Ao chamar tangencialmente nesta semana atenção ao volume de votos sem dono e, portanto, disponíveis nas eleições à Prefeitura de São Bernardo tendo o presidente Jair Bolsonaro como peça importante de alinhamento ideológico, mencionei uma marca política já bastante conhecida e outras três, até prova em contrário de minha louca intervenção.
Volto ao assunto a pedidos para explicar o significado das quatro dimensões do governo federal arrebatado há pouco mais de um ano por um parlamentar pouco conhecido que, entre outros fatores, contou com a força avassaladora das redes sociais, notadamente do aplicativo Whatsapp, turbinado por uma facada tão covarde quanto providencial. Covarde no sentido humanístico. Providencial no sentido prático de placar eleitoral mais que traumatizado favorável à vítima.
Embora São Bernardo seja o palco principal do vazio aos eleitores de Jair Bolsonaro nas múltiplas plataformas sociais em que se divide, também outros municípios da região precisam levar em consideração esse fenômeno de direta que, goste ou não a esquerda, veio para ficar. E isso é muito bom para o jogo democrático. Não existe democracia sem contrapontos ou, pior ainda, quando os contrapontos são exercícios para inglês ver. Estão aí como provas antecessores e consensos sustentados por milionários esquemas de corrupção até então com proteção multilaterais.
Volto ao contexto em que utilizei as três marcas políticas desdobradas da principal (Bolsonarismo) porque assim será mais fácil a compreensão dos leitores.
Disse anteontem em texto desta revista digital que o prefeito Orlando Morando terá dificuldades em sensibilizar o eleitorado engajado na atuação do presidente Jair Bolsonaro e suas variáveis práticas porque o tucano João Doria saiu do centro do palco da vitória do BolsoDoria para um canto do ringue em que atinge seguidamente o presidente da República.
Por sua vez, o petista Luiz Marinho não terá nos seguidores de Jair Bolsonaro a menor complacência eleitoral. Se há antagonismo aparentemente irrefreável na política nacional, petistas e bolsonaristas estão na linha de frente. São inimigos declarados.
Repararam, portanto, que os votos de eleitores do presidente Jair Bolsonaro estarão ocupando vazio imenso, até porque o possível terceiro concorrente à Prefeitura, deputado federal Alex Manente, é espécie de Ciro Gomes de São Bernardo, sem as características verborrágicas, claro, e não se preparou para herdar esse volume vazante?
Agora, voltamos ao que interessa diretamente. Numa breve abordagem, vou tentar explicar os quatro polos comportamentais em que se divide o governo Bolsonaro.
Bolsonarismo.
Bolsoguedismo.
Bolsomorismo.
Bolsoguerismo.
É claro que os leitores mais politizados já mataram a charada genético-social de cada uma dessas identidades. Encontrar os ministros Paulo Guedes e Sérgio Moro na segunda e também na terceira modalidade, além de uma mistura de ambos na quarta, é menos fácil apenas do que as facilidades expostas pelo simples mencionar do Bolsonarismo presidencial.
Os oposicionistas, sobretudo os guerrilheiros da esquerda que ousam santificar Lula da Silva, ainda não se deram conta ou parece não se darem conta de que não existe apenas uma face do eleitor de Jair Bolsonaro. Eles caem na enrascada de esculpirem o Bolsonarismo com matéria-prima reversa automática do Lulismo. Se o fazem por desconhecimento ou preferem a unicidade do governo Bolsonaro por estratégia desclassificatória não interessa. Lulismo e Bolsonarismo não são filhos do mesmo ventre político-eleitoral. O Lulismo é feito de material genético concentrado. O Bolsonarismo é uma simbiose social que coloca em xeque o centro político convencional.
Em certa medida, como vou procurar mostrar em seguida, Jair Bolsonaro tem menos eleitores diretos do que imaginam, mas a composição aderente da centro-direita e também de centro, que lhe garante flexibilidade popular, é um ponto a ser considerado como essencial à interpretação dos fatos e, sobretudo, das perspectivas eleitorais no futuro.
Bolsonarismo combatido
Bolsonarismo é uma marca estigmatizada por eleitores que não suportam a quebra ou, mais que isso, a afronta a determinados padrões de comportamento social e institucional. O conservadorismo em costumes e o radicalismo no campo da Segurança Pública, entre outros pontos, opõem-se ao que os supostamente mais civilizados esperam. Expressões como bandido bom e bandido morto fazem a alegria dos bolsonaristas. E leva os esquerdismos à abominação. Também no meio-ambiente o Bolsonarismo é visto com alarmismo não sem porções de razões, porque há uma nebulosidade gerencial que estimula os defensores de um mundo menos selvagem na relação com a natureza.
Bolsoguedismo reformista
Bolsoguedismo é o governo de Jair Bolsonaro no campo econômico. É o liberalismo em estado bruto. É a premissa de que o Estado guloso e devorador de recursos está muito aquém das demandas da sociedade, de quem se serve à exaustão e lhe entrega tão pouco em serviços básicos de cidadania. Bolsoguedismo é o Estado sujeito a dietas rigorosas, à privatização, às concessões. E a reforma levada ao extremo para colocar em ordem não só as finanças do Estado como a quebra da cadeia de negócios que privilegiam setores mais organizados e menos competitivos. Gente que tem todo o interesse em sugar os recursos públicos. O Bolsoguedismo não tem relação necessariamente próxima com o Bolsonarismo. São peças com potenciais distintos de um mesmo tabuleiro. Contam com as mesmas cores, movimentadas de acordo com interesse do todo do governo Jair Bolsonaro, mas não são peças siamesas. Bolsoguedismo e Bolsonarismo são potencialmente antípodas. O que os une é a ideia central do governo. Um Bolsoguedista não é automaticamente Bolsonarista, ou o é com ressalvas. Mesmo com a frase infeliz da empregada doméstica na Disney, Paulo Guedes e Jair Bolsonaro se distanciam efetivamente de pendor comportamental em comum.
Bolsomorismo moralizador
Bolsomorismo é o governo de Jair Bolsonaro entregue ao homem público mais prestigiado pela sociedade. O ex-juiz Sérgio Moro é no imaginário popular a estrela maior da companhia. A Operação Lava Jato, que desmontou a maior roubalheira já detectada na máquina pública federal, com filhotes que se espalham a unidades da Federação, simboliza a sede de justiça que tanto incomoda os prevaricadores, também conhecidos como bandidos sociais. Sérgio Moro é o prestígio em formato contínuo e por isso mesmo incomoda os opositores e dá ao governo de Jair Bolsonaro um atestado de moralidade pública cujos antecessores jamais obtiveram, quando não o negaram ou o vilipendiaram – como mostram os resultados da Lava Jato. Separar o Bolsomorismo do Bolsomorismo também é uma equação fácil, porque, como o Bolsoguedismo, o Bolsomorismo conta com mais estofo de credibilidade, responsabilidade, convergência ética e tudo o mais.
Juntando as peças
Bolsoguerismo é o governo Bolsonaro dotado ao mesmo tempo do tempero de liberalismo econômico de Paulo Guedes e da intolerância com a corrupção de Sérgio Moro. Boa parte do eleitorado ao centro e à direita do espectro político nada nas águas límpidas dessa dupla de impacto extraordinário para quem pretende ver um Brasil diferente de tudo que a chamada Nova República, a partir da redemocratização de araque, revelou a fórceps dos federais madrugadores. O Bolsoguerismo tomou da direita tradicionalmente vacilante, quando não pusilânime, um espaço que Bolsonaro, de carona, nada de braçadas. Mesmo com todos os excessos do Bolsonarismo confrontador.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)