Administração Pública

Aidan analisado

DANIEL LIMA - 18/08/2009

Não resisto à tentação provocada por um artigo do professor Ricardo Alvarez, ex-petista, candidato do PSOL derrotado nas últimas eleições em Santo André. Publicado pelo Jornal Regional Grande ABC, a análise do professor universitário com atuação na Fundação Santo André é instigante. Reúne tanto conclusões certeiras quanto imprecisões inquestionáveis. O ressentimento de Oswaldo Alvarez contra o PT é característica de tantos outros integrantes do PSOL. Eles se sentem traídos pela conversão petista à direita e à submissão ao mercado eleitoral. Alvarez se mantém à esquerda da esquerda do espectro ideológico.


Já as críticas a Aidan Ravin são um jogo de cena convenientemente envelopado de indignação e de decepção. Ou alguém poderia acreditar que um socialista empedernido como o professor esperaria uma administração que não fosse conservadora de um candidato dos conservadores?


Ricardo Alvarez faz diagnóstico do governo do petebista Aidan Ravin que merece mais respeito pela coerência crítica do que pela suposta decepção gerencial.


Vamos aos melhores e piores momentos do artigo de Ricardo Alvarez, com as respectivas observações deste jornalista:



  • (…) No caso de Santo André, os sinais revelados pelas urnas mostraram que os cidadãos eleitores não enxergavam mais na gestão petista, que governou a cidade de 1997-2008, a possibilidade de atendimento de suas demandas e, além disso, mudou seu voto porque percebeu um cenário político no qual não mais se reconhecia. Por isso, decidiu retirar seu apoio ao PT e eleger um candidato supostamente inovador — escreveu Ricardo Alvarez.

Não foi exatamente isso que levou Aidan Ravin à vitória. O desgaste do PT se cristalizava, é verdade, porque três gestões seguidas de um partido visto como uniforme no território nacional, para o bem ou para o mal, são sempre um peso, mas também, bônus. O desejo de mudança se manifestou por escassa margem de votos — 35 mil num total de mais de 500 mil eleitores habilitados — não necessariamente porque se viu em Aidan Ravin um rebento político inovador. A maioria do eleitorado, que praticamente ignorou Aidan Ravin no primeiro turno, o descobriu no turno final por conta de orquestração bem urdida de uma campanha de marketing cujo mote era a virada de página petista. Virada de página não significa necessariamente desejo de inovação, mas apenas de mudança, de recomeço, com todos os riscos implícitos do conceito. Mudança para ver o que vai dar, que, em tese, seria melhor do que o que se tinha até então. Seria exagero esperar inovação no sentido atribuído pelo professor Alvarez. O eleitorado que se manifestou pró-Aidan no segundo turno numa avalanche de marketing queria ver o Paço Municipal com novo inquilino, pouco se lixando para o currículo do oponente petista.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Um elemento forte desta conjuntura foi o caso da morte do prefeito Celso Daniel, uma vez que ainda perdura no imaginário da população, e as reais causas da morte carecem de explicações mais sólidas. Mas isto foi ignorado pelo seu partido no Município, que varreu o problema para debaixo do tapete e apostou no esquecimento do assunto. Se a morte do prefeito contribuiu decisivamente para a eleição de João Avamileno num primeiro momento (comoção), colaborou significativamente para a derrota num segundo (dúvidas).

Ricardo Alvarez está redondamente enganado. A cronologia dos fatos o condena e o coloca na posição de quem escreveu com o fígado de quem é ligado à família Daniel e caiu no conto do vigário de morte encomendada. A vitória de João Avamileno em 2004 se deu apesar da massificação de que a morte de Celso Daniel, em janeiro de 2002, foi crime político, como cansaram de divulgar os promotores públicos destacados especialmente para compor uma unidade de averiguação do caso sob ótica muito particular, voltada para o interesse do governo estadual. O ambiente eleitoral em 2004 era muito mais favorável à vitória dos conservadores, numa chapa formada por Newton Brandão e Duílio Pisaneschi. A derrota se deu por escassa margem, em segundo turno, porque os oposicionistas digladiaram por nacos do poder antes da lógica de ganhar nas urnas. Os oposicionistas estavam tão certos da vitória, dos efeitos deletérios da morte de Celso Daniel para o PT, que se dividiram demais. Muito diferente, portanto, do que se deu no ano passado, quando entourage oposicionista regional, com apoio do governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo, botou o bloco na rua. Tanto botou que varreu Santo André de ponta a ponta na virada do resultado acachapante da preliminar do primeiro turno, quando Vanderlei Siraque ficou a menos de dois pontos percentuais dos votos necessários para festejar uma vitória mais que esperada. O caso Celso Daniel não integrava a agenda eleitoral do ano passado. Nem na materialidade do noticiário fugidio da mídia nem no imaginário popular, verdadeiramente convergente à tese furada de crime programado. Nem mesmo o Mensalão, que estourou em 2005, influiu no resultado de forma decisiva. Ou seja: a vitória de Aidan Ravin é explicada com a racionalidade de uma tabuada, não com projeções metafísicas.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Além disso, o modo petista de governar se transfigurou com o passar dos anos numa massa disforme e carregada de um aguçado senso de oportunismo. A governabilidade fala mais alto do que os princípios e o vale-tudo na gestão deu o tom dos acordos políticos e alianças eleitorais. No plano nacional, veja-se o caso Sarney, apoiador de primeira hora do governo Lula no Senado e que agora cobra apoio do Planalto, prontamente retribuído pelo presidente. Tudo em nome da governabilidade.

