Política

Morando vai esconder Doria
no confronto com Marinho?

DANIEL LIMA - 06/01/2020

Não sei quanto vale essa resposta hoje, porque hoje ainda está distante do amanhã eleitoral, mas pelo panorama atual o apoio do governador João Doria à reeleição de Orlando Morando em São Bernardo não é um bom negócio, além do já precificado em forma de laços consanguíneos tucanos.

O antagonismo de Doria ao presidente Jair Bolsonaro, que o carregou nas costas rumo ao cetro estadual, é um obstáculo e tanto. Há um cheiro de ingratidão e de oportunismo a conturbar o ambiente de centro e de direita, nichos do presidente da República e do governador do Estado.

Resta saber para onde irão os votos dos bolsonaristas em São Bernardo, já quem nem Orlando Morando nem Luiz Marinho os teriam. Serão votos nulos e em branco, senão de inadimplência eleitoral?

Sobraria a possibilidade de parte desses votos ganhar a direção do deputado federal Alex Manente. Entretanto, as últimas declarações do parlamentar não conduzem ao porto seguro de que respira competição. É verdade que pode ser um charme de quem diz que não vai mas acaba indo. Resolvido e por enquanto, Manente é um Ciro Gomes de votos.

E o deputado Manente?

Ou seja: nem a direita, a centro-direita e o centro o querem ver prefeito com a intensidade que estaria reservada a Orlando Morando. E tampouco a esquerda, embora a centro-esquerda o tenha em conta. Será que isso se manteria em outubro com Manente concorrente? Seria Manente catalizador dos desertores bolsonaristas e do cansaço petista?

Não há dúvida de que o eleitorado de Jair Bolsonaro se contraiu após 12 meses de mandato. Fosse hoje a eleição presidencial, Bolsonaro não repetiria os 66,84% dos votos válidos no segundo turno presidencial do ano passado em São Bernardo. Provavelmente Fernando Haddad manteria os 33,16%.

Na disputa de segundo turno para governador, João Doria obteve 48,43% dos votos válidos. Perdeu para o socialista Márcio França, que registrou 51,57%. Dificilmente Doria repetiria os números de outubro de 2018. Tudo isso sempre em São Bernardo.

Por que João Doria não teria o mesmo prestígio eleitoral da vitória apertadíssima no Estado e da derrota também apertadíssima em São Bernardo? Porque os bolsonaristas o abandonaram. Coloquem nessa conta algo como de 20% a 25% de votos consolidadamente bolsonaristas e entendam os danos colaterais que impactariam Orlando Morando na porção de influência do governador do Estado no conjunto de motivos que o colocariam na alça de mira dos eleitores.

Erros e acertos

Não estou dizendo ou sugerindo que Orlando Morando vai ter de esconder o amigo João Doria na campanha eleitoral em São Bernardo, mas nesta altura do campeonato, se olharmos fixamente para o quadro que se estabeleceu, qualquer marqueteiro que pense radicalmente o contrário, ou seja, que Morando deve sair de braços dados com o governador em incansáveis jornadas, vai cair do cavalo.

Doria esteve cinco vezes em São Bernardo no ano recém-terminado. Colheu vitórias e derrotas. A promessa de que a Ford não daria no pé e, em seguida, de que seria logo substituída, ruiu. Errou ao prometer o que lhe fugia ao controle.

Mesmo com todas as benesses fiscais de um gestor à moda antiga, de mesmices que já fracassaram no mundo inteiro, o governador do Estado viu ruir a esperança de quebrar a coluna vertebral petista no nicho trabalhista-operário mais poderoso do País.

E até mesmo onde acertou foi e continua a ser escorraçado: o monotrilho tratado como metrô é uma furada e o governador fez bem em descartá-lo. O sistema BRT não é lá essas coisas, mas custa menos. Além disso, o monotrilho que virou metrô nas páginas do Diário do Grande ABC estava repleto de desconfiança de propinas antecipadas para sustentar o projeto. Doria sentiu o cheio da brilhantina e abortou tudo. O Ministério Público mais próximo da Operação Lava Jato estava de tocaia para agir.

Queda nas mídias sociais

Talvez João Doria tenha sido açodado demais ao opor-se a políticas e atitudes de Jair Bolsonaro. O rompimento tem lhe causado muito prejuízo.

