Quem negar é porque tem interesse escuso, enxerga quase nada de política, virou doente partidário, não abre mão do puxa-saquismo ou precisa se internar urgentemente para cuidar da cabeça mal-ajambrada: a confirmação da candidatura Ailton Lima-Aidan Ravin à Prefeitura de Santo André tirou de vez o sossego (se ainda existia) do prefeito Paulinho Serra. A maldição da não-reeleição ganha face escancaradamente ameaçadora ao tucano.
Todas as alternativas acima, de interesse escuso à cabeça mal-ajambrada, não são excludentes. São potencialmente convergentes.
Não foi à toa e ainda não se dará ainda por vencido o prefeito Paulinho Serra em articulações que pretendem inviabilizar a dupla Ai-Ai. O titular do Paço de Santo André sabe que as dores do pleito já estão no mercado de votos. Nada mais natural que ocupante de cargo público defenda a cidadela. Faz parte do jogo tanto quanto os adversários saírem em busca de alternativas para quebrar as pernas de uma tentativa de assegurar a todo custo a manutenção no poder.
Votos não-redundantes
Os entornos de Ailton Lima e de Aidan Ravin levaram em conta a soma dos votos nas últimas eleições proporcionais, ano passado, entre outros fatores para a tomada do Paço Municipal.
Estão tão dedicados à tarefa que resistiram às pressões do Paço Municipal. Mais que isso: em tempos de mídia democrática (e muitas vezes guerrilheira, quando não bandalheira), Ailton e Aidan viraram um único projeto e já contam com mote que atingiria no peito a candidatura de Paulinho Serra. Quem acha que slogan não ajuda a ganhar votos entende nadinha de política. Num encaixe da mensagem em forma de síntese, o eleitorado captura a subjetividade e a transforma em ordem-unida.
Esses mesmos entornos de Ailton Lima e Aidan Ravin que levam em conta os votos amealhados nas eleições proporcionais não estão equivocados quanto à relativização dos resultados do ano passado.
Os eleitores que não os consagraram nas urnas em número suficiente à vitória correm em raias diferentes. Mesmo em raias diferentes que supostamente os dividiria a dupla se beneficiaria agora dada a flexibilidade do mundo político. Na política, as raias se juntam no fim da pista. Na política, nem sempre divisão é divisão de fato.
Na corrida eleitoral características individuais e interesses em comum podem ganhar musculatura única e retroalimentadora. A endorfina em busca de votos regenera o tecido político-partidário e energiza a disposição de superar obstáculos. Política é um santo remédio contra depressão. Pelo menos enquanto houver esperança de vitória. Depois são outros quinhentos.
Somando votos
É claro que por concorrerem a cadeiras diferentes no ano passado (Ailton Lima a deputado federal e Aidan Ravin a deputado estadual), determinada parcela de votos se sobrepôs. Entretanto, isso não significa necessariamente que o eleitorado de um e de outro seja inflexivelmente unitário, ou seja, que a parceria estabelecida representa eleitorado de soma zero.
Quem conhece as tipologias políticas dos dois concorrentes que se juntam sabe que os fatores que os levarão a um ganho potencial de densidade eleitoral são muito maiores que os possíveis ativos supostamente redundantes.
Ailton Lima concentra votação considerada forte no campo evangélico e também entre pequenos empreendedores, como ele, enquanto Aidan Ravin espraia vocação a colecionar sufrágios sobretudo na periferia. Contam-se em alguns milhares famílias que têm um Aidan como filho retirado do ventre pelo médico obstetra.
Bruno Daniel na corrida
A dupla AiAi é o calcanhar de Aquiles do prefeito Paulinho Serra, embora o fantasma de Celso Daniel também o tire do sério. Haja vista que ainda outro dia apagou-se o nome do Estádio Municipal após período de reformas. Houve chiadeira do professor Ricardo Alvarez, mentor da candidatura de Bruno Daniel Filho, e se repôs o batismo.
Não custa lembrar, também, que eleições proporcionais são uma coisa, eleições majoritárias são outras. A quantificação dos votos de Ailton Lima no ano passado (40.672) tanto como de Aidan Ravin (21.511) precisa ser relativizada. O contexto eleitoral assim o recomenda.
Tanto um quanto outro (assim como todos os demais candidatos da região que pretenderam ocupar vaga em Brasília ou na Assembleia Legislativa) sofreram os efeitos da explosão das redes sociais. Principalmente do aplicativo Whatsapp, que consagrou candidatos de maior visibilidade estadual na esteira das mensagens do então presidenciável Jair Bolsonaro.
Quem recorrer à lista dos candidatos mais votados à Assembleia Legislativa e à Câmara Federal poderá constatar o quanto de candidatos chamados forasteiros, ou seja, sem nenhuma relação com o Grande ABC, explodiu em votos nos sete municípios.
