Política

Trio tucano dá tiro no próprio
pé ao tentar atingir Bolsonaro

DANIEL LIMA - 15/10/2019

É isso mesmo que você acabou de ler na manchetíssima acima: os prefeitos de Santo André, São Bernardo e São Caetano, todos tucanos, todos de alguma ou de muita forma aliados do governador João Doria, atropelaram o calendário eleitoral e deram tiro nos próprios pés ao tentarem atingir o presidente Jair Bolsonaro, que obteve 62,12% dos votos válidos no Grande ABC em 2018.  

Se o leitor me perguntar se, no caso dos três prefeitos, é bom negócio sair dando porradas no presidente da República, responderia sem titubear: é claro que não é bom negócio. No caso, negócio são as eleições municipais do ano que vem.

Tanto Paulinho Serra como Orlando Morando e José Auricchio Júnior são candidatos à reeleição. Eles foram eleitos em 2016 em grande parte contando com os efeitos da Operação Lava Jato do então juiz Sérgio Moro, agora ministro da Justiça de Jair Bolsonaro.  

Há situações diversas a separar o enredo preliminar da disputa, mas uma coisa parece comum aos três: indispor-se com o eleitorado de Jair Bolsonaro no Grande ABC pode ser um tiro no pé. Meter os dois pés na mesma canoa de João Doria não seria uma boa alternativa. Pode ter o formato de roleta russa.

Caindo na armadilha

Fosse candidato à Prefeitura de qualquer Município do Grande ABC, mas sobretudo de um dos três mencionados, jamais me meteria nessa encrenca de dizer ou insinuar que Bolsonaro é isso ou aquilo no campo econômico, como é a questão que se coloca como desdobramento de uma matéria-arapuca publicada ontem no Diário do Grande ABC.

A matéria-arapuca do Diário do Grande ABC era para ter outro envelopamento. Seria uma espécie de matéria-desculpa. Sim, o tom de crítica foram os repasses federais, inferiores aos do ano passado. Uma bobagem, cá entre nós, porque o País está quebrado. Quem não se deu conta disso deve viver na Lua ou ser tão ligado à corja política que não distingue alhos de bugalhos.

Patetices à parte, goste-se ou não, Jair Bolsonaro conta com salvo-conduto econômico que torna seu governo potencialmente vitorioso, apesar de todos os pesares: ele pegou terra arrasada e conta com uma equipe de primeira linha. Liberalizante, liberalizante, como deve ser a política econômica nacional. Sem perder a sensibilidade social.

Quem não segue essa cartilha não tem futuro. E quem a segue precisa rebolar para ter futuro, porque o estado de saúde fiscal do País é de dar dó.

É claro que foi apenas uma figura de linguagem sugerir candidatura a qualquer prefeitura. Foi maneira de me expressar. Não sou candidato e nada e jamais o serei. Nas disputas populares em que me meti na vida, e que dependeram de colégio eleitoral, ganhei todas: fui eleito presidente do clube esportivo do jornal O Repórter, nos anos 1960/1970, e do clube esportivo do Diário do Grande ABC, nos anos 1970/1980. Jamais passei dessas duas aventuras.

Aliás, no Clube do Diário, nem eleito fui, porque o criei para dividir a responsabilidade de realizar série de eventos envolvendo colaboradores de toda as áreas da empresa.

De resto, jamais me meti em qualquer tentativa partidária. Não tenho temperamento nem flexibilidade ética para aceitar determinadas deformidades do experimento que não tem fim chamado de democracia. Ou alguém tem dúvida de que política, com dialética específica, é uma atividade somente para os fortes?

Chorões sem respaldo

Mas, voltando ao que interessa, perguntaria a Paulinho Serra, Orlando Morando e José Auricchio simplesmente o seguinte: quem os orientou a retaliarem o governo Bolsonaro? Que bobagem é essa?

Reclamar de repasses federais, contingenciados a tantos endereços municipais, estaduais e federais por conta dos estragos petistas, é uma tremenda besteira pública. Será que o trio, que não ouso chamar de Três Patetas, como militares o foram nos anos de chumbo do Regime Militar, tem consciência do que fizeram?

Os três chorões não têm razão alguma. Nenhuma. Desmontaram o Clube dos Prefeitos, único canal regional de que dispunham para supostas ações coordenadas. Liquidaram com a Agência de Desenvolvimento Econômico, também potencialmente fortalecedora de propostas. Criaram e afundaram a Casa do Grande ABC em Brasília, que só registra despesas. Ou seja, e resumindo: são exterminadores institucionais da regionalidade mambembe que vicejava na região. Que moral têm, portanto, para reclamar. Querem tudo de mão beijada, claro.

Os opositores do campo político mais ao centro de Paulinho Serra, de Orlando Morando e de Auricchio devem estar comemorando. Eu estaria soltando fogos e articulando campanha nas mídias sociais em reprimenda aos três tucanos que se comportaram como reitores de universidades federais, numerosíssimas, custosíssimas, deixadas de herança na contramão de receitas de um País em crise econômica sistêmica.

