Política

Marinho não tem como deixar
de contar com Lula na garupa

DANIEL LIMA - 07/01/2020

Diferentemente de Orlando Morando (conforme escrevi na edição de ontem), cujo destino eleitoral trafega em direção à uma bifurcação incontornável de contar ostensivamente ou de contar subsidiariamente com a companhia física do governador João Doria, no caso do adversário Luiz Marinho não existe alternativa: é agarrar-se a Lula da Silva e esperar pelos resultados. Pé na tábua e seja o que o eleitorado quiser. Lula estará na garupa. E, em determinados momentos, troca de posição com Marinho. 

Se com Lula da Silva na situação judicial em que se encontra Marinho sofre uma imensidão de rejeição, sem Lula da Silva estaria Morando fadado ao fracasso precoce. Criatura e criador são indissociáveis eleitoralmente.

São Bernardo é uma terra diferente da grande maioria dos municípios do Estado de São Paulo, que está sempre com um pé atrás quando se trata do Partido dos Trabalhadores. Não existe, portanto, nada que se coloque no lugar de Lula da Silva como cabo eleitoral especial na campanha rumo ao Paço Municipal.

Competitividade desafiadora 

A competitividade de Luiz Marinho depende de fatores locais, macroeconômicos e macropolíticos. Não será fácil passar um apagador na lousa de apontamentos de passivos nacionais petistas que contaminaram especialmente São Bernardo.

A genética petista está em São Bernardo desde que aquele rebelde liderou os confrontos que depois dizem ter virado marmelada com as montadoras de veículos.

Se o que se seguiu foi uma senhora marmelada trabalhista, a beneficiar extraordinariamente tantos os metalúrgicos quanto às próprias fábricas multinacionais, isso fica para segundo plano agora.

O que se deu é que São Bernardo virou sinônimo de greve, de PT, de CUT e o escambau. Não há como retirar todos esses carimbos mais que justos dos petistas. Para o bem e para o mal.

Dimensões da disputa 

Creio, portanto, que a campanha de Luiz Marinho se dará num campo suplementar, porque seria bobagem negar o inegável. E o campo suplementar, que passaria a ser a corrida do ouro eleitoral, é o combate franco, aberto, tonitruante, à gestão do tucano Orlando Morando. Parece redundância, mas nem sempre a redundância é óbvia.

A municipalização da disputa, portanto, interessaria aos petistas. Até mesmo porque têm respostas prontas para as obras do tucano: todas teriam sido planejadas e em larga escala iniciadas pelo PT. Só não viraram materialidade com a marca petista porque Dilma Rousseff e a maior recessão da história brasileira sobrepuseram a tudo.

Chumbo trocado 

Sabe-se que uma das premissas que os petistas de São Bernardo vão lançar em forma de petardos contínuos e implacáveis -- e que invadirão as redes sociais -- terá como ofensiva o campo da corrupção.

A ordem unida petista é associar a gestão de Orlando Morando a casos já denunciados de maltratos ao dinheiro público. Há pelo menos três situações embaraçosas. A recíproca de Orlando Morando é verdadeira.

A diferença é que o PT carrega o peso de condenações, enquanto Morando vai tocando a vida administrativa e pessoal sem ter tido o dissabor de abrir a porta de sua residência às seis da manhã para agentes da Polícia Federal.

Munição bilateral 

O que colocaria em cantos opostos a disputa de outubro próximo em São Bernardo e a de outubro de 2016 é que desta vez o PT tem munição de moralidade pública para trocar chumbo com Orlando Morando. Essa é a avaliação dos estrategistas avermelhados.

Trocando em miúdos: enquanto em 2016 Orlando Morando nadou de braçadas rumo ao Paço Municipal e Tarcisio Secoli, candidato petista, naufragava nas águas do Petrolão, agora há uma previsão de que teremos pesos e contrapesos que confundiriam o senso crítico de boa parte do eleitorado. O PT segue a lógica cartesiana de que não seria a única meretriz da casa de tolerância.

Insumos consistentes

Com tudo isso, o peso eleitoral de Lula da Silva em São Bernardo passa a ser uma incógnita no presente, porque ainda não se tem a exata dimensão dos estragos que os petistas causariam a Orlando Morando quando se invadir o campo de honestidade administrativa.