Não seria esse um vetor a ser considerado decisivo. Para larga faixa do eleitorado, governabilidade também significa capacidade de enfrentar as borrascas políticas com responsabilidade, flexibilidade e maturidade. Mesmo no caso do PT, que construiu história de única virgem em casa de tolerância, até que os adversários resolveram lhe imputar o extremo de única prostituta numa casa de tolerância. Não custa lembrar que nos tempos de sectarismo, o PT colecionou derrotas sobre derrotas porque a sociedade não perdoava a dificuldade do partido compor-se. Governabilidade é apenas uma estação intermediária na longa lista de paradas obrigatórias de embarques e desembarques da vida partidária e administrativa.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Ressalte-se ainda que os motivos da derrota de José Cicote, em 1992, não foram aprendidos em sua totalidade pelo PT em Santo André. Uma forte divisão interna resultou num enfraquecimento externo nas ruas e nas urnas. Vanderlei Siraque desprezou a lição e pagou caro por ela, conseguindo um feito inédito até então em Santo André, reduzindo seus votos do primeiro para o segundo turno.

O divisionismo petista, sem dúvida, ajudou a mudar a biruta de votos. Para o eleitorado mais atento e formador de opinião, tratou-se de crise de governabilidade interna, partidária, com reflexos profundos na condução do Paço Municipal e na segurança gerencial do Município. Não se pode esquecer que todo o secretariado do prefeito João Avamileno se afastou pós-prévias.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Acrescente-se a isto a ausência de uma marca no governo João Avamileno, que se perdeu diante da falta de um líder capaz de conduzir a gestão da cidade e a unidade partidária. Pecado imperdoável foi ter apoiado um candidato na prévia do partido, o que o descredenciou como líder geral e o colocou na posição de chefe de fração.

O que o professor Ricardo Alvarez chama de ausência de uma marca no governo João Avamileno ouso dizer que, em vez de ser um pecado capital, tornou-se uma virtude. Para o eleitorado médio, o sucessor de Celso Daniel conduzia Santo André sobre a trilha do principal comandante regional em todos os tempos. A imagem pública de discreta eficiência da administração João Avamileno era a pedra de toque que dificilmente ofereceria aos opositores a condição de mudança administrativa no Paço Municipal. Até que se deram as trapalhadas das prévias petistas. Avemileno cometeu o equívoco de bandear-se para um dos concorrentes. A ruptura foi inexorável.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  No caso da eleição de Aidan Ravin, a vitória para prefeito foi um presente inesperado, calcada em apoios de última hora, sobretudo no campo econômico. E isto tem um preço a ser cobrado. Aidan teve carreira meteórica em Santo André, pois se aproveitou da crescente insatisfação com a gestão petista na cidade. Interessante observar que nesse curto período em que exerceu o mandato de vereador e depois prefeito, sua postura em nada se assemelhou aos votos que recebeu. Em outras palavras, se os eleitores buscaram mudanças escolheram um candidato que agiu absolutamente dentro dos padrões da política convencional. (…) Os eleitores miraram uma coisa e vão levar outra.

