Administração Pública

Piscinão é pouco para uma
São Bernardo em frangalhos

DANIEL LIMA - 21/08/2019

O prefeito Orlando Morando, rei do marketing público regional, faz da inauguração do piscinão no Paço Municipal alarde triunfalista que não combina com a realidade dos fatos tanto recentes quanto históricos. Capital Econômica do Grande ABC, São Bernardo lidera a baixa competitividade regional. E não será um piscinão aqui, uma ponte ali, que resolverão o problema que é sistêmico, de planejamento macrorregional. 

O estardalhaço programado para os festejos de aniversário de São Bernardo faz parte do show de diversionismo, especialidade da pior safra de prefeitos de que se tem notícia no Grande ABC. O conjunto da obra é lamentável quando a métrica é a regionalidade no sentido mais amplo que a imaginação possa compreender. 

Li outro dia um editorial do Diário do Grande ABC a propósito de possível investimento de uma empresa chinesa na região. O jornal tratou a região como um paraíso a investimentos. Temos de tudo, segundo a ótica do editorialista. 

Minha primeira reação não poderia ser outra mesmo: desconfiar que o autor provavelmente foi tomado pelo espirito marqueteiro que infesta as administrações públicas locais, cujos mandachuvas e mandachuvinhas exercem poder editorial arbitrário e aparentemente irrefreável sobre a maioria das mídias locais. 

Lista rápida e esclarecedora 

Há tanto ufanismo, tanto triunfalismo, tanta coisa que não se sustenta que, claro, não tive dúvida em chegar à conclusão de que não precisamos de maior inimigo do que o que já temos em abundância, embora menos que antes: a cegueira completa e irrestrita. 

O jornal mais tradicional da região tem todo o direito de escrever o que quiser. Da mesma forma que os leitores têm tudo para aprovar ou reprovar. Como leitor, reprovo integralmente. Como jornalista, nenhuma novidade. O Diário do Grande ABC tem um histórico de cobertura econômica de arrepiar o último fio de cabelo de desconhecimento. 

Sem pensar muito, porque o piloto automático em alguns casos é um indicativo de experiência a salvo de qualquer reparação, mal sentei ao computador e, de bate-pronto, elaborei breve lista de grandes obstáculos ao desenvolvimento econômico da região --- todos à espera senão de soluções, mas de medidas mitigatórias. 

Sem superar esses gargalos estamos fadados a seguir a trilha de fracasso constante entremeados por ciclos de recuperação que não se sustentam no longo prazo. Nosso destino seguirá ladeira abaixo. 

Ignorantes insistem em não enxergar obviedades que nos assolam como questões impeditivas à recuperação mesmo que parcial do desfiladeiro que estamos produzindo a cada temporada deste século – como tenho cansado de mostrar com estatísticas irrefutáveis.

Insisto em dizer que, num tapa, ou seja, sem pestanejar, como se fosse a coisa mais fácil do mundo alinhavar alguns dos problemas mais graves da região, construí a lista que se segue. Para quem conhece a realidade regional, esses pontos são tão óbvios numa relação de inquietudes como recitar “batatinha quando nasce, esparrama pelo chão”.

Pobres gerações

Trouxa é quem acredita que com um piscinão que custou os tubos à Prefeitura de São Bernardo, com uma estatização da estatização do Semasa em Santo André, com a distribuição gratuita de remédios em São Caetano, com quirelas aqui e ali em Diadema, Mauá e outros endereços, sairemos do estágio em que nos afundamos. Estamos perdidos e mal pagos. Com o agravante de que formadores de opinião e os tomadores de decisões não estão nem aí com as próximas gerações, ou mesmo com a geração atual. 

Estamos deixando de herança às próximas gerações um Grande ABC à deriva. O uso da imagem interpretativa do Titanic seria café pequeno. Cada vez que consulto o obituário regional sempre bem cuidado pelo amigo Ademir Medici (sim, a memória mais brilhante da região também cuida no Diário do Grande ABC dos que se foram) faço espécie de confronto com as peças de reposição eventualmente disponíveis no mercado regional. 

O balanço é sempre desfavorável aos nomes dos vivos que saltam nos veículos de comunicação. Ou seja: se a regionalidade do Grande ABC é uma besteira que jamais se consolidou, apesar de individualidades competentes, o que se vislumbra para o futuro é algo pior. Não teremos individualidades do mesmo quilate, enquanto as instituições definham sem que jamais, em larga escala, tenham exibido viscosidade produtiva. 