A máxima de que chumbo trocado não dói, porque já teria doido um bocado, move os petistas. Afinal, poderia colocar Orlando Morando em posição defensiva na medida em que a retórica eleitoral de honradez administrativa for contraposta de forma especulativa ou não, de acordo com a avaliação do cliente, ou seja, dos eleitores.

Um dos mandamentos sagrados de efetivos efeitos colaterais gerados pelas redes sociais é que os insumos precisarão ser cada vez mais consistentes para provocar resultados duradouros. Fake news não terão impacto semelhante ao da campanha presidencial. Há espécie de auto-regulação de credibilidade exercida pelos próprios consumidores de informações. Quem for pego em flagrante delito jogaria no lixo eventuais verdades anteriores ou posteriores.

Peso bolsonarista

Nesta altura do campeonato não existe nada que indique o contrário na balança de possibilidade de vitória de Orlando Morando quando contraposta a de Luiz Marinho: o peso negativo de restrições que o eleitorado mais sólido de Jair Bolsonaro impõe à candidatura do tucano em São Bernardo por conta do posicionamento presidencial do governador João Doria é inferior às contraposições do eleitorado a Lula da Silva e à chefia de um governo interrompido entre outros motivos porque perdeu a legitimidade na gestão do dinheiro público.

Há, portanto, distanciamento flagrante e considerável entre os dois passivos.

Se essa avaliação é interessante para os tucanos de São Bernardo, não custa lembrar, entretanto, que o ativo representado por Lula da Silva na Capital Econômica do Grande ABC é muito maior que o ativo do governador João Doria, sem intimidade regional.

Perda da Ford 

A manutenção da Ford ou mesmo a substituição da planta da multinacional em São Bernardo poderia ter dado um empurrão em direção a uma aproximação do governador com o eleitorado local, mas, como se sabe, a tentativa deu com os burros nágua.

O apelo representado pelo emprego de dois mil trabalhadores e a ressonância econômica na cadeia de fornecedores teriam alterado a percepção do interesse do governador do Estado pelo destino de São Bernardo. Em São Caetano, com a engenharia de benefícios à General Motors, João Doria ajudou tremendamente o prefeito José Auricchio. Até porque, as consequências seriam ainda mais danosas.

Ainda avançando mais nesse jogo de equilíbrios e desequilíbrios eleitorais em São Bernardo, vale a pena ressaltar, portanto, que o potencial de ativo de Lula da Silva é muito maior a favor de Luiz Marinho do que de João Doria a favor de Orlando Morando.

O outro lado da moeda eleitoral é que um terço do eleitorado geralmente está solto no mercado de votos que pende para a direita ou para a esquerda de acordo com série de incrementos e por que não, também, de excrementos.

E nesse ponto, esse terço é favorável em nível superior a Orlando Morando como o foi a Jair Bolsonaro na mesma São Bernardo diante de Fernando Haddad. Só que a diferença diminuiu porque estar presidente provoca desgastes, mesmo quando há relativa recuperação da economia.  

O maior drama eleitoral do PT em São Bernardo é mais ou menos o que se passa no restante do País: sem reconhecer os crimes cometidos, os eleitores que navegam conforme a onda dos extremos cada vez mais potencializados não se deixarão seduzir.

Comportamento de Lula 

A postura de Lula da Silva logo após a liberdade recente, num discurso inflamando no Sindicato dos Metalúrgicos, foi um tiro no pé eleitoral. Agora parece que o ex-presidente está seguindo conselhos dos mais moderados à esquerda. Não será fácil a travessia de eventual segundo turno que obrigaria o PT de Luiz Marinho a saltar de mais ou menos 30% dos votos válidos para pelo menos 50% mais um.

Isso mesmo, mais ou menos 30% dos votos válidos ao final do primeiro turno. Um pouco menos que isso (25%) Luiz Marinho obteve na mesma São Bernardo no primeiro turno das eleições ao governo do Estado, concorrendo com pesos pesados como João Doria, Márcio França e Paulo Skaf. No ano passado, portanto, os estragos da Lava Jato que atingiram o PT numa primeira escala de denúncias, já haviam passado pela democratização da roubalheira.

Uma pergunta-chave que os pesquisadores poderiam colocar à prova: no ranking de corrupção nacional, como se posicionam os principais partidos?  Seria o PT o Flamengo de Jorge Jesus (o melhor time deste século no futebol brasileiro) ou todos são japoneses?

Uma questão como essa em São Bernardo, sobretudo em São Bernardo, clarearia o horizonte eleitoral. Quem topa?



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