Política

Vírus põe fim à série de como
conquistar uma Prefeitura

DANIEL LIMA - 08/04/2020

Estou jogando a toalha da sensatez porque o vírus chinês, muito mais convincente que qualquer eventual opositor de ideias, assim o determinou no ringue do bom senso. Lembram-se os leitores que preparei uma relação com 13 pontos essenciais para conquistar uma Prefeitura do Grande ABC nas eleições de outubro próximo? Esqueçam. Esqueçam mesmo. Ainda tenho o juízo no lugar. O mundo político, como todo mundo, pode virar do avesso. E que avesso seria esse?  

Do jeito que vai pode ser o avesso do avesso de muitos avessos. O futuro é uma grande incógnita na política, nas finanças, no comportamento e, sobretudo na possibilidade de não haver futuro para muita gente. Não é exatamente isso que os especialistas dizem?

Depois de três quesitos analisados e restando outros 10 para atingir o todo de um conjunto de conceitos transversais, não só estou anunciando que desisti como também sugiro que esqueçam temporariamente (ou quem sabe para sempre) o que escrevi nos três capítulos iniciais.

Um outro mundo

O mundo politico mudou, ou pelo menos insinua que vai mudar. A sociedade está mudando, ou direciona-se decididamente a mudanças. Nem as eleições municipais estão garantidas em outubro. Como sustentá-las numa atmosfera de insolvências, numa rede de senões?

Para refrescar a memória dos leitores, reproduzo na sequência os 13 quesitos que preparei para desvendar até outubro e cujo objetivo era traçar o melhor caminho para se chegar ou se manter em cada Paço Municipal da região.

A empreitada começou na edição de 15 de janeiro último, quando apresentei as linhas conceituais gerais da proposta.

1. Agenda Local.

2. Agenda Regional.

3. Imprensa.

4. Programa Eleitoral.

5. Política Estadual.

6. Policia Nacional.

7. Economia Regional.

8. Economia Nacional.

9. Redes Sociais.

10. Mobilidade Urbana.

11. Memória Eleitoral.

12. Ambiente Metropolitano.

13. Pesquisas Eleitorais. 

Já tratei da Agenda Local, da Agenda Regional e da Imprensa. A próxima expedição especulativa (no bom sentido) pegaria pelo chifre do detalhamento os programas eleitorais regiamente pagos pelos contribuintes, embora a semântica sugira que sejam gratuitos.

Amigo urso?

Entretanto, quando dei uma reparada no que me espera e produzi um contraplano com o quadro econômico, social e politico destes dias, e das perspectivas menos assombrosas que podem virar realidade, o mínimo que poderia fazer mesmo seria desistir.

Aliás, desisti também porque fui chamado a atenção por um velho amigo que, numa conversa informal por telefone (afinal, ninguém é louco de se aproximar demais), ele acionou a chave de ignição da sensatez. Disse ele mais ou menos o que expliquei acima. Ele está certíssimo, mesmo sem ter se referido diretamente à série em questão. Ontem mesmo, depois da decisão tomada, passei uma mensagem a ele, com ares de sarcasmo. Chamei-o de “desmancha prazer”. Ele respondeu com a ironia fina de sempre, enviando-se uma figurinha sorridente. Aliás, uma figurinha que parece autorretrato.

Qual será o ambiente?

Querem um exemplo de que seguir com as análises seria um tiro no escuro? Façamos de conta que desse continuidade à série e escrevesse sobre o quarto quesito, no caso o Programa Eleitoral.

O capítulo se refere sobremodo ao uso da televisão para catequisar eleitores. A televisão eleitoral explicita estratégias dos partidos. Tanto pode consagrar quanto derrubar concorrentes. Veja o caso de Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin nas últimas eleições presidenciais. Eles estavam presos a velharias que já não tinham nada a ver com demandas da sociedade e não se deram conta de que o trem bala de novas propostas os arrasaria. No caso, um tal capitão do Exército era o trem bala.

Que ambiente teríamos nos próximos meses para ouvir ladainha de candidatos enquanto o quadro de saúde nacional possivelmente estará em estado de alerta, após o terremoto de intensidade ainda não sabida? Isso na melhor das hipóteses. Os supostos catastrofistas já falam numa segunda onda do Coronavírus, da qual não se deve duvidar. Não falta especialista a alertar para a projeção de que é inexorável que 80% da população vai se encontrar com o bicho feio, assintomáticos ou não.

