidade de modernizar a linha ferroviária que atende entre outros municípios da região Santo André, São Caetano e Mauá. Exagerado, o governador diz que as novas composições têm o padrão do metrô convencional. 

O livro que gostaria de escrever sobre o outro lado do Diário do Grande ABC sem jamais deixar de registrar a importância histórica do maior (mas longe de ser o melhor) veículo de comunicação da região incorporaria o caso do monotrilho que virou metro até desabar num BRT. Seria provavelmente o capítulo principal. 

O governador do Estado deu as respostas que um gerenciador público jamais poderia abdicar ao observar a linha do horizonte e as finanças públicas nestes tempos sombrios em que se discute a reforma previdenciária e a estultice de se excluir Estados e municípios. 



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