Tirando da reta

Quando o Diário do Grande ABC faz o que fez na semana passada em editorial, não tenho dúvida de que estamos perdidos. Jogar a responsabilidade de reação do desenvolvimento econômico da região exclusivamente nas costas do governo federal e também do governo estadual é dar muita, mas muita colher de chá aos prefeitos de agora, aos prefeitos de amanhã e sugerir que os prefeitos do passado não podem ser responsabilizados por nada.

Recursos estaduais e federais são importantes, mas cada vez mais escassos. A alternativa do Grande ABC é contar com investimentos privados, com parcerias público-privadas, e isso não está no radar de quem tem recursos para valer. Contar aqui e ali com organismos internacionais que querem fazer a roda da economia girar é sempre uma exceção. Sem regionalidade para valer, porque somos vasos comunicantes, não existe saída. Vamos continuar a colecionar insucessos. Agiremos como coelhos que, postos à prova, escolhem uma ou outra casinha para se acomodar. Nossas escolhas precisam ser múltiplas e interativas. 

Sem precisar entrar em detalhes, eis a breve lista que preparei num piscar de olhos sobre os nós que temos de superar para imaginar que um dia reencontrar parte da riqueza do passado. 

1. Encalacramento logístico.

2. Sindicalismo hostil.

3. Dependência automotiva.

4. Inapetência institucional.

5. Concorrência qualificada.

6. Periferia da Capital.

7. Subalternidade política.

Gostem ou não, é esse o cardápio indigesto que preparei num dia de muita correria. Cada quesito daria um tratado. Aliás, se somar tudo o que já escrevi sobre esses itens, alguns livros se desdobrarão. 

Então, porque repito esses sete pecados capitais do Desenvolvimento Econômico do Grande ABC? Porque entendo que toda a vez que surgir na praça alguém a martelar uma grandeza que já se foi há muito tempo e, principalmente, sugira inadvertidamente que os pobres prefeitos de agora, como os de antes, são vítimas de uma conspiração estadual e federal, é preciso reagir. A sociedade deve ser informada sem condicionantes. 

Ranking devastador 

O Ranking G-22 de Competitividade que há pouco começamos a produzir não deixa margem a dúvidas mesmo sem comportar ainda um terço sequer dos indicadores já definidos e outros que emergirão: ocupamos as últimas colocações após a contagem de pontos que abarcaram vetores fiscais de administrações públicas e o mercado de trabalho. 

Esse que é o Clube dos 20 maiores municípios do Estado (São Paulo não participa porque é grande e potencialmente desequilibrante demais, enquanto Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra só completam o quadro do Grande ABC) oferece um olhar muito mais amplo, abrangente, profundo, profícuo e responsável do contexto histórico e atual do quadro regional. Sem manipulações. 

Perdas democráticas

O fato é que entre os mortos que viveram de alguma forma as institucionalidades do Grande ABC e os vivos que emergem sem conhecimento histórico e sem participação voltada aos verdadeiros problemas, todos se ferraram. Sim, todos se ferraram, porque aqueles que já se foram não viram avanço das instituições, entre outros motivos porque o coletivismo jamais chegou a ser a soma das individualidades. E os que estão aí, com muitos anos potenciais pela frente, em larga escala caíram na pasmaceira de participarem individualmente de jogos de interesses sem dar a menor bola ao coletivismo esfarelado que sobrou.

Grande ABC competitivo, uma ova. O que temos mais e mais, e agora com as redes sociais estimulando o egocentrismo, o exibicionismo e o individualismo, as perspectivas não são as melhores. Até quem sabe, o desespero individual seja finalmente constatado como uma assombração resultante do conjunto de adversidades, não necessariamente das limitações pessoais e profissionais.

Recomendo que eventuais avaliações sobre esse texto não deixem na contramão ou no acostamento muitas análises que exploram detalhadamente cada um desses pontos críticos.

Neste texto só quis lembrar ao editorialista do Diário do Grande ABC que a pior maneira de colaborar com a região é estender o tapete esfarrapado de um triunfalismo que somente o fanatismo seria capaz de avalizar. O piscinão de São Bernardo é o coroamento de uma política personalista e descuidada de um prefeito que destruiu o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Regional.



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