Política

Voto distrital e tecnologia vão
atormentar vida de vereadores

DANIEL LIMA - 16/07/2019

Mais dia, menos dia, chegará a hora de vereadores. Vai acabar a moleza de cumprirem mandato sem grandes contratempos, afinados com o prefeito de plantão num exercício de democracia que engana aos trouxas. Casas de leis são casas da sogra de interesses pouco republicanos. Está aí a Lava Jato para confirmar em âmbito federal. E as reações dos atormentados pela Justiça, também. E está aí também, ante olhares de todos, a inapetência generalizada das câmaras municipais.

Essa gente quer mesmo é mais sombra de benesses e água fresca de vantagens. Com o incentivo tácito, entre outros agentes do tecido apodrecido da política, dos chamados consultores que gravitam em torno dos paços municipais.  

Essa turma de conselheiros muito bem remunerados e enfáticos na produção de marketing para consumo interno que encanta donos do poder geralmente sem plano de governo tem parentesco ético com os advogados dos bandidos políticos da Lava Jato: detestam Sérgio Moro e companhia.

Boa combinação

Mantinha até outro dia reservas sobre os efeitos do voto distrital misto nos legislativos municipais, estaduais e federais. Não as tenho mais. Teremos no futuro uma combinação de voto distrital misto e tecnologia de bolso arrasadoramente massificada e organizada por instinto de sobrevivência da cidadania que tarda, mas não falha.

O que significaria no caso do voto distrital misto a atuação consistente de cidadania que tarda, mas não falha? Simples: pelo menos sob o ponto de vista geográfico imediato, de entorno dos contribuintes, haveremos de contar com pressão para valer sobre os representantes que usufruiriam do possível novo sistema de eleição para cobrar-lhes medidas permanentes.

Sim, senhores, porque o voto distrital misto para vereador será um ótimo remédio contra os pouco afeiçoados ao trabalho de representar o povo.

Moro no Jardim do Mar, em São Bernardo. Ouvi falar que temos dois ou três vereadores que nos representam no Legislativo, mas eles nunca aparecem. E se aparecem não aparecem para mim. Nem para a maioria da comunidade menos condescendente.

Há uma árvore despencando sobre a cabeça de minha família, comunicados já foram registrados no setor competente da Prefeitura e pelo andar da carruagem só vão tomar providência quando a casa literalmente cair -- no caso, derrubada. Com um vereador para valer a representar o bairro, servidor público que deveria ser, a solução que espero há meses já teria dado as caras.

Prática distante do ideal

Sempre é bom esclarecer que informalmente o voto distrital misto já é praticado na grande maioria dos municípios brasileiros quando se trata de preenchimento de vagas nas câmaras municipais. E também em larga escala nas Assembleias Legislativas e na Câmara Federal. Mas é um voto distrital misto matreiro, de esquecimento generalizado. Eleitores e eleitos se afastam mutuamente.

Há campanhas de valorização do voto regional para as duas casas mais importantes de leis, mas o espírito crítico praticamente é sufocado. Nutre-se certo ufanismo em relação aos eleitos, mas há baixa calibragem de cobrança. Formou-se uma densa camada de glorificação dos vencedores eleitorais sem a correspondente obrigação que os faria menos improdutivos.

Vamos fincar estacas no voto distrital misto para vereador. Teremos, portanto, provavelmente, metade do Legislativo local composto por representantes de cada distrito eleitoral em que será dividido o Município e metade por vencedores que ultrapassaram as barreiras geográficas pré-determinadas. Teremos varejistas e atacadistas, por assim dizer.

Específico e generalizado

Trata-se de uma fórmula valiosa. O específico de bairros próximos será tão valorizado quando o abrangente do conjunto da população. Teremos, portanto, olhares e potenciais de ações complementares. Hoje não se tem nem uma coisa nem outra. Só empulhação. As exceções confirmam a regra.

A diferença que se fará num futuro próximo é que os aparelhos de smartphone e os aplicativo tipo Whatsapp causarão tremores gigantes.

Ai dos vereadores que não agirem com rapidez para demandar resoluções do Executivo. Os grupos de moradores virtualmente conectados se alastrarão. A pauta nacional prevalecente hoje provavelmente não será abalada, com debates sobre as nuances do governo Bolsonaro e de antecessores meliantes, mas os temas locais forçosamente abrirão alas.

A politização da população brasileira em meio ao caos das vísceras expostas pela Lava Jato é um aprendizado que causa estremecimentos, radicalismos, dogmatismos, mas vai avançar de forma madura. Os fósseis ideológicos ficarão cada vez mais isolados.

