Disse sábado em mensagem de aplicativo a um dos integrantes da produtora do filme “Quem matou Celso Daniel” que o mais fantástico resultado do trabalho que está sendo preparado é que, finalmente, a mentira vai ter de dividir espaço com a verdade. Afinal, quando se está perdendo de goleada o jogo de controle da informação, uma brecha à reação é mais que providencial. E é isso que o filme sobre o assassinato de Celso Daniel possibilitará.
Vou explicar o que é mentira e o que é verdade aos leitores para concluir que não existe nada mais nobre na produção do filme (e de uma série que se seguirá) do que enquadrar os fatos do assassinato do então prefeito de Santo André num compartimento distante da especulação, do sensacionalismo, da preguiça, do oportunismo e dos interesses cruzados.
Mentira é o resumo do conceito generalizado destilado pela mídia tendo como fonte máxima de informações a força-tarefa do Ministério Público Estadual em Santo André. Que conceito? De que Celso Daniel foi morto porque se rebelou ao descobrir que amigos próximos do poder atuavam na contramão da lisura moral e ética e desviaram recursos financeiros da Prefeitura, frutos de relações espúrias com o setor de transporte coletivo.
Ou seja: o PT era beneficiário de um esquema de arrecadação sem o conhecimento do prefeito Celso Daniel que, vejam só, já estava escalado para atuar como coordenador do programa do governo de Lula da Silva que, finalmente naquele 2002, ganhou a disputa presidencial.
Cobrança de Lula
Os incautos formuladores dessa teoria tabajarense esqueceram que pouco antes, na Prefeitura de Mauá, diante de um prefeito petista (Oswaldo Dias) constrangido pela reprimenda, o então candidato Lula da Silva citou nominalmente o prefeito de Santo André como excelente exemplar na arrecadação de recursos de campanha.
A versão santificadora do Ministério Público foi a primeira a inaugurar o placar de bobagens para proteger Celso Daniel e demonizar tanto o PT como o primeiro-amigo Sérgio Gomes da Silva, apontado como autor intelectual do crime.
Em seguida, vieram outras versões, de acordo com contextos que contrariavam a primeira e as subsequentes. Afinal, toda mentira ou meia-verdade tem pernas curtas. Dia mais dia sempre dá trabalho insano manter o enredo inicial. Ainda mais com inesperados Mensalão e Petrolão pela frente.
A versão aparentemente final do Ministério Público dava conta de que Celso Daniel conhecia o esquema de propina, mas se rebelou contra os malversadores do dinheiro arrecadado, que se teriam aproveitado de nacos destinados ao partido. O MPE não encontrou argumentos para explicar uma nova versão, de que uma diarista encontrou sacos de dinheiro no apartamento de Celso Daniel.
Profilaxia oportuna
Essas e outras mentiras provavelmente serão oferecidas ao público que acompanhar o filme e a série. Não existe profilaxia mais apropriada para revelar a fragilidade das investigações dos promotores criminais (em oposição às forças policiais estaduais e federais) do que o contraditório mesmo que sutil, como supostamente seria levado ao público. Qualquer sutileza inteligente numa arena de arte como o cinema separa verdade de mentira sem piscar os olhos.
As verdades que o filme da produtora Escarlate vai contrapor às mentiras introjetadas na opinião pública durante quatro anos seguidos deverão demolir a indiferença de quem ainda segue em cima do muro sobre as circunstâncias que levaram ao assassinato, bem como instalará um enorme ponto de exclamação naqueles que não se convenceram da história contada pelo Ministério Público, mas, também, provavelmente não abalará em nada a certeza dos mal-informados pela mídia em geral de que Sérgio Gomes da Silva era um primeiro-amigo abominável, ambicioso e tantas coisas mais.
Alarde contra silêncio
Experimentem mensurar o potencial de uma mentira virar verdade tendo como sustentação a intocável versão de crime de encomenda político-administrativa alardeada durante praticamente cinco anos. Sim, foi esse período que a força-tarefa do MP de Santo André desfrutou para ocupar a mídia de forma maciça com a versão para abafar a crise na Segurança Pública no Estado de São Paulo.
