Política

Virtudes e pecados capitais
do candidato Bruno Daniel

DANIEL LIMA - 30/07/2019

Decidi fazer o papel de advogado da candidatura de Bruno Daniel à Prefeitura de Santo André no ano que vem. Decidi também fazer o papel de testemunha de acusação de Bruno Daniel. O magistrado são os eleitores de Santo André.

Bruno Daniel tem sete pontos favoráveis a atormentar a vida do prefeito Paulinho Serra, além de, também, do maior oponente num eventual segundo turno, o ex-vereador e ex-secretário municipal Ailton Lima.

Bruno Daniel tem também sete fissuras que podem complicar o sonho de ocupar um gabinete que durante 10 anos foi do irmão famoso Celso Daniel. O que vai prevalecer?

Há versões conflitantes sobre potencialidade do lançamento da candidatura de Bruno Daniel pelo PSOL. Tudo começou com a pesquisa do Instituto ABC Dados. Bruno Daniel pegou carona na memória do irmão. Três perguntas anteriores à apresentação de uma mostra em que apareciam os nomes de prováveis candidatos em Santo André, entre os quais Bruno Daniel, os entrevistadores do ABC Dados apresentaram uma lista de prefeitos que passaram pelo Paço Municipal nas últimas décadas. Celso Daniel obteve 73% dos votos como o maior entre todos.

Duplo incentivo

É evidente que Bruno Daniel surfou duplamente nas águas de um enviesamento da pesquisa. Ele foi empurrado metodologicamente para a arena de probabilidade de ameaçar a candidatura de Paulinho Serra e de soterrar o sonho de Ailton Lima.

O irmão famoso abriu a porteira pela qual passou o irmão que jamais disputou uma eleição. Não custa lembrar que nas duas situações da pesquisa o voto foi estimulado, ou seja, os eleitores entrevistados contaram com a ajuda de uma lista. Até então, no voto espontâneo, Bruno Daniel não fora lembrado por ninguém. Bruno Daniel obteve 17% e 19% dos apontamentos em cenários diferentes. Ficou atrás apenas de Paulinho Serra, que flutuou entre 27% e 29%.

É sobre isso que escrevemos logo abaixo. Apontamos as sete virtudes capitais e os sete pecados capitais da candidatura de Bruno Daniel. O que dá para satisfazer os psolistas dá para também fazê-los chorar.  

Relativizando os números

Há duas maneiras de analisar os números da pesquisa que contemplaram Bruno Daniel. O primeiro é relativamente expressivo ante os demais candidatos. O segundo é relativamente inexpressivo em relação aos 73% obtidos por Celso Daniel.

Simplesmente noticiar a candidatura de Bruno Daniel nessa altura do campeonato, mesmo faltando 14 meses para as eleições, é muito pouco. Como no caso de São Bernardo, palco da eleição deste século entre o prefeito Orlando Morando e o ex-prefeito Luiz Marinho, as eleições em Santo André passam a contar com o fator Bruno Daniel-Celso Daniel como ponto de observação específico.

Será que o psolista terá fôlego suficiente para atrapalhar a vida de Ailton Lima e cruzar a fita de chegada do primeiro turno habilitado a enfrentar o atual prefeito, que tem a faca da máquina pública e o queijo de uma mídia tradicional sempre adesista ao Executivo de plantão?

Sete virtudes capitais

Primeiro, vamos expor os pontos favoráveis da candidatura de Bruno Daniel. E as respectivas explicações: 

 Passado do irmão famoso como administrador acima da média histórica.

É inegável que o legado de Celso Daniel, mesmo depois de duas décadas, agrega valor à candidatura. Bruno Daniel, Trata-se de um empurrão e tanto nesse sentido, como acentua a pesquisa do Instituto ABC Dados que coloca o então petista como o nome mais importante da política de Santo André em várias décadas.

 Vantagem do crime explorado politicamente.

Independentemente da preferência política e ideológica do eleitor, ou mesmo da indiferença política, a comoção provocada pela morte de Celso Daniel serve de salvo-conduto à herança de empatia popular de Bruno Daniel. A morte praticamente santificou Celso Daniel.

 Vitimização familiar do caso Celso Daniel.

Embora mantivessem relações distantes e discordantes no campo político-ideológico, eventual oratória de Bruno Daniel evocativa a espécie de repasse compensatório popular pela morte do irmão favorece quem carrega o mesmo nome.

 Desmoralização da política tradicional muito antes da Operação Lava Jato.

O distanciamento que Bruno Daniel manteve das urnas o exclui da zona de turbulência que ainda persiste de caça aos políticos tradicionais. É um novo personagem no tabuleiro eleitoral sobre o qual não se tem aparentemente ônus à conquista de eleitores preocupados com a moralidade pública.

 Possibilidade de massificar a campanha nas redes sociais.

A democratização cada vez mais intensa e participativa no campo político das mídias sociais instala a candidatura de Bruno Daniel muito mais próxima de eleitores em geral. Prova disso é que a repercussão de pesquisa eleitoral que o colocou como segundo maior concorrente ao Paço Municipal ganhou desdobramentos na mídia tradicional. A campanha de Jair Bolsonaro, ponto máximo da influência das redes sociais, sinaliza que os tempos mudaram. A mídia tradicional não influencia como antes. Muito mais ainda num Grande ABC na penumbra televisiva.