E o governador?

Ainda especulando sobre Programa Eleitoral: como estaria a cotação de governadores e prefeitos ao se abrirem as portas da suposta campanha rumo aos paços municipais da região? Sim, continuemos com a especulação. Façamos de conta que desanuviou o ambiente de opressão psicológica do vírus e a vida começa a entrar nos eixos, mas ainda de forma precária.

Será que o governador João Doria estaria tão bem cotado como está hoje, circunstancialmente hoje? Até quando vai durar o senso de oportunidade (no caso também com forte conotação de senso de oportunismo) diante dos resultados de combate ao vírus?

 Será que Doria, principal puxador de votos dos tucanos, vai sustentar sem desmascaramento o papel de mocinho com o dinheiro federal ou uma cadeia de inadimplência tornaria também os cofres do Estado estocado dilmisticamente de vento?

Sim, impostos estaduais, especialmente o ICMS, desabariam segundo as previsões. Menos dinheiro, menos investimentos, probabilidade de complicações com o fluxo de caixa com fornecedores e assalariados.

Furacão virótico

Há um multiplicatório de complexidades no campo administrativo nas três esferas de governo que está muito além da imaginação dos protagonistas das prefeituras da região.

Será que a previsão orçamentária desta temporada das administrações municipais escaparia ilesa da quebradeira que se projeta?  IPTU e ISS vão virar tormentos. Empreendedores e moradores vão preferir direcionar recursos financeiros a prioridades que não incluem impostos. A reconfiguração dos ativos, que sofrerão duras baixas de valor, será recomposta com a incidência para baixo das alíquotas? Os prefeitos vão ter sensibilidade para encaminhar à sociedade um novo padrão de gulodice pública?

Como imaginar o quesito Programa Eleitoral no melhor dos mundos, ou seja, até mesmo sem o Coronavírus como pauta obrigatória, se os efeitos colaterais da pandemia vão grudar nos gestores públicos como tatuagens?

Podem me chamar do que quiserem, mas antes de me julgarem um maluco de pedra entendam que só estou a escrever sobre o futuro porque assim os chamados especialistas me conduziram. Tudo bem, está certo que sempre mirei o horizonte como fonte de inspiração. A diferença é que antes do furacão virótico o futuro era previsível no campo político-administrativo.  

Sem festinha

Confio nesses caras que dão como certo e compulsório que vamos viver mais algum tempo tormentoso. Mesmo que no fundo desconfie de que estão exagerando na dose, não caio na besteira de vacilar. Estou praticamente isolado há duas semanas e não tenho intenção nenhuma de preparar qualquer festinha.

No máximo faço concessões à minha filha que passou três dias aqui em Salto e me quebrou o galho na cozinha, porque sou tão habilidoso no preparo de pratos quanto equilibrado quando aquele francês que fez do cabo de aço entre duas torres gêmeas uma monumental biografia.

Devo confessar que não gostei dessa traquinagem do destino ao me tirar a possibilidade de completar o circuito de 13 pontos para a chegada a uma Prefeitura. Quando se prepara uma série (os cineastas devem explicar isso muito melhor do que eu), a gente passa a alimentar diariamente uma espécie de ramificações que, ao mesmo tempo em que se cruzam e se comunicam, mantém a identidade temática. Não é uma jornada fácil. Os vasos são comunicantes e por isso mesmo não podem se tornar redundantes, sob pena de desencanto.

Esqueçam mesmo

Acho que estava com a embocadura apropriada para tornar a série uma coleção de ideias e constatações, mas o que posso fazer se o monstro chegou para bagunçar a vida de todo o mundo e meu amigo me fez o favor de lembrar, mesmo que indiretamente, que estava a bobear ao não embrenhar logo pelo caminho da desistência.

Tinha a opção de simplesmente interromper o projeto sem dar satisfação aos eleitores que também são leitores, mas o comentário do amigo ao telefone tornou obrigatória essa incursão.

Então e definitivamente (ou seria provisoriamente?) ficamos assim: façam de conta que não comecei o que já havia começado e que não terminei o que terminaria. Tomara que seja uma decisão provisória, mesmo que o provisório seja temporalmente extenso. Ou será que o mundo mudará tanto nos próximos tempos que não haverá mais nada que possa ser retirado do passado cumulativo de experiência da atividade político-eleitoral que não possa ser retomado?



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