Querem um exemplo? No começo do ano a Folha de S. Paulo publicou uma matéria sob o título “Ex-aliados desabam nas redes após embate com Bolsonaros”. A reportagem retrata o esvaziamento do prestígio do governador dos paulistas – além de outros dois personagens até então protegidos da turma presidencial. Vejam o que escreveu a Folha: 

 Entrar em choque com o presidente Jair Bolsonaro parece ser fatal, ao menos nas redes sociais. A deputada Joice Hasselmann (PSL) e os governadores João Doria e Wilson Witzel são grandes exemplos disso, aponta índice de popularidade digital feito pela consultoria Quaest. Enquanto eram aliados a Bolsonaro, Joice, Doria e Witzel chegaram a ser líderes no índice de seus grupos (deputados federais e governadores). Após o rompimento, desabaram no levantamento. (...). Doria também perdeu popularidade digital após começar a se distanciar do presidente. O tucano chegou a ser a maior popularidade, em 1º de junho, mas teve queda de quase 40% no índice dois meses depois (foi de 61 para 39 pontos, em escala de que vai a 100).

Mato sem cachorro

É claro que não faltarão aliados de João Doria na tentativa de minimizar as perdas, porque política é isso mesmo. Mas, pelo andar da carruagem, tudo indica que a efervescência eleitoral vai tornar ainda mais comprometedor o índice do governador paulista. As redes sociais ainda não o metralharam no Grande ABC. Mas o farão intensamente.

Os bolsonaristas de São Bernardo possivelmente ficarão num mato sem cachorro. Afinal, não encontrarão alicerce ideológico com potencial eleitoral entre os muitos candidatos que deverão disputar a Prefeitura nesta temporada. Como possivelmente não se bandearão para os lados tucanos, muito menos para o ancoradouro dos petistas, Alex Manente poderia ser algo a pensar. Mas o deputado federal também não aparece como eventual herdeiro mesmo que residual do contingente de votos de direitistas mais empedernidos.

Até que ponto essa situação vai ajudar a candidatura petista em São Bernardo é questão a ser acompanhada com máxima atenção. Não existe na praça série de pesquisas quantitativas sobre o comportamento eleitoral em São Bernardo tendo em vista as urnas de outubro. Em outros tempos não faltavam sondagens, porque as sondagens em vários casos eram contratadas seguindo o velho esquema de propinas desmontado em parte pela Operação Lava Jato. Por isso a cautela de condicionalidades interpretativas é boa companheira.

Cadê as pesquisas?

Faltam, portanto, pesquisas eleitorais consistentes a traçar tendências do eleitorado. Entretanto, grupos políticos que pretendem chegar lá ou se manterem lá devem mobilizar recursos de financiamentos por baixo do pano para aferirem alternativas que pululam do eleitorado.

Mais que os dados de pesquisas qualitativas e quantitativas, é indispensável contar com especialistas em decifrá-los. As redes sociais são um braço armado de políticos no exercício de mandatos ou de adversários mais viáveis eleitoralmente na tentativa de correção ou de distorção intencional de rotas.

Mas parece pouco provável que o grau de belicosidade dos bolsonaristas em relação a Doria-Morando seja abrandado. O estrago já foi feito e não parece ter retorno. Insisto no cuidado com que se deve observar as redes sociais. Há muito as eleições deixaram o predomínio televisivo. E também dos grandes veículos impressos. Ou alguém se esqueceu do que esses mandachuvas da mídia nacional fizeram nas últimas eleições presidenciais?

Redes sociais mudam jogo

É claro que não seria exclusivamente a fuga dos votos dos bolsonaristas de Orlando Morando que determinaria o resultado das eleições em São Bernardo. Há muitos outros elementos em jogo. A estadualização e a nacionalização dos votos (é disso que se trata) têm hoje muito maior capilaridade que antes.

As mídias sociais universalizaram o entendimento e o desentendimento político-partidário. Os temas municipais seguem sendo ainda mais relevantes na definição dos eleitores, mas em escala inferior ao historicamente registrado porque aos condimentos locais se acrescentaram ingredientes indigestos da macropolítica.

Particularmente no caso do Grande ABC, desabou parte das barreiras tecnológicos que mantinha a região às escuras e com densidade de conhecimento político abaixo do ideal por conta da exclusão do baile da mídia de massa.

Não temos emissoras de televisão como as capitais e tantos outros municípios brasileiros, mas as mídias sociais provocaram uma ruptura que se acentua na medida em que a capilaridade de uso de smartphone se populariza.

Ou seja: em outros tempos, a briga antecipada pela presidência da República em 2022 não afetaria em praticamente nada o reduto de Orlando Morando em São Bernardo. Agora, como se sabe, é bem diferente. E quem não se preparar para as consequências, para o bem e para o mal, vai se lamentar muito. Outubro é logo ali.

Dei exclusividade à questão eleitoral em São Bernardo tendo como prato principal a importância do governador do Estado por duas razões principais: Orlando Morando e João Doria formam dupla política mais que indissociável (diferentemente, portanto de outros tucanos da região) e o PT de Luiz Marinho é o que existe de mais forte com potencial de enfrentamento em outubro. Está certo que José de Fillipi Júnior está bem cotado em Diadema, mas, convenhamos, a importância política, econômica e social de São Bernardo é extravagantemente maior.



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