Administração Pública

Vem aí um período difícil para
prefeitos. O que oposição fará?

DANIEL LIMA - 30/03/2020

O mundo novo que vai surgir pós-Coronavírus exigirá dos prefeitos do Grande ABC (como de resto em regiões supostamente mais politizadas) o que antecessores jamais praticaram à luz do sol, porque os tempos eram de paz, não de guerra.

O aperto virá para todos e o Poder Público Municipal não escapará de cobranças. Transparência e responsabilidade vão ser peças indissociáveis do cardápio de uma cidadania que haverá de aflorar pela dor, já que não aparecera pelo amor. Os candidatos de oposição de eleições marcadas para outubro, mas que podem ser adiadas têm sim oportunidade de ouro para exercerem atuação sintonizada com os anseios da sociedade.

Numa breve nota no aplicativo Whatsapp que utilizo para interações com leitores de CapitalSocial, interpus a observação de que em média deverá superar a 20% o buraco orçamentário nesta temporada das prefeituras.

Fiz a abordagem por conta de uma manchetíssima do Diário do Grande ABC exatamente sobre esse montante. Ao ler a matéria do Diário do Grande ABC, observei que apenas São Bernardo cedera ao tombo sugerido. Outros municípios pensam que vão superar com facilidades as tormentas que chegarão a partir do próximo mês.

Secretários reunidos?

Em outra postagem no Whatsapp sugeri que o ficcional Clube dos Prefeitos poderia reunir a cada determinado tempo os secretários de finanças dos sete municípios para o que chamaria de prestação de contas. Duvido que os prefeitos os autorizem. Nenhum deles abre mão de muitíssima dose de estrelismo.

Diferentemente do governo federal e, agora na crise do vírus no âmbito do governo estadual, os chefes de Executivos municipais não abrem mão do monopólio quase tácito das declarações. Se algum leitor mais ou menos atento souber o nome de três secretários de cada Prefeitura da região deve merecer um prêmio. E ganhará na loteria em dia de grande prêmio se um deles, um apenas, tiver presença sistemática na imprensa.

Encontros semanais ou quinzenas com agentes da sociedade produtiva e com a mídia em geral são indispensáveis para se alcançar a cada rodada o entendimento do pós-vírus ou mais precisamente dos efeitos durante e depois do vírus, já que os especialistas asseguram que essa loucura vai longe, pelo menos até setembro.

Não tenho coragem de fazer afirmações sem sustentações que minimizem a subjetividade a ponto de não incorrer em risco demais. Minha vida inteira passei debruçado em números e estudos para garantir o que sempre garanti, entre outras façanhas (para os descuidados) a cantada de bola da desindustrialização. Escrever sobre desindustrialização de uns tempos para cá é fácil. Queria ver 30 anos atrás, quando pretenderam me incendiar.

Prestação de contas

Agora a situação é dramática, volátil e imprecisa a análises que tenham a responsabilidade como argamassa. Por isso mesmo, não fujo da lógica: as prefeituras vão perder muito dinheiro de arrecadação e precisam se virar para recompor a gestão. Algo que se vai prolongar por muito tempo, casos do governo federal e do governo estadual.

Uma deliberação salutar que transmitiria à sociedade algo que jamais qualquer prefeito da região ousou realizar é mesmo trafegar pela prestação de contas detalhada a cada determinada número de dias. Tudo precisa ser levado à sociedade. Desde os dinheiros de impostos municipais a repasses estaduais e federais. Mais que isso: os valores precisam e devem ser confrontados com os respectivos períodos do ano passado. Essa confrontação dará com certa precisão o tamanho do rombo.

Da teoria vamos à prática. Imaginem os leitores que o encontro inaugural dos secretários de finanças para prestarem conta à sociedade seja marcado para a primeira semana de maio. Eles poderão ter às mãos o comportamento arrecadatório com base nos primeiros quatro meses do ano e também o período já contaminado pelo vírus.

