Administração Pública

Uma safra de prefeitos que
vai custar caro à sociedade

DANIEL LIMA - 14/10/2019

O conjunto da obra regional dos prefeitos eleitos em 2016 vai custar muito caro à sociedade. Aliás, já está custando. E significará uma nova camada de improdutividades no material semelhantemente pouco saudável que os antecedeu. Parece existir um pacto de paralisia compulsória entre os prefeitos responsáveis por quase três milhões de habitantes, como se não houvesse mais nada no horizonte. 

Eles, nesse pacto, têm como premissa cuidar do próprio quintal e de forma a mais sensacionalista possível. A ordem unida é entregar o discurso aos marqueteiros de plantão. Querem salvar os anéis municipalistas, onde recrutam votos. Os dedos regionais que se danem. 

Todos os indicadores econômicos que coleciono em estado bruto e transformo em massa de informações e análises não deixam margem a dúvidas: estamos observando uma toada de mediocridade que parece não ter fim. 

Guedes está enganado 

Até parece que os titulares dos paços municipais se reúnem permanentemente no Clube dos Prefeitos. Eles praticamente têm o mesmo receituário que difundem na mídia regional. Fazem de pequenas obras o carro-chefe de discursos transformadores. São quirelas ante a demanda já saturada de medidas mais abrangentes. 

Por essas, quando ouço o ministro Paulo Guedes e outras autoridades da República pregarem maiores nacos de dinheiros públicos para a gestão dos chefes municipais sinto calafrios. Seria um erro tremendo reduzir a carga federal em benefício de Estados e Municípios. O risco de se elevarem as condições práticas ao desperdício e também à corrupção seria monumental. 

Mais dinheiro de impostos na mão de prefeitos medíocres seria um atentado à cidadania. Sei que nas esferas federais e estaduais há malversações insanáveis e absoluta falta de prioridade, mas quando se compara o potencial de roubalheiras com o que estaria reservado no âmbito municipal de autoridade pública pouco fiscalizada e de em muitos casos de mãos dadas com parcela da mídia, a previsão seria um tremendo tiro no pé. 

Até que muita coisa não mude para valer no ambiente municipal (e no caso do Grande ABC também na esfera regional) o melhor que Paulo Guedes faz é esquecer-se de redistribuir recursos orçamentários federais – até porque a União está numa pindaíba que dá dó. 

Limites das redes 

Casos de cidadania vigilante no uso de dinheiros públicos são incomuns no País e não têm a cobertura da Imprensa que se espera como pedagogia de adensamento de práticas semelhantes.

Especialmente no caso do Grande ABC, onde vivemos e batemos cabeça na tentativa de contribuir coma alguma transformação, a mobilização em torno de despautérios é raríssima. Vivemos à sombra da maior Capital da América do Sul e cada vez mais dominada pela pauta federal que a digitalização das comunicações explora.   

Até que o Grande ABC chegue ao nível de regionalidade para valer, ou mesmo de municipalismo impactante, vai demorar um bocado. Já evoluímos nesse sentido, é verdade, com as redes sociais estridentes, mas ainda não saímos da prática digital para ações presenciais, salvo exemplos que confirmam a regra de apatia. 

É preciso que uma barbeiragem monumental ocorra para que a mídia convencional sempre solícita com os governantes municipais sofra o impacto de atropelamento das mídias sociais. Como foi o caso da tentativa de extorsão do prefeito Paulinho Serra em janeiro do ano passado ao aplicar correção gigantesca nos carnês do IPTU. A mobilização inédita foi a resposta dos indignados. 

Aquela ocorrência chamou a atenção dos demais prefeitos, além de colocar Paulinho Serra na defensiva. A maldade de aumentar impostos e de eventuais trambicagens administrativas não pode ser exercida de forma tão descarada. Alguma sutileza há de ser empreendida para que não se ofereça contragolpe dos contribuintes. 