De fato, a vitória de Aidan Ravin foi um presente inesperado, calcado em apoios de última hora, sobretudo no campo econômico. E isso realmente tem um preço. A última frase (”e isso realmente tem um preço”), não é diferente de vencedores eleitorais menos inesperados, calcados em apoios muito antes da última hora e sobretudo no campo econômico. Seria ingenuidade sugerir que Aidan Ravin, dadas as características geoeleitorais de Santo André, chegasse ao Paço Municipal sem compromissos econômicos. É por isso que Ricardo Alvarez jamais chegou. Não é todo dia que aparece uma Luiza Erundina na fita de chegada eleitoral. Nem um Paulo Maluf escorraçado como adversário. De fato, os eleitores buscaram mudança, mas não no sentido destilado por Alvarez. Simplificaria com uma expressão popular a definição do voto oposicionista em Santo André: “seja o que Deus quiser”. Por isso, os eleitores não definiram com precisão analítica o que queriam. Mais: a exuberância carismática de Aidan Ravin teve peso preponderante na engrenagem lubrificada por esforços de união dos conservadores. Por isso, aliás, os conservadores o escolheram já na última hora do primeiro turno, levando-o ao turno final, descartando o menos esfuziante Raimundo Salles.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Seu governo começou mal. Teve dificuldades onde não deveria ter. Apesar de ter uma vice-prefeita que conhece muito bem o funcionamento da Câmara, pois lá esteve por vários mandatos, a impressão que fica é que este apoio foi desprezado, o que lhe causou estragos na constituição da base aliada. Criticou duramente na campanha a presença de “forasteiros” no primeiro escalão da gestão petista, mas seu chefe de gabinete é um deles. Discurso infantil este, de acender as chamas do chauvinismo territorial andreense, que até rende votos, mas o fez cometer o pecado da incoerência política.

Nada a opor. E nada surpreendente, dada a biografia do prefeito eleito, de experiência de um mandato como vereador. Paga-se o preço da imaturidade administrativa. Até Celso Daniel penou um bocado na primeira gestão petista, entre 1989 e 1992, quando nem passara pelo Legislativo. O embaralhamento de Aidan Ravin com as fontes de financiamento da campanha eleitoral, que ainda o azucrina nos bastidores, é resultado de improvisações de campanha.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Além disso, sua gestão é marcada pela mudança de formas e não de conteúdo. Na questão ambiental, a marca tem sido a agressão ao paisagismo e a remoção de espécies sem dó. Mandou repintar ônibus nas “cores de Santo André”, mas em nada mudou a política de transportes que hoje é comandada pelos empresários (herança da gestão petista). Não dialoga nem tampouco estimula a participação popular, resultado da crença de seu poder absoluto outorgado pelas urnas. E após seis meses de trabalho, já tirou férias.

Não há diferenças profundas entre os gestores públicos no País. Há cartilhas-padrão carimbadas com objetivos marqueteiros tanto à direita quanto à esquerda. Por isso, seria mesmo surpreendente se Aidan Ravin mantivesse o Orçamento Participativo, uma marca registrada do PT. Tantos outros prefeitos não-petistas preferem o tete-a-tete com os eleitores, num dia específico em que os corredores da Administração absorvem romarias de solicitações. A visibilidade das medidas, na forma de alterações paisagísticas e de frotas de ônibus repintadas, faz parte do show. Os administradores públicos sabem exatamente o que o eleitor médio aprova. Brasileiro gosta mesmo de cosméticos à direita e à esquerda. Tudo é questão de estilo, que deriva da ideologia.


Mais Ricardo Alvarez:



  •  Estabeleceu também um debate com a gestão anterior sobre problemas na contratação de empresas prestadoras de serviços à Prefeitura, mas o que se observou foi apenas a troca delas e não dos métodos de contratação. Sai a ONG X e entra a ONG Y. Os servidores públicos também estão à míngua, apesar das promessas de campanha de valorização de seu trabalho. Nem mesmo em meio à crise global do capitalismo, resultando em demissões, perda de poder aquisitivo, ampliação das carências sociais, pode se observar uma mobilização dos prefeitos no sentido de implantar políticas públicas que minimizem os efeitos da crise nos trabalhadores. Santo André poderia puxar o debate, mas não o fez.

No campo da administração pública, mais e mais os métodos gerenciais se assemelham, cabendo aos marqueteiros de plantão a encenação de contrastes. A terceirização no setor de serviços da infra-estrutura social espalha-se por todo o território nacional. Já a expectativa de que Santo André lidere a ressurreição econômica do Grande ABC é exagero, porque São Bernardo é disparada a Capital Econômica. Com todas as críticas que se possa fazer ao Clube dos Prefeitos, há limites orçamentários, políticos e institucionais que inviabilizam o circuito de contragolpe à crise macroeconômica. A mobilização das autoridades públicas em busca de reforços estaduais e federais depende profundamente de pressões sociais, uma utopia no Grande ABC.


Para completar, Ricardo Alvarez:



  • Enfim, apesar do curto período da gestão Aidan, já se pode observar que as mudanças não vieram e nem apontam no horizonte. O que surgia como aposta de mudança se consolida como mais do mesmo.

A maioria do eleitorado de Aidan Ravin sabia ou intuía que se tratava mesmo de uma aposta, de uma disputa plebiscitária, e que, como toda aposta, pode-se ganhar ou perder. Mas o jogo, convenhamos, mal começou. “Mais do mesmo” é uma expressão carregadíssima de esperteza semântica porque pretende induzir os leitores a distinguir o representante do PSOL dos demais políticos. Faz parte do show.


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