Espinha dorsal

Ninguém melhor que os próprios secretários para criarem a espinha dorsal de receitas fiscais municipais, estaduais e federais e a apresentarem à sociedade. Talvez pudessem realizar reuniões preliminares com especialistas em finanças públicas e aperfeiçoarem o modelo. As entidades de classe empresarial da região poderiam sugerir nomes. Quando a primeira semana de maio chegasse, tudo estaria mais ou menos formatado.

Desconfio de que nada disso se efetivará. Não há entre os titulares das prefeituras da região alguém com disposição de enfrentar os novos tempos. Imagine então se vão convencer seus pares sobre a importância de contarem com curadoria de legitimidade social dos representantes dos contribuintes.

Sei que é sempre arriscado prever situações cujos ingredientes fujam do controle de informações e dados. Em situação normal de tempo e temperatura, como até outro dia em que o vírus estava longe de se tornar tormento, havia arsenal bastante consistente de ter os números municipais como cães adestrados, embora os detentores de cargos públicos preferissem o jogo de esconde-esconde. Agora que o buraco é muito mais em baixo, com macroindicadores e microindicadores numa anarquia gerada por fatores incontroláveis, o risco é enorme.

Entretanto, o PIB Municipal do Grande ABC e o PIB Regional propriamente dito vão desabar. Especialistas já se adiantaram sobre o dilúvio impactará a indústria de transformação. Esse é o terreno pantanoso que parametriza o Desenvolvimento Econômico regional. 

Desabamento industrial

Se a previsão é de queda de 5% no Brasil como um todo, cuja média de participação do setor industrial é de 11% no PIB Nacional, imagine então o que será do Grande ABC onde a participação relativa do PIB Industrial é de 22%.

Não é preciso esticar a conversa sobre o grau de risco do Grande ABC, movido a indústria automotiva, sobretudo São Bernardo e Diadema, capital e extensão da atividade. São Caetano, que projeta queda de arrecadação inferior a 10%, embora dependa em pelo menos 30% da General Motors, está correndo o risco de ser acusada de subestimar a debacle.

De qualquer forma, fosse prefeito de qualquer cidade do Grande ABC, colocaria as barbas de molho. E iniciaria plano de contingência e de corte de despesas que deve se associar à redução da carga tributária local, sobretudo nos quesitos que mais afetam a população. Um dos quais, sem dúvida, o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) massacrantemente elevado na última década, depois de subestimado durante todo o período que antecedeu a chegada do Plano Real, em 1994.

Confesso que meço cada linha desde que o Coronavírus despertou a todo mundo em todos os campos de atividades. Não dá para produzir um parágrafo sequer sem estar de olho nessa catástrofe mundial. Previsões precisam ser cuidadosamente formuladas. Mas parece não haver dúvida alguma de que a gestão pública não ficará livre de novas relações com a sociedade, até porque a sociedade sofrerá muito para voltar ao patamar econômico construído ao longo de décadas. Sobretudo as camadas que não contam com poupança financeira suficiente para atenuar os danos.

Situação e oposição

Espero que os prefeitos que tanto desfizeram do Clube dos Prefeitos e se consagraram como o grupo mais improdutivo dessa ficção institucional finalmente se deem conta de que o destino colocou a todos uma oportunidade de ouro para uma encetada histórica.

Coloquem os secretários de finanças como interlocutores técnicos para interagirem com a sociedade. Talvez seja melhor que ajam voluntariamente, porque há indicadores que poderiam colocar os cofres públicos em estado de falência ante a marcha do vírus destruidor do futuro.

E que os candidatos de oposição tratem de não procurar pelo em ovo e sejam pragmáticos e responsáveis: cobrem com base nos dados que vão emergir medidas efetivas dos atuais titulares dos Paços. Eles não devem e não podem agir sozinhos. Como têm agido ao longo dos tempos. Tempos que paz.



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