Os policiais que apuraram o crime e chegaram à conclusão final de que Sérgio Gomes também fora vítima dos bandidos pés de chinelos foram silenciados durante quatro anos. Foram proibidos pela Secretaria de Segurança Pública de dar declarações. Só o fizeram com a CPI do Fim do Mundo, em Brasília.
Dividir no mesmo espaço de arte a verdade e a mentira é um grande avanço para retirar o feixe de manipulações do caso Celso Daniel. Melhor proposta seria impossível para desmascarar todos que agiram deliberadamente para deslocar o assassinato do ponto em que jamais deixaria de estar: a consequência óbvia de uma Região Metropolitana de São Paulo então, naquele início de 2002, coalhadíssima de sequestradores.
Limites policiais
Não custa lembrar o que já abordei com dados estatísticos irrefutáveis: o assassinato de Celso Daniel é um caso exclusivamente policial. Tanto que, desde então, pressionado pela opinião pública e a opinião publicada, o governo tucano do Estado de São Paulo disparou medidas que deram uma reviravolta completa na gestão da Secretaria de Segurança Pública.
Os chamados Direitos Humanos defendidos pela ala de centro-esquerda tucana de Mário Covas, morto 10 meses antes de Celso Daniel, foram jogados no lixo. Entrou em campo a tropa de choque da ala mais radical do Ministério Público Estadual, sempre no comando da pasta, com Saulo de Castro Abreu à frente.
Os índices de criminalidade na Região Metropolitana de São Paulo e do Estado como um todo desabaram desde então. Ganharam números quase que de Primeiro Mundo, embora a fórmula de combate ao crime organizado, principalmente, lembre mais um consórcio de interesses comuns. Uma associação mais ou menos nos seguintes termos: reduza a matança aí que quebro um galho do lado de cá para não contrariar seus interesses.
Acho que os leitores entenderam a mensagem. Especialistas asseguram que essa não é uma versão explicativa ao desabamento dos crimes letais no Estado. É constatação pura.
Lugar errado, hora errada
Como definiram três investigações policiais (durante o governo tucano) e também uma investigação da polícia federal sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, Celso Daniel estava no lugar errado na hora errada.
Seria estultice sem tamanho que alguém, no caso Sérgio Gomes da Silva, a quem o Ministério Público atribuiu o codinome de “Sombra”, agisse tendo como base de cálculo uma sequência de cenas de arrebatamento que caberiam numa produção cinematográfica, por exemplo. “Sombra” foi a forma de estigmatizar o escolhido a pagar o pato de custo exclusivo do governo do Estado.
Ninguém em sã consciência deixa a comodidade das coxias e se lança ao haraquiri do palco.
Uma explicação sobre o codinome “Sombra”: jamais o utilizei em qualquer uma das agora 170 matérias já catalogadas sobre o caso Celso Daniel neste site. Cumpro apenas a função de repetidor de terceiros para manter a autenticidade da informação. Um dia desses vou escrever um texto específico, esclarecedor e demolidor, sobre “Sombra” que, de fato, era “chefe”.
Sombra estigmatizadora
Com isso, vou me contrapor aos promotores criminais que adicionaram a Sérgio Gomes da Silva uma alcunha deformadora não necessariamente das atividades que o primeiro-amigo de Celso Daniel exercia, mas uma clara prática de esculhambação pública da imagem do condutor do veículo arrebatado por um bando de marginais.
Estou impedido eticamente de escrever detalhes sobre o filme que a produtora Escarlate pretende lançar dentro de um ano. O depoimento à equipe durou tempo suficiente para expor alguns pontos que, inclusive, não escrevi até então e até agora.
Talvez uma sugestão repassada após duas horas de depoimento, é que um ator até outro dia com papel razoavelmente relevante numa telenovela da Globo representaria Sérgio Gomes. Exceto o nariz mais prolongado, Sérgio Gomes e ele parecem saídos do mesmo ventre. Ver esse ator no papel de Sérgio Gomes da Silva teria um efeito extraordinário. Sérgio Gomes parece viver nele, depois de morrer com Celso Daniel.
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11/07/2022 Caso Celso Daniel: Valério põe PCC e contradiz atuação do MP