A invasão do Whatsapp foi generalizada. Os candidatos locais não se aparelharam para o combate digital. Poucos contaram com aparato tecnológico para desfrutar facilidades do aplicativo. Foram soterrados pelas estrelas estaduais. Eduardo Bolsonaro, Joice Hasselman, Janaina Paschoal e Arthur Mamãe Falei absorveram muitos votos regionais.
Forasteiros tecnológicos
Em Santo André, por exemplo, Ailton Lima foi o mais votado a deputado federal (25.610 votos) entre os concorrentes locais, mas ficou atrás de Eduardo Bolsonaro (34.678) e Joice Hasselman (26.152). Quantos eleitores dos dois forasteiros seriam eleitores de Ailton Lima? Provavelmente muitos. São de espectros socioeleitorais não excludentes.
Em São Bernardo, na corrida estadual, mesmo com o apoio do marido Orlando Morando, prefeito de plantão, Carla Morando sofreu o diabo para somar 46.908 votos, acossada que foi por Janaina Paschoal (44.102). Quantos votos de Janaina seriam de Orlando Morando e quantos de Luiz Marinho?
Embora do ponto de vista municipal e também regional os resultados eleitorais das disputas proporcionais no ano passado não possam ser automaticamente catapultados a análises que tenham outubro deste ano como centro de objetividade, há uma condição a ser devidamente valorizada.
Trata-se do esmiuçamento do viés ideológico dos candidatos tanto proporcionais quanto majoritários. E mesmo assim com ressalvas, muitas ressalvas.
Efemeridade e congelamento
Doze meses são uma efemeridade na política. Ainda mais nestes tempos bravios. Mas também não se descarta a probabilidade de 12 meses representarem o congelamento do tempo. Ou seja: nada do que se consolidou nas urnas passaria por modificações significativas.
Querem um exemplo claríssimo? Doze meses atrás não havia um cidadão em Santo André que colocasse Paulinho Serra fora da reeleição, principalmente porque não constava da lista de ninguém algo que pudesse ser chamado de representante da oposição com força suficiente nas urnas. Hoje quem achar que continua atualizado com os olhos no passado estaria flertando com a imbecilidade. Não necessariamente porque Paulinho Serra não é tudo aquilo (ou nada daquilo) que se propagam nos meios de comunicação e nas redes sociais). Nada disso.
Janela de mudanças
O tempo passou na janela de eleitorado de Santo André em forma de composições opositoras, não como a Januária de Chico Buarte. Ailton Lima-Aidan Ravin parece a mais sólida, claro. A janela do tempo eleitoral em Santo André tem vida distinta da janela de Januária de Chico Buarque.
Entretanto, não se pode esquecer que a esquerda está unida mesmo quando supostamente individualizada pelo regime eleitoral que proíbe coligações. A esquerda está pronta para cerrar fileiras em torno de um Bruno Daniel que carrega no peito o espólio do irmão Celso Daniel. Esse vínculo, se massificado, pode moldar uma terceira via eleitoral.
A ordem unida entre os opositores de Paulinho Serra é jogar o primeiro turno respeitando as regras da individualidade concorrencial e, num segundo, juntar as peças do tabuleiro contra o tucano. A incerteza que prevalece à maioria está em visualizar o nome de quem vai ser o adversário de Paulinho Serra no segundo turno. Isso torna os concorrentes mais aguerridos e mobilizados. Um ano atrás a situação era diversa. Prevalecia a inércia.
Congelamento em São Bernardo
Como contraponto à volubilidade ou não do tempo na política, São Bernardo é caso específico de congelamento de conjecturas. O prefeito Orlando Morando e o petista Luiz Marinho são adversários mais óbvios em mais de uma década e não seria diferente agora.
Eles têm exércitos estacionados em questões ideológicas mais enraizadas num Município que é berço do petismo e do sindicalismo siamês da CUT. A briga vai muito além da gestão pública no sentido estrito. É amplificada por fatores pouco comuns nos municípios brasileiros.
Em São Bernardo o tempo está congelado há muito. Um Alex Manente menos esquerdista que Marinho e menos direitista que Orlando Morando não tem viabilidade eleitoral. Até que algum fenômeno ocorra.
Retomando o caso de Santo André, o aquecimento das turbinas eleitorais a partir do anúncio oficial da dupla Ailton Lima-Aidan Ravin é uma ducha de banho frio na representação instalada no Paço Municipal.
Uma eleição de favas contadas já foi para o brejo. O jogo será jogado e como todo jogo jogado, vislumbram-se complicações para quem, de imediato, tem de dissuadir correligionários do trauma da não-reeleição. Esse jogo vai longe e, ao que parece, vai tomar o lugar ou pelo menos dividir o espaço de análises com a disputa em São Bernardo. Um ano atrás quem escrevesse algo semelhante seria chamado de lunático. O mundo gira e a Lusitana roda.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)