Administração Pública

Devagar com a demanda
porque o Estado é devedor

DANIEL LIMA - 14/04/2020

Minha intenção era contar com outro enunciado de manchetíssima, mas a ditadura da edição não permitiu.  Meu título preferido para esta análise era “Devagar com o andor da demanda porque o santo do Estado é de barro”.  O limite para cada uma das duas linhas do título é de 24 toques, ou seja, o total de caracteres acrescentando-se espaços em branco. Não deu. Mas acho que a mensagem foi entendida.

Escrevo a propósito do que tenho observado como perspectivas das consequências fiscais do vírus chinês. Está mais que na cara que vão tentar esfolar o quanto puderem o Estado, em forma de União. A Lei de Responsabilidade Fiscal, jamais respeitada inclusive com o aval dos tribunais de contas dos Estados, poderá ser ainda mais aviltada. O teto de gastos submergiria ante insanos que confundem emergencial com estrutural.

O Estado em forma de governos estaduais e o Estado em forma de governos municipais, sem contar agentes econômicos diversos, inclusive sindicatos de trabalhadores que procuram um eixo qualquer para saírem das catacumbas da fragilidade, vão sobrecarregar as demandas. A dívida pública ameaça chegar próxima a 100%. Seria uma catástrofe a ser minimizada durante vários anos. Nossa dívida pública não pode ser comparada com a dívida pública do Primeiro Mundo. São coisas diferentes. E perdemos feio.

Paroxismo estatal

O Estado como um todo, nas três esferas, poderá se exaurir ao chegar ao paroxismo de generosidades sem compromissos com responsabilidade e principalmente com reformas há muito procrastinadas. E as consequências serão inimagináveis. Estamos contratando uma recessão econômica sobreposta à recessão decorrente dos estragos sanitários compulsórios. Aí teremos o pior dos mundos. O Estado falimentar se incorporará à livre-iniciativa esfacelada. Estado democrático sem iniciativa privada não existe. A recíproca pode ser verdadeira, mas o sentido é outro.

Duas matérias publicadas no Diário do Grande ABC de hoje, que acesso como refugiado, me chamaram a atenção: os secretários de finanças dos sete municípios da região finalmente decidiram realizar reunião virtual para alguns encaminhamentos. E o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, refundado por Lula da Silva e parceiros, de repente se propõe a contribuir com pequenas empresas industriais.

Tanto num caso quanto no outro acho melhor os leitores, consumidores, eleitores, torcedores e tudo o mais se acautelarem. Quando a esmola de gentilezas é demais até o santo do otimismo desconfia. Tem angu nesse caroço.

No fundo, no fundo, o que se passa em meio às notícias ainda prioritárias sobre a pandemia e seus avanços preocupantes é concepção de que a União pode tudo. Que há mecanismos decisórios a utilizar sem limites para irrigar a economia a ponto de o vírus chinês parecer alegre e descompromissada borboleta no âmbito econômico.

Todo o mundo que tem juízo sabe que não é bem assim. Aliás, não é nada disso. Se as dores não forem compartilhadas e distribuídas o mais próximo possível da equidade entre os entes da Federação e o conjunto da sociedade, teremos futuro de fraturas expostas.

Ambiente favorece caos

Mas o que se pode fazer se a União, soma das federações e dos municípios, passa por percalços políticos e mesmo constitucionais ditados pela turbulência de um presidente da República excessivamente briguento e a Grande Mídia excessivamente raivosa, porque interesseira?

Há um ambiente de conspiração tanto à direita quanto à esquerda. Não existe um mínimo de cautela às consequências econômicas que virão e que só não superarão os destroços da pandemia porque não há dinheiro que compense vidas perdidas diretamente com a doença. Mas muitas vidas serão aniquiladas no rastro dos limites de endividamento sem contrapartidas de mudanças do mesmo Estado que os estúpidos acreditam que tudo pode. 

O noticiário sobre o que pretendem os secretários de finanças do Grande ABC ainda está incompleto. Parece que os executivos públicos ainda não abriram todo o jogo. Erram profundamente porque muito é preciso fazer.

Repartir o prejuízo

Quanto mais acreditarem que os cofres municipais ficarão a salvo de atropelos, porque formulam truques compensatórios que não implicaria em qualquer contrapartida, mais vão cair do cavalo. Sob o risco de a União esfacelar-se. A conta precisa ser dividida, bem calibrada, e preservar o interesse da sociedade. A máquina pública municipal precisa de enxugamento nos quesitos de despesas, incluindo-se gama imensa de apaniguados.

Já os sindicalistas da CUT poderiam incluir nas demandas pretensamente favoráveis às pequenas empresas um conjunto de medidas que adotaram ao longo dos anos de pressão nos empreendedores de pequeno porte. Desmobilizem cacarecos que viraram sucata no mundo moderno.  Fechem esses comitês de fábricas que destilam no seio dos empreendedores e trabalhadores um cheiro de socialismo ultrapassado.

A oratória sindical em defesa de pequenas empresas é uma fraude semântica. O que os sindicatos querem de fato, sem qualquer embasamento de condicionantes fiscais, é que os trabalhadores de São Bernardo e de Diadema tenham os vencimentos intocados. Ou quase isso. Seria um paraíso que só consta da retórica como ferramenta corporativista e politico-ideológica. Justamente o Grande ABC de custos trabalhistas muito mais elevados que a média do País (o que ajuda a explicar o processo de desindustrialização e empobrecimento) quer se livrar de alguma contribuição na recessão.

Não tenho dúvida de que o festival de oportunismos será prolongado e correrá em raia próxima a dos prejuízos provocados pelo Coronavírus.

Estado versus Estado

Por enquanto há certo comedimento de agentes públicos, privados e sindicais ao tratar de interesses próprios. Nada mais óbvio. Seria constrangedor atropelar o ambiente universal humanitário destilado pela doença. Mas a pauta de reivindicações ainda em forma de solidariedade fajuta começa a se assanhar. Não vai demorar para o governo federal ser impiedosamente atacado.

A demagogia vai imperar. Basta ver o que o Congresso acaba de aprovar para socorrer Estados e Municípios. Do jeito que as coisas evoluem, ou regridem, a União sofreria enxurrada de obrigações que não dialogam com a disponibilidade de recursos mesmo em médio prazo.

Os ignorantes estão à espreita com cantilenas de sempre. As fichas ainda não caíram. Eles não entenderam que há um limite para a atuação socorrista do Estado. Afinal, mesmo considerando a elasticidade fiscal mais que indispensável destes tempos de pandemia, o Estado não pode tudo. Dinheiro não dá em árvore.

Arrecadação, para quem não sabe, sai do bolso dos contribuintes, pessoas físicas e pessoas jurídicas. A taxa condominial não pode subir às alturas por conta de entrega da rapadura a grupos organizados que querem tirar da reta os custos sistêmicos da doença no campo econômico.

O Estado brasileiro tão surrupiado pela classe política e por lobbies empresariais agora está ameaçadíssimo de sucumbir ante o avanço inescrupuloso, oportunista e charlatão de agentes que o representam e que se autodefinem como protetores.  Tenham a santa paciência.



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