A cruzada contra o repasse desequilibradamente injusto do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sempre voltava às páginas da LivreMercado que comandei durante 19 anos. Na edição de janeiro de 2005 destaquei a jornalista Vera Guazzelli para mais uma estocada. Uma entrevista com o professor de Economia e pesquisador do Nesur (Núcleo de Estudos Sociais e Urbanos) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Gustavo Zimmermann, foi tão profilaticamente contundente que não resisti: para emparelhar o título ao texto, optei por “Modelo de ICMS é caso de polícia”. Acho que não exagerei.
Até porque, constava do próprio texto de Vera Guazzelli uma frase do entrevistado: “O repasse de ICMS é caso de polícia”. O estudioso da Unicamp propôs a unificação das alíquotas do ISS (Imposto Sobre Serviços) por setor, além de pesos diferenciados para o Valor Adicionado, de acordo com a atividade econômica. “Os 24% do imposto não relacionados ao Valor Adicionado mitigam a tremenda concentração de recursos do tributo, já que o critério do VA faz com que algumas cidades recebam 14 ou 15 vezes per capita mais do que outras” — disse Zimmermann, referindo-se à grade de repasse de ICMS que reserva o peso de 76% da parte que cabe aos municípios à incidência do Valor Adicionado.
Também o critério puro de população como medida para corrigir a rota do ICMS repassado pelo Estado, já alertava o especialista, não teria vez, porque, garantia, os recursos financeiros não seriam suficientes para dar conta da demanda orçamentária. “As cidades médias talvez ganhassem com a modificação”.
Recordo que cheguei a consultar um tributarista de Santo André, Ari Silveira, sócio de um dos maiores escritórios da região. Por conta da curiosidade natural de quem também se empolgava com o assunto, já que mantínhamos parceria fértil, Ari Silveira chegou a preparar projeções levando em conta pesos diferenciados, principalmente para os critérios de Valor Adicionado, População e Receitas Tributárias Próprias.
Não chegou a ser uma concertação frenética em busca do pó de pirlimpimpin que oferecesse resposta que pudesse ser encaminhada a autoridades legislativas. Tratava-se de simulações para matar a curiosidade sobre a possibilidade preliminar de chegar-se próximo de uma equivalência de repasse entre os municípios, sempre tendo em vista o critério per capita. Nenhuma das variáveis chegou a empolgar. Havia, segundo me dizia Ari Silveira, um descompasso crônico de valores monetários quando se reduzia o peso de Valor Adicionado em favor de População e também de Tributos Próprios.
Não chegamos a jogar todas as fichas na proposta, lembro-me bem disso. Principalmente ele, o tributarista em questão, não se jogou de vez nas numeralhadas que definem os valores. Nem lhe foi solicitado algo que fosse tão profundo. Fiz apenas uma sugestão sem compromisso. Provavelmente se os legisladores resolverem levar a sério a proposta, Ari Silveira e sua equipe dariam conta do recado.
Por conta das dificuldades iniciais e por não pretender esticar demais a investigação numérica, preferi caminho diverso ao dar prioridade ao conceito de razoabilidade de repasse, substituindo assim uma fórmula matemática definitiva para conciliar interesses de representantes dos 645 municípios paulistas. Sugeri a partir de então que uma parcela percentual do ICMS destinado aos municípios (não me lembro exatamente quanto, mas seriam perto de 10%) fosse reservada como fundo para aplicação nas áreas mais densamente ocupadas. Para amenizar o impacto político da medida, e também os efeitos econômicos e financeiros, o fundo em questão poderia ser capitalizado a partir de uma base mínima de 3% do montante transferível aos municípios, completando-se os 7% seguintes nos três anos subsequentes.
Voltando à entrevista de Vera Guazzelli, Gustavo Zimmermann sugeria pesos diferenciados de Valor Adicionado de acordo com as atividades econômicas. “Um peso para a indústria, outro para agricultura, outro para comércio e serviços e assim sucessivamente” — disse. E explicou: “Dessa forma, cidades como Paulínia, que abrigam empreendimentos de alto valor agregado, não levariam tanta vantagem”.
Gustavo Zimmermann não economizou projeções e propostas para o enquadramento do ICMS em bases menos distorcidas. Tanto que, na mesma entrevista, sugeriu que o Valor Adicionado não deveria ser necessariamente computado no local de produção: “Por quê, então, não computar uma parte nos locais de consumo? Isso ajudaria a acabar com o conceito de municípios-dormitórios, porque seus moradores também consomem. O estímulo ao consumo local aumenta também os empregos, já que comércio e serviços são grandes empregadores” — disse.
A aplicabilidade das propostas de Zimmermann, reconhecia o próprio Zimmermann, não seria tarefa fácil, como está provado pela demoradíssima Reforma Tributária: “Infelizmente não temos tradição regional, nem prática política regional, nem prática jurídica regional, porque as medidas poderiam ser apresentadas também pelos representantes de uma região metropolitana ou de qualquer conglomerado urbano. Basta os deputados desenvolverem projetos para esse grupo de cidades. Acredito que dentro das condições atuais de uma legislação que não prevê governos regionais, o consorciamento seja a saída mais rápida. Não é o ideal, mas o possível dentro das condições brasileiras. Por isso, se houvesse essa consciência, o Grande ABC e a Baixada Santista poderiam sair na frente porque já têm experiência nesse sentido” — alertava o acadêmico há quatro anos.
Nenhuma instância do Grande ABC, prefeituras, Clube dos Prefeitos, Câmara Regional (já morta), Fórum da Cidadania (semimorto) jamais levou adiante qualquer iniciativa que ao menos resvalasse na tentativa de corrigir a distorção do repasse do ICMS.
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