Aliás, esse foi o caso também da gestão de Paulinho Serra nas tratativas que culminaram na venda da parte lucrativa de água e esgoto do Semasa. A transferência do comando daquela autarquia nesses dois quesitos de rentabilidade garantida sob a gestão da Sabesp, companhia de capital misto, foi iniciativa sábia da gestão tucana de Santo André. Tanto quanto, para o prefeito e seus aliados, em sentido inverso, a transparência de quarto escuro e a obediência a critérios éticos típicos de crime organizado nas negociações.   

Tudo ou quase tudo que envolve comprometimento de recursos públicos municipais no Grande ABC carrega uma fortaleza de desconfiança entre aqueles que querem muito mais que declarações oficiais e reportagens encomendadas. Os gestores municipais da região têm ojeriza à prestação de contas gerais ou específicas. Os sites das prefeituras são um ambiente inóspito à cidadania fiscal. 

Houvesse a cultura da prestação de contas dos gestores públicos e também o comprometimento de instituições sociais e privadas em honrar as cores das corporações que representam, tudo que se passasse nas administrações públicas municipais seria objeto de avaliação pública. Mas isso não passa de romantismo. Há uma confraria de mandachuvas e mandachuvinhas em cada Município. Eles controlam objetivamente o ambiente local. Um controle no sentido mais amplo possível, com raras dissensões. 

Aproximação deletéria 

Embora não se possa generalizar, é extremamente majoritária a participação de dirigentes classistas cujo objetivo passa distante dos reais interesses dos associados. A ordem unida é aproximar-se dos Executivos Municipais para extrair vantagens individuais e grupais. Do outro lado do balcão, os eleitos pelo povo e seus apaniguados sempre estão de braços abertos a comemorações mútuas. Vive-se no Grande ABC --- e em parcela quase integral do território nacional ---um jogo de conveniência entre autoridades públicas e supostos representantes de extratos sociais e corporativos.  

É claro que existem exceções à regra. Temos gente que conta com independência pessoal e profissional para reagir diante de descalabros do dia a dia dos comandantes da política municipal e regional. O problema central é que são individualidades que se manifestam isoladamente. Duvido que não teríamos 100 pessoas com apetrechos intelectuais e disposição de ir ao combate contra tudo o que está aí. É claro que temos. 

O desafio é juntá-los no mesmo barco. Já tentei e dei com os burros nágua. Quando os mandachuvas e mandachuvinhas perceberam que o movimento gerava adesões, trataram de reagir com retaliações subliminares. Poucos cidadãos do bem no Grande ABC ousam sair da zona de conforto. E no caso zona do conforto é manter-se distante das idiossincrasias da política partidária que dá a direção às organizações públicas locais. 

Repetindo o velho 

Paga-se um preço muito alto em se lançar à luta contra o estágio de nulidade gerencial no Grande ABC. Os prefeitos atuais só são piores do ponto de vista de regionalidade e seus efeitos porque tiveram a pouca sorte de estarem juntos no mesmo local e no mesmo período neste fim de segunda década do século. O raquitismo intelectual e decisório combina, inclusive, com a aridez de ideias produtivas de agentes da sociedade. 

Vivemos uma repetição de propostas que circularam pela região há mais de duas décadas como novidades, mas que, tanto tempo depois, viraram sucata ou quase isso. Como, por exemplo, as insistentes tentativas de ressuscitar guerras fiscais internas com roupagens de incentivos ao empreendedorismo. Eles, prefeitos e asseclas, não sabem o que fazem. Vivem no mundo da lua. Ou mais precisamente, na porta do inferno da desindustrialização irrefreável e de um festival de adversidades que tornam o Grande ABC e cada um de seus municípios cartas fora do baralho de investimentos competitivos.

O ministro Paulo Guedes não tem ideia do que significaria a descentralização de recursos orçamentários às prefeituras. O Brasil é uma constelação de cidades provincianas escravizadas por uma democracia de araque. Prevalecem os eternos donos do pedaço. Quem confrontá-los para valer corre sérios riscos. Passam a ser párias sociais. Ou podem até parar no xilindró.



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