 Imagem de conciliador entre radicais ideológicos.

A imagem de conciliador de Bruno Daniel e mesmo a linguagem aparentemente tolerante dentro dos padrões de civilidade e respeito podem reduzir os efeitos deletérios dos extremistas que conduzem o PSOL tanto na região como no País. 

 Assistencialismo socialista.

Bruno Daniel reúne compêndios filósofos e éticos sofisticados em defesa dos deserdados sociais, de redução da desigualdade, de transparência na gestão pública, de participação popular nas decisões orçamentárias. Tudo isso se conecta aos anseios da sociedade que dá sinais de esgotamento na luta contra os abusos dos poderosos de plantão.

Sete pecados capitais

Agora vamos apresentar os pontos negativos da candidatura de Bruno Daniel, cujos efeitos poderão ser decisivos:

 Passivo nacional do PSOL.

Bruno Daniel terá de fazer das tripas ideológicas coração de sensibilidade eleitoral para não se deixar marcar como raposa extremista em pele de cordeiro da diplomacia construtiva. O PSOL está longe de ser um cartão de visitas para quem será escrutinado minuciosamente pelos eleitores nestes tempos em que os extremistas já ocuparam espaços disponíveis.  E o PSOL paga mais a conta da fama retórica do que de ações, entre outros motivos porque não tem uma vitrine resplandecente no Executivo.

 Impacto de contextualizações.

É relativamente conhecida a história de que Celso Daniel e Bruno Daniel jamais se deram bem como agentes ligados a agremiações políticas. Houve rompimento rumoroso entre eles já no primeiro mandato do petista. Celso Daniel, em 1989, escolheu a mulher de Bruno Daniel para a Secretaria de Educação. Marilena Nakano foi demitida por desafiar o titular do Paço Municipal com um programa de cunho fortemente socialista. Aflorar o passado de ruptura entre Celso Daniel e Bruno Daniel será uma arma com forte impacto na caminhada eleitoral.

 Usurpação familiar do caso Celso Daniel.

Os opositores podem argumentar também que a família de Celso Daniel, especialmente Bruno Daniel e João Francisco Daniel, contribuíram na campanha que deslocou o assassinato da bitola restrita do ambiente metropolitano de Segurança Pública em permanente deterioração (conforme resultado de três fases distintas de investigações policiais), levando-o ao campo político-eleitoral em associação com mandachuvas tucanos liderados pelo governador Geraldo Alckmin.  

 Complicações para montagem de coalizão de esquerda.

Talvez seja mais que previsível a esquerda de Santo André unir-se numa reta de chegada de primeiro turno em favor de Bruno Daniel, de modo a procurar garantir um lugar na etapa decisiva. O apoio do PT não estaria fora de cogitação, mas precisaria ser costurado de tal maneira que a emenda não soasse pior que o soneto. Esse é um ponto crucial às negociações entre esquerdistas. Eles tendem a se acertar, mas o melhor mesmo é esperar. O caso Celso Daniel deixou fundas divergências entre petistas e lideranças locais psolistas, antes agregadas ao petismo. Gente sem espaço. Recalcitrante, voltou-se contra o partido. O ex-vereador Ricardo Alvarez, eterno mentor da candidatura de Bruno Daniel, é espécie de esquerda da esquerda visto com severas restrições por petistas graduados de Santo André. Alvarez jamais teve convivência harmoniosa com Celso Daniel e secretários de ponta.

 Complicações para contar com adesão do centro político.

A radicalização do discurso psolista é empecilho a uma aderência estratégica de boa parte do centro ideológico num segundo turno que colocasse Bruno Daniel na cara do gol da vitória eleitoral. Parece pouco provável que num cenário em que o prefeito Paulinho Serra é o favorito ao segundo turno, um adversário como Ailton Lima deixe de se aliar ao comandante do Paço Municipal, desde que não passe para a etapa decisiva. O passivo extremista do PSOL é uma espada sobre a cabeça de competitividade de Bruno Daniel. Alguns parceiros municipais de Bruno Daniel são espantalhos eleitorais.

 Encaminhamento retardatário de uma candidatura.

Embora a política seja arena de contradições e de surpresas, em princípio a candidatura de Bruno Daniel vem com pelo menos uma década e meia de atraso. Provavelmente ele teria maiores potenciais eleitorais se na disputa imediatamente posterior ao assassinato do irmão tivesse se lançado ao Paço Municipal. Eram outros tempos e circunstâncias. Bruno Daniel chega à arena de votos menos pelas circunstâncias gerais, nas quais a esquerda está desprestigiada, e mais por se ter a leitura de que o prefeito Paulinho Serra seria alvo fácil de ser impactado.

 Radicalismo socialista.

Gostem ou não os políticos e eleitores do PSOL, não existe um amalgama que coloque a agremiação no peito da massa de eleitores. Seria cinismo omitir a ausência de uma ponte que compatibilizaria o que poderia ser rotulado de sensibilidade social e amadurecimento político. O PSOL provoca muitos alaridos. Associar nas redes sociais o ponderado Bruno Daniel com figuras de destaque nacional do PSOL, inclusive o justiceiro habitacional Guilherme Boulos, não é necessariamente algo a ser categorizado como improvável e, muito menos, satisfatório ao concorrente do partido.  



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