Vou dar um exemplo prático do que espero do vereador distrital do Jardim do Mar e entorno. O farol do cruzamento da Rua Kara com a Avenida Senador Vergueiro (e tantos outros nas proximidades) é um castigo nas horas mais estressantes, no começo da manhã e no final da tarde. Os temporizadores funcionam mal e porcamente. Perde-se muito tempo para chegar ao destino, mesmo com avanços de orientação dos aplicativos de trânsito. No endereço citado, a construção insana de mais de uma dezena de torres de apartamentos e de escritórios onde funcionou durante anos a Tecelagem Tognato é um tormento repetitivo.

Grupos atormentadores

O que aconteceria supostamente com o voto distrital misto e com a tecnologia ao alcance da mão? Não haveria como sustentar o que persiste hoje, ou seja, os moradores da redondeza desplugados de uma demanda extraordinariamente indispensável. Mais que isso: aquelas torres, na quantidade e no aperto em que se dividem, nem seriam construídas. Qualidade de vida da boca para fora é pura tapeação.

Grupos de aplicativos vão atormentar a vida dos agentes públicos, inclusive do prefeito de plantão. Afinal, como é possível não observar um único agente de trânsito em locais atulhados de veículos?

Poderia dar uma dezena de exemplos do dia a dia prático para dizer que o voto distrital misto em tempos de tecnologia abundante, abusada e mesmo destemperada será um tormento aos vencedores. Eles sentirão de perto e mais constantemente a cobrança dos eleitores travestidos de contribuintes. Não terão a vida boa de agora.

Quero estar vivo e vou estar vivo para ver esse dia chegar. Quem também viver e recorrer a leituras do passado sobre o funcionamento dos legislativos municipais possivelmente ficará incrédulo diante da malemolência pública dos vereadores eleitos sob padrões conservadores tanto legais quanto de plataformas de comunicação.

Complemento indispensável

Para que servirão, então, os vereadores eleitos pelo critério de representatividade geral, sem vínculo com a disputa em cada distrito? Eles vão ter de aliar-se aos vereadores distritais para obterem sucesso nas questões mais amplas, muitas das quais, a bem da verdade, derivadas de ambientes distritais.

Ou alguém vai negar que o exemplo citado de inundação de torres de imóveis nas imediações do Paço Municipal de São Bernardo (e em tantos outros locais, como o Bairro Jardim em Santo André, transformado num distrito em que a qualidade de vida é vítima da exploração imobiliária) não poderia ter sido evitado por agentes do Legislativo das áreas geográficas mobilizadas para impedir a exploração do espaço físico de forma tão desavergonhada e muitas vezes sorrateiramente à margem da legislação de uso e ocupação do solo?

Se até recentemente não encontrava no voto distrital puro ou no voto distrital misto nenhuma perspectiva de melhoria da baixíssima produtividade dos vereadores, agora com os avanços de comunicação e a polarização ideológica que coloca finalmente a direita no jogo de disputa do poder com a esquerda, tudo pode mesmo ganhar novos rumos.

Hora de ilusão?

Espero não estar vivendo uma horinha de ilusão, enfermidade da qual procuro fugir sempre. Tenho com relação ao voto distrital misto para vereador a melhor das expectativas. Até porque, convenhamos, por mais eventualmente ingênuo que seja, por mais que acredite nos efeitos miraculosos dos aplicativos de celular, por mais que aposte numa cidadania que está longe do ideal, acho que não errarei essa previsão porque o que temos na praça ao longo da história é uma enorme plantação de falácias de que vivemos um regime democrático.

Os mandachuvas e mandachuvinhas da política provavelmente vão execrar, como aliás já estão execrando, os Whatsapp da vida. Eles perderam as facilidades de dizer oportunisticamente hoje o que vão esquecer deliberadamente amanhã.

Agora a turma dos vigilantes digitais, quanto não de milicianos digitais, não arreda pé de campanhas esclarecedoras, mesmo que em algumas situações exacerbadamente agressivas, quando não malandramente distorcidas.

Viva, portanto, o voto distrital misto para vereador. Que provavelmente não será aplicado nas próximas eleições, mas que virá sem dúvida. A demora do desembarque não significará perda preciosa de tempo. A incubadora contra os desatinos públicos está a mil por hora, por conta do ambiente político nacional, e também de incursões ainda de nichos específicos que incomodam os prefeitos de plantão.

Desenvolve-se um turbilhão de cidadania controversa. Teremos o depuramento na medida em que presente der lugar ao futuro. Aí a vaca vai torcer o rabo para vereadores que não passam de secretários especiais dos prefeitos.



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