Em São Bernardo, até prova em contrário, o que temos para a próxima disputa é um Orlando Morando de centro à direita, Alex Manente de centro-esquerda e Luiz Marinho de esquerda. Ou seja: nenhum herdeiro do espectro ideológico mais proeminente de Jair Bolsonaro.

É possível que apareça alguém? Pouco provável. Mas nem por isso Orlando Morando deixa de abrir um flanco a deserções de parte do eleitorado que o colocou no Paço Municipal sob a batuta de Sérgio Moro e os bravos rapazes da força-tarefa da Operação Lava Jato que, apesar de tudo, seguem com prestígio em alta. Tanto em alta que Sérgio Moro é o ministro mais popular de Jair Bolsonaro. Um candidato provavelmente imbatível se resolver ir às urnas.

Tradução: mesmo sem eventualmente alguém que se coloque como alternativa ao centro e à direita do eleitorado, Orlando Morando pode perder eleitores desse espaço ideológico em consequência da debandada de mala e cuia em direção ao governador João Doria, concorrente de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.  

Paulinho pressionado

Em Santo André, Paulinho Serra sofrerá efeitos deletérios semelhantes aos de Orlando Morando em São Bernardo, mas com carga redobrada de complicações. Há enxurrada de candidatos a ocupar a zona de centro e à direita do eleitorado, os quais, também, são eleitores de Jair Bolsonaro. Esgarçar um tecido potencialmente de controle no primeiro ou no segundo turno é de uma burrice sem tamanho.

A conservadora São Caetano também poderá dar uma lição ao prefeito José Auricchio se um candidato de oposição que decida ficar neutro no ambiente da política nacional, ou que capture eleitores de Jairo Bolsonaro como consequência de apoio à Lava Jato.

Uma campanha de esclarecimento que massifique as críticas de José Auricchio Júnior ao comandante do Palácio do Planalto e, por extensão, a Sérgio Moro, poderia causar estragos.

As redes sociais estão aí e os apoiadores de Jair Bolsonaro são uma maioria asfixiante. Tanto que não faltam pesquisas a confirmar o domínio do ex-capitão na mídia digitalizada. Já passou o tempo de subestimar os efeitos da tecnologia portátil nas campanhas eleitorais. Não há mais eleições puramente municipais.

Há contextos estaduais e federais a impactarem as eleições municipais. O tamanho dessa encrenca ainda não foi definido, mas a certeza de que estará presente cada vez mais, é irrebatível.

Naco importantíssimo

Sob qualquer ponto de vista matemático, não se joga fora um potencial de pelo menos 30% de votos solidamente favoráveis a Jair Bolsonaro, independentemente do que faça no governo federal.

A polarização no País deveria ter ensinado aos prefeitos de Santo André, São Bernardo e São Caetano uma lição primária:  diante de um estoque vocacionado ao voto antipetista, antiesquerda, antitudo que mobilizou a vitória de Bolsonaro, é uma tremenda bobagem antecipar a disputa presidencial de 2022. Até porque, convenhamos, João Doria não tem a densidade digital que se espera – também conforme resultados ainda outro dia divulgados no jornal Valor Econômico.

O mesmo jornal Valor Econômico que na edição de hoje publica uma pesquisa da XP Investimento sobre o governo Bolsonaro. Está lá: 

 46% da população espera um governo ótimo/bom até o fim do mandato. Já os pessimistas correspondem a 31% dos entrevistados. Há um mês, a expectativa positiva era de 43%, uma oscilação de três pontos percentuais – dentro da margem de erro.

 A proporção de entrevistados que esperam uma administração “ruim” ou “péssima” foi de 33% a 31% no período. No início do ano, a expectativa positiva para o mandato correspondia a 53% dos entrevistados, e 15% deles eram pessimistas.

 O percentual de entrevistados que considera a administração “boa” ou “ótima” (agora a avaliação é do atual governo) foi de 30% para 33% em relação a setembro. Já a desaprovação a Bolsonaro oscilou de 41% a 38%, e a percentagem de entrevistados que consideram o governo “regular” se manteve em 27%.

 Entre julho e setembro, a proporção de quem considerava a administração de Bolsonaro “ruim” ou “péssima” foi de 35% a 41% na pesquisa, enquanto a aprovação caiu de 34% para 30%.

 A avaliação do Congresso, também medida pela pesquisa, oscilou no sentido contrário. A proporção de entrevistados que consideram o desempenho dos parlamentares “ruim” ou “péssima” foi de 39% para 42%, e a avaliação positiva foi de 16% para 14%.

Duvido que os três prefeitos das principais cidades do Brande ABC contariam com dados melhores que os de Bolsonaro. E que os Legislativos locais também superassem o Congresso. Estamos vivendo seguramente a pior crise política do País. E vamos patinar nas numeralhas porque já não é mais possível controlar a opinião pública como nos tempos da imprensa profissional mandachuvona.

Os prefeitos de Santo André, São Bernardo e São Caetano perderam uma ótima oportunidade